Papagaio-verdadeiro: comércio ilegal faz com que aves percam o habitat natural

Por Mayala Fernandes, Observatório de Justiça e Conservação

São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba são algumas das capitais brasileiras que apresentam aumento na população de papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva). Não é raro avistar grandes bandos voando pelo céu e se alimentando nas árvores urbanas. Mas a espécie não faz parte da fauna nativa dessas cidades e, diferentemente do que algumas pessoas imaginam, a população não está se expandindo de forma natural. O maior responsável pela chegada desses animais aos centros urbanos brasileiros, onde antes não existiam, é o tráfico de filhotes da espécie, seguido da perda das áreas naturais.

Todos os anos, milhares de filhotes de papagaios-verdadeiros são alvos de crime ambiental ao serem retirados de seus ninhos, quando ainda são dependentes dos pais. Eles  são transportados de forma irregular do interior do país para os grandes centros urbanos, nos mercados de venda ilegal de aves silvestres.

Muitas aves são frutos de encomendas de pessoas que, com o tempo, deixam o papagaio escapar ou soltam de forma inadequada. As causas são muitas: receio de penalidades, conscientização da contribuição ao tráfico de animais silvestres ou até a morte do responsável, seguida da total falta de interesse ou habilidade dos familiares para manter o papagaio, que pode viver até 60 anos!

Lugar de bicho silvestre é na natureza e por isso os cuidados devem ser redobrados. O papagaio-verdadeiro é vítima da sua própria simpatia e o preferido pelas pessoas, entre as doze espécies de papagaios que ocorrem no Brasil, para ocupar as casas e os apartamentos como animal de estimação. Sua grande habilidade de imitar sons, incluindo a fala humana, o torna um alvo constante das capturas ilegais na natureza.

No Mato Grosso do Sul, por exemplo, foram apreendidos 11.500 filhotes nos últimos 30 anos. Somente em 2021, cerca de 1.000 papagaios-verdadeiros foram extraídos de seu ambiente natural em todo o Brasil. Contudo, estima-se que o número de aves traficadas seja muitas vezes maior do que aquele registrado pela fiscalização ambiental. Esse é um dos motivos que levaram o Ministério do Meio Ambiente a classificar essa espécie, em 2014, como “Quase ameaçada” e, em 2017, o mesmo ocorreu na avaliação internacional, coordenada pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Essa luz amarela indica a necessidade urgente de mudar esse cenário de ameaças.

Os papagaios vítimas do tráfico sofrem as mais variadas crueldades, submetidos a péssimas condições sanitárias e grande estresse. Nas apreensões, são comuns as cenas de maus-tratos em que os papagaios são encontrados em lugares sujos, com alta concentração de animais, temperatura elevada e alimentação inadequada. Muitos filhotes morrem ao longo de todo o processo, até que algum chegue  vivo às mãos dos compradores finais.

Tráfico pode gerar extinção da espécie

A extração de animais silvestres de seu ambiente natural é a terceira atividade ilícita mais lucrativa do Brasil, ficando atrás do tráfico de drogas e de armas, apenas. Esse comércio é capaz de gerar de US $10 a 20 bilhões por ano, sendo o Brasil responsável por cerca de 5% a 15% deste valor, de acordo com a Rede Nacional de Animais Silvestres (RENCTAS).

Por outro lado, a legislação brasileira que combate os danos à fauna silvestre ainda está longe de resolver essa questão ambiental. O crime é considerado de menor potencial ofensivo. Após as interceptações, os infratores podem pagar uma fiança e responder o processo em liberdade. O caminho seguinte está nas mãos da Promotoria de Justiça e do Juiz do município onde ocorreu a apreensão dos animais que, na grande maioria, estão abarrotadas de processos e nem sempre possuem profissionais preparados para casos como esses, de crimes ambientais contra a fauna nativa.

Segundo a Polícia Militar Ambiental (PMA) de Mato Grosso do Sul, a multa administrativa para tráfico de animais é de R$ 5 mil para cada papagaio, uma vez que os psitacídeos constam no apêndice da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), da qual o Brasil é signatário. No caso de maus tratos, a multa mínima é de R $500,00. Mas, na maioria das vezes, os processos finalizam com penas brandas como pagamentos de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários.

