Governo do Paraná ignora pedidos de vários setores da sociedade civil para uso da indenização da Petrobras

Observatório de Justiça e Conservação

 

Ao menos 12 organizações criticaram as propostas apresentadas pelo governo do Paraná, como compra de caminhões e melhoria de estradas rurais, presencialmente, em audiência de conciliação na última quinta-feira (24).

O encontro entre vários representantes da sociedade civil e procuradores gerais e servidores do Estado foi marcado pelo juiz Flavio Antônio da Cruz, no auditório da 11ª vara Federal de Curitiba, depois da suspensão do uso da indenização da Petrobras ao Fundo Estadual de Meio Ambiente (FEMA).

A expectativa do juiz Flavio da Cruz era sair da audiência, que durou quatro horas, com um acordo para destinação dos recursos no valor de 930 milhões de reais. No entanto, os representantes legais do governo Ratinho Jr. (PSD) afirmaram que não há negociação quanto aos projetos já aprovados pelo Conselho de Recuperação de Bens Ambientais Lesados (CRBAL), composto majoritariamente por membros nomeados pelo próprio governo.

Estiveram presentes representantes da Petrobras, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), da Procuradoria Geral do município de Araucária, da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa e da Universidade Federal do Paraná. Em peso, participaram também organizações não-governamentais como o Observatório de Justiça e Conservação (OJC), a Rede Pró-Unidades de Conservação, a SPVS Brasil, a Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária (AMAR), o Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (CEDEA), entre outros. Todos os representantes destas entidades pontuaram falhas e falta de aderência dos projetos do governo para o acordo judicial firmado entre Ministério Público e Petrobras.

O ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, José Álvaro Carneiro, foi um dos primeiros a se referir aos projetos do governo já aprovados pelo CRBAL. “O Rio Iguaçu é um completo desconhecido dos senhores que representam o Estado do Paraná porque não tem uma linha [nos projetos] a respeito da qualidade da água do Iguaçu. O foco do governo do Estado é apenas a captação, purificação e distribuição da água até a torneira, ou seja, água é preço e faturamento, mas não se percebe ‘valor’ na produção da água”, iniciou Carneiro.

O CRBAL já tem 441 milhões de reais comprometidos em projetos de autoria exclusiva do governo do estado, sem terem passado por edital de chamamento público e sem mencionar ações para a bacia hidrográfica do Alto Iguaçu, local do desastre ambiental de derramamento de óleo em 2000.

Ainda sobre o rio, o procurador-geral do município de Araucária, Simon Quadros, parabenizou a suspensão judicial do uso do recurso da Petrobras para projetos que nada contemplam a bacia hidrográfica afetada. “O rio Iguaçu morre em Araucária. É o rio urbano mais poluído do país, depois do rio Tietê, quando recebe o rio Barigui. Mas a 30 quilômetros antes tem uma estação de tratamento e captação de água da Sanepar. Parece que no momento da execução do acordo se esquece o motivo da indenização, que foi o desastre ambiental nesse rio”, critica Quadros.

Da Rede Pró-UC, Angela Kuczach expôs aos procuradores do Estado que a questão da crise hídrica não se resolve com caminhão pipa e com poço artesiano. “O Paraná peca na proteção das suas florestas. O estado tido nas propagandas do governo como um dos mais sustentáveis, na verdade é o segundo que mais desmata a Mata Atlântica no Brasil”, cita Kuczach, referindo-se aos dados públicos divulgados pelo MapBiomas.

O atual conselho que aprova os projetos (CRBAL) tem apenas duas cadeiras destinadas à sociedade civil, sendo estas ocupadas por organizações cuja finalidade não é a temática ambiental. Para estes lugares, foram nomeados pelo governo representantes do Movimento Pró-Paraná e do Instituto de Engenharia do Paraná. O diretor-executivo do OJC, Giem Guimarães, afirmou que “o conselho representa interesses apenas do governo em período de eleições, mas os supostos projetos não atendem às necessidades ambientais e sociais do Paraná”.

Representantes do Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (CEDEA) sugeriram a criação de um grupo de trabalho para a avaliação de projetos, que hoje são apenas aprovados com a anuência do conselho.

Do CEDEA, Arthur Conceição propôs um aditivo ao acordo judicial. “Sugiro que o GT seja formado por entidades cadastradas ao Cema [Conselho Estadual de Meio Ambiente] e também por universidades. Todas essas entidades têm profissionais técnicos capazes de assessorar o melhor encaminhamento dos projetos”.

Uma pesquisadora do departamento de Solos da Universidade Federal do Paraná, Eloana Bonfleur, colocou o corpo técnico da instituição à disposição. “Como universidade, entendemos a aderência da instituição ao acordo, porém até o momento não encontramos espaço para contribuir”, afirmou.

Com 40 anos de experiência em conservação da natureza, Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), lembrou que nenhum projeto inclui investimento em órgãos estratégicos de conservação. “Por ter em suas mãos grande parte dos hectares das áreas de proteção integral, o ICMBio tem que sentar conosco e com o governo do Estado para discutir as prioridades. Precisamos fortalecer a fiscalização: o Batalhão de Polícia Ambiental vem sendo reprimido nas suas ações nas últimas gestões por questões políticas”.

Poder Judiciário

O Ministério Público, representado pelos promotores de Justiça Alexandre Gaio e Sérgio Cordoni, reiterou a necessidade de parâmetros mínimos para submissão de projetos, como a elaboração de um termo de referência a ser seguido, o que não foi feito até agora.

“Os projetos precisam ter início, meio e fim. Os atuais, apresentados pelo governo do Paraná, não têm fundamentação adequada, um levantamento do problema e da causa ou cronograma de execução dos municípios. Fica tudo para depois, como um cheque em branco”, pontuou Gaio.

Convencido de que as partes não entraram sozinhas num acordo, o juiz Flavio da Cruz citou os próximos passos. “O processo vai ter tramitação normal, continuação das partes. Vou deliberar sobre essa liminar, se mantenho ou não os fundamentos que estão lá [de suspensão do uso do recurso]”.

A 11ª Vara Federal deve julgar o processo. Nas palavras do juiz, esta decisão envolve uma espécie de “escolha de Sofia”, porque “são recursos vultosos e interesses de magnitude ímpar, porque isso também diz respeito à população que vai ser destinatária de um programa ou outro que venha a ser discutido aqui”, concluiu o juiz.

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