Ameaças do pinus e eucalipto às Florestas com Araucárias nos estados do Paraná e Santa Catarina

Por Mário M. Tagliari, José R. R. Campos, Giovana F. Pereira

 

O Brasil é um dos maiores centros de florestas plantadas no mundo. Em 2020, foi o maior exportador de celulose (subproduto da floresta plantada) no mercado mundial (15 milhões de toneladas), arrecadando US$ 1,2 bilhão a mais que o Canadá, segundo maior exportador (cerca de 9 milhões de toneladas). Segundo a Indústria Brasileira de Árvores, em 2020 havia no país 9,55 milhões de hectares de áreas plantadas para fins industriais (1 hectare = 1 campo de futebol). Deste total, 78% equivalem ao cultivo de eucalipto (Eucalyptus spp), 18% pinus (Pinus spp) e outros 4% com o cultivo de espécies, como a acácia-negra. Paraná e Santa Catarina são dois dos poucos entes federativos com mais de 1 milhão de hectares plantados cada, sendo 85% de seu plantio apenas pinus (Figura 01).

Figura 01. Área de árvores plantadas (Eucalyptus spp, Pinus spp, ou outras) no Brasil em 2020. No Brasil, há quase 10 milhões de hectares de áreas plantadas. São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina possuem mais de 1 milhão de hectares plantados. Imagem disponível em < Relatório IBA 2021>. 

Espécies de pinus e eucaliptos são exóticas no território brasileiro (originárias do sudeste dos Estados Unidos e Oceania, respectivamente), ou seja, não são nativas de nossos ecossistemas. A preferência para utilizá-las em florestas plantadas deve-se à elevada produtividade e rápido desenvolvimento em áreas tropicais e subtropicais 1. A faixa subtropical brasileira (onde se encontram, principalmente, os estados do sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) apresenta uma das maiores produtividades do mundo para pinus e eucalipto 2.

As espécies exóticas para uso madeireiro, por outro lado, comumente ‘escapam’ das áreas plantadas e alcançam ecossistemas naturais, tornando-se uma séria ameaça para a biodiversidade 3. Esta ameaça se materializa quando tais espécies competem e se sobrepõem às espécies nativas, eliminando-as. A espécie exótica, então, é considerada invasora. Pinus são exímios invasores de hábitats abertos 4, até mesmo em áreas de floresta densa, como na Patagônia argentina 3. Eucaliptos também são invasores de ecossistemas, como campos, savanas e até matas fechadas. Das 16 espécies de eucalipto mais utilizadas para produção madeireira no Brasil, 15 tem potencial invasor 5. Consequentemente, quais são as ameaças potenciais que florestas extensivas de pinus e eucalipto trazem para a Floresta com Araucárias, especialmente nos Estados do Paraná e Santa Catarina?

Um pouco sobre a Mata Atlântica e a Floresta com Araucárias

A Mata Atlântica (Figura 02) se estende do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte, contendo diversas formações florestais características (fitofisionomias). Dentre elas, a Floresta com Araucárias, chamada de Floresta Ombrófila Mista. A altitude média desta floresta ocorre a partir de 645 m, com invernos rigorosos e temperaturas entre 14 e 17 ◦C 6, principalmente no sul do Brasil (PR, SC e RS), com ocorrência esparsa em SP e MG. 

Figura 02. Em cinza (lado esquerdo superior) a distribuição da Mata Atlântica. As cores indicam “sub-regiões biogeográficas”. No sul do Brasil há o destaque para a fitofisionomia “Araucaria”, cuja área de ocorrência original passava de 200.000 km². Disponível em <Ribeiro et al. 2009>.

Uma vasta biodiversidade coexiste nestas históricas florestas, contendo espécies vegetais como: cedros (Cedrela fissilis), canelas-embuia (Ocotea porosa), pinheiro-bravo (Podocarpus lambertii) e erva-mate (Ilex paraguariensis). A araucária (Araucaria angustifolia) é a espécie-chave deste ecossistema 7. Remanescentes bem preservados da Floresta com Araucárias contêm também rica diversidade de fungos, aracnídeos, insetos, líquens, aves, anfíbios e mamíferos 6,8.