“O comércio ilegal de filhotes de papagaios-verdadeiros foi um dos precursores da mudança de classificação da espécie. Não dá para as populações de papagaios-verdadeiros aguentarem todos os anos essa enorme quantidade de filhotes retirados dos ninhos naturais, que também são destruídos. As populações naturais estão envelhecendo e isso vai causar a extinção da espécie, se nada for feito. A consequente ‘migração forçada’ de ambiente natural para os centros urbanos indica que os problemas são muitos e precisamos fazer algo para mudar esse cenário.”, afirma Gláucia Seixas, Doutora em Ecologia e Conservação da Natureza, idealizadora e coordenadora do Projeto Papagaio-verdadeiro.

 

Apreensão de centenas de filhotes de papagaios-verdadeiros em MS, que seriam vendidos nos grandes centros urbanos como animais de estimação. Foto: Gláucia Seixas/Projeto Papagaio-verdadeiro.

As populações de papagaios-verdadeiros sofrem uma grande pressão em suas áreas de distribuição natural. Parte dessa pressão é fruto da destruição de árvores e ninhos que serviam para reprodução. Ao retirar os filhotes, os traficantes causam duas perdas irreparáveis: o filhote e o ninho, que muitas vezes fica sem condições de receber novas reproduções nos próximos anos ou mesmo é derrubado.

Com o objetivo de gerar informações científicas para dar base às ações de conservação do   papagaio-verdadeiro e combater o tráfico da espécie, Gláucia Seixas deu início ao Projeto Papagaio-verdadeiro, em 1997. Ao longo dos anos, a conservacionista vem trabalhando intensamente para conhecer a ecologia da espécie e identificar o impacto do tráfico sobre as populações naturais em diferentes biomas de Mato Grosso Sul, incluindo o Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica.

Para pegar os filhotes, muitas vezes os traficantes destroem ninhos naturais que poderiam ser usados diversas vezes pelo mesmo casal. Foto: Gláucia Seixas/Projeto Papagaio-verdadeiro.

 

“Foi nesse monitoramento que percebi que os ninhos estavam sendo destruídos pelos traficantes e algo precisava ser feito”, conta Gláucia. “Desde então, junto com minha equipe, comecei a confeccionar e instalar ninhos artificiais, para ajudar na reprodução dos papagaios-verdadeiros dessa região.”

 

Campanha Adote um ninho          

Glaucia Seixas com ninho artificial do Projeto Papagaio-verdadeiro.

“Adote um ninho e ajude a reprodução de papagaios na natureza”, esse é o lema da campanha lançada pelo coletivo Programa Papagaios do Brasil, que engloba diferentes espécies de papagaios e pesquisadores de todo o país.

“Começamos a produzir os ninhos para os papagaios-verdadeiros há um pouco mais de dois anos. Primeiro buscamos referência na experiência dos nossos colegas, que já atuam na área há mais de 20 anos, agora já temos nosso modelo de ninho”, explica Gláucia Seixas.

A pesquisadora conta também que os ninhos possuem características específicas para a reprodução do papagaio-verdadeiro e, a partir do momento que são instalados, são monitorados até que os filhotes alcem voo.

Além disso, a equipe tem a preocupação de instalar os ninhos artificiais em ambientes seguros, para não aumentar a produção de filhotes para a captura de traficantes.

Atualmente, existem cerca de 200 ninhos instalados e, em 2021, os papagaios-verdadeiros ocuparam pelo menos 50 caixas. Além disso, outras oito espécies de aves aproveitaram os espaços seguros para reproduzir. “Eu fico extremamente feliz quando vejo os filhotes se desenvolvendo e voando. O que mais queremos é que eles permaneçam onde estão e que as pessoas entendam que o importante é vê-los na natureza”, fala Gláucia.

A Campanha “Adote um ninho” surge com o intuito de envolver mais pessoas no processo de conservação dos ambientes naturais dos papagaios. Contribuindo com a campanha, as pessoas podem apadrinhar uma das espécies e acompanhar todo o processo de desenvolvimento dos filhotes.

 

Se você tem interesse em contribuir e saber mais sobre a campanha “Adote um ninho” clique aqui.

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