A vulnerabilidade da Mata Atlântica e suas formações vegetais foi – e ainda é – causada pela depleção dos seus remanescentes (urbanização, agricultura, desmatamento, rodovias 9,10). Previsões otimistas identificaram 28% de remanescentes nativos da Mata Atlântica 9. As mais pessimistas apontam entre 11.4 e 16% 11. Para a Floresta com Araucárias, que originalmente possuía mais de 200.000 km² (Figura 02), restam 15% dos remanescentes nativos 6,12. Eles se encontram fragmentados, isolados e circundados por matrizes, como: áreas urbanas, rodovias, agricultura, criação de gado ou monoculturas de florestas plantadas 6,11,13, especialmente pinus e eucalipto.

Floresta com Araucárias, Pinus e Eucalyptus – a questão da luz

A luz é um fator limitante no potencial invasor de plantas intolerantes ao sombreamento. Eucaliptos, por exemplo, possuem capacidade fotossintética reduzida em áreas sombreadas. Em remanescentes bem preservados, a densidade vegetal é elevada e a competição por luz entre as espécies é alta. Sem uma clareira, a luminosidade não é ideal para o desenvolvimento de eucalipto 13, assim como o pinus, que opta preferencialmente por áreas abertas 4. Porém, áreas de campos naturais, que fazem parte da Floresta com Araucárias, são caracterizadas pela alta luminosidade e baixa quantidade de árvores lenhosas, o que as torna altamente vulneráveis à invasão biológica de pinus, principalmente no Paraná e Santa Catarina, pois possuem maiores plantações de pinus em seus territórios.

Um artigo publicado por Emer e Fonseca (2011) comparou a competição entre araucárias, pinus e eucaliptos em três áreas: um remanescente preservado da Floresta com Araucárias (sem invasão), uma área de monocultura de pinus e outra de eucalipto. Os resultados mostraram alta resiliência e resistência na área de floresta preservada. Tanto pinus quanto eucalipto foram malsucedidos em ocupar os remanescentes densos da mata preservada devido à baixa luminosidade. Por outro lado, nas monoculturas de ambas as exóticas, juvenis de araucária se desenvolviam igualmente bem 13, pois o recrutamento da araucária não é limitado pela luz 14. Na disputa pela luz em áreas adensadas, a araucária se sobressai.

Floresta com Araucárias, Pinus e Eucalyptus – a questão da biodiversidade

Fonseca e colaboradores (2009) avaliaram a diferença na riqueza (número de espécies diferentes) em uma área preservada da Floresta com Araucárias com três monoculturas: araucária, pinus e eucalipto. Foram identificadas 914 espécies nas quatro áreas, incluindo fungos, plantas lenhosas, aranhas, insetos, líquens, pássaros, plantas epífitas, platelmintos (vermes achatados), pequenos mamíferos e anfíbios. 

A riqueza no fragmento de floresta preservada foi maior, com 506 espécies (82.185 indivíduos/amostras). Na monocultura de araucária foram encontradas 466 espécies (22.652); pinus 397 (8042); e eucalipto 318 (8042). Houve queda na riqueza de 37% e 21.5% em monoculturas de eucalipto e pinus, respectivamente, além de reduzir 90% o número de indivíduos/amostras coletados. Se pudermos generalizar este estudo (realizado em São Francisco de Paula – RS) para toda Floresta com Araucárias, podemos dizer que monoculturas de pinus e eucalipto reduzem, em média, até 30% da biodiversidade. 

Araucaria angustifolia pode ser uma espécie resistente ao potencial invasor de pinus e eucalipto. Porém, não podemos generalizar para o ecossistema todo da Floresta com Araucárias e suas espécies coexistentes. Além disso, o estudo de Fonseca e colaboradores 8 usou um remanescente denso e preservado. Mas qual é o cenário nos campos naturais que ocorrem araucária, em áreas degradadas, desmatadas, abandonadas ou pouco abundantes na Floresta com Araucárias? Neste caso, estudos indicam que pinus é altamente invasivo e oportunista devido à quantidade de propágulos (estruturas que desprendem da planta adulta e dão origem a uma nova planta). Ou seja, pinus podem agir sorrateiramente e ocupar os distintos mosaicos da Floresta com Araucárias 15.

Floresta com Araucárias, Pinus e Eucalyptus – a questão in loco

Trabalhando em três Unidades de Conservação municipais (Clevelândia – PR), nós começamos a juntar peças sobre o tema. Em levantamentos fitossocilógicos feitos em área degradada com regeneração natural (há mais de duas décadas) e densidade vegetal elevada, não encontramos pinus e/ou eucaliptos (adultos ou juvenis). Alfeneiros (Ligustrum lucidum) e uva-do-japão (Hovenia dulcis) foram as espécies exóticas com maior frequência. 

Em um destes parques existe plantação de eucalipto (anterior a transformação em parque) mantida até hoje. Encontramos majoritariamente juvenis das nativas araucária e pinheiro-bravo dentro da monocultura. Apesar da baixa abundância, ambas espécies nativas demonstram potencial de ocupação dentro da monocultura exótica. Já nas áreas abertas e de borda desta unidade de conservação, encontramos pinus – reforçando sua capacidade e preferência por luz – juntamente com araucárias e outras nativas (Figura 03).

Figura 03. (a) Regeneração de araucária em área degradada com recuperação natural em uma parcela do levantamento fitossociológico (Parque Tamarino de Ávila e Silva); (b) juvenil dentro de plantação de eucalipto (Parque Mozart Rocha Loures). (c, d) Ocupação de pinus em borda da floresta de eucalipto (Parque Mozart Rocha Loures), Clevelândia – PR. Fotos: Mário Tagliari.

Polêmicas, reflexões e o saldo da problemática

Fonseca e colaboradores (2009), por outro lado, trouxeram argumentos favoráveis para a monocultura de plantações de araucária, ao identificarem redução de apenas 7,9% das espécies entre a área plantada e um remanescente preservado. Entretanto, a araucária como matéria-prima requer mais tempo, organização e estratégia de manejo do que pinus e eucalipto (o que justifica a preferência pela plantação das monoculturas exóticas). A monocultura da nativa araucária é também assunto polêmico. Propostas e projetos de lei de exploração madeireira da araucária, como no Paraná, ou via alteração no Código Ambiental estadual, como em Santa Catarina, foram duramente criticadas por entidades e pesquisadores da área ambiental. Neste aspecto, trabalhos com respaldo técnico-científico questionáveis e argumentações rasas sobre propostas que invoquem ‘manejo sustentável’ da araucária terão uma consequência previsível: o aumento da vulnerabilidade da Floresta com Araucárias. 

Existem, felizmente, estratégias que contribuem positivamente para a Floresta com Araucárias frente à competição com pinus e eucaliptos. A manutenção e criação de Unidades de Conservação 6, beneficiamento de políticas de manejo colaborativo com pequenos agricultores em áreas de Floresta com Araucárias 16, propostas de valoração econômica da floresta mantida “em pé”, envolvendo produtores rurais, indústria e sociedade em uma rede sustentável, como a iniciativa ‘Araucária+’, produção de pinhão por enxertia, ICMS-Ecológico, como em Clevelândia – PR entre outras. Estes exemplos conferem benefícios para a floresta como um todo, garantindo mais de resiliência e resistência frente às ameaças e riscos potenciais destas duas monoculturas exóticas e invasoras na Floresta com Araucárias. 

REFERÊNCIAS

Versão online: Referências coluna

Versão impressa:

 

Giovana Faneco Pereira é botânica taxonomista, professora, pesquisadora e extensionista da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Pato Branco-PR, Doutora em Ciências Ambientais

 

José Ricardo da Rocha Campos é Doutor em Ciências. Atua na área de Pedologia e sensoriamento remoto aplicado a estudos ambientais, relação solo-paisagem e estratigrafia

 

Mário M. Tagliari é professor e pesquisador da Faculdade Municipal de Educação e Meio Ambiente (FAMA), Clevelândia-PR, Doutor em Ecologia