Os 12 municípios paranaenses por onde passa a Área de Proteção (APA) da Escarpa Devoniana, na região dos Campos Gerais, vão sofrer violentas perdas na arrecadação de ICMS Ecológico caso o Projeto de Lei 527/2016, que tramita na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP-PR) e prevê a supressão de 70% da área, seja aprovado.
Até o final de 2017, a perspectiva é de que o valor arrecadado chegue a R$ 6.857.381,87. Se a redução da área para 32% – ou um terço – do tamanho atual acontecer, essa soma será reduzida para pouco mais de R$ 2 milhões, o que representaria perdas de quase R$ 5 milhões anuais, segundo projeções feitas a partir dos últimos dados disponibilizados pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP).
Para 2018, a perda já expressiva ainda seria somada a uma redução de mais R$ 291.438,73, valor proveniente da inflação acumulada para o ano, que será de 4,25%, de acordo com o relatório Focus. Se a mutilação da APA não ocorrer, portanto, no ano que vem os 12 municípios receberão juntos R$ 7.148.820,60.
Desde 1997, quando os cálculos da arrecadação de ICMS Ecológico passaram a ser registrados, os municípios já somaram quase R$ 59 milhões em recebimentos de recursos provenientes apenas de áreas compreendidas pela APA da Escarpa Devoniana.
Cortes drásticos em arrecadações
Atualmente, áreas que ficam dentro da APA são responsáveis por 74,48% de todo o ICMS Ecológico recebido pelos municípios. Dos R$ 8.123.225,54 arrecadados por eles em 2016, R$ 6.209.804,57 foram provenientes da existência delas. Com a aprovação do PL – de autoria do deputado estadual Plauto Miró (DEM), assinado pelo presidente da Assembleia Legislativa, Ademar Traiano (PSDB), pelo líder do governo na Casa, Luiz Cláudio Romanelli (PSB) e apoiado por Pedro Lupion (DEM) –, os 12 municípios viveriam cortes drásticos nas arrecadações. Porto Amazonas e Lapa, por exemplo, seriam os mais afetados, zerando seus recebimentos provenientes de áreas hoje compreendidas pela APA.
O estudo da Fundação ABC, apresentado como embasamento para o Projeto de Lei e que prevê a supressão de dois terços da APA, retira dela as áreas com remanescentes de Campos Naturais e Floresta com Araucária dos municípios, permitindo que sejam ocupadas por práticas de mineração, plantio de soja e monocultura de espécies exóticas, como o pinus, por exemplo.
Todo o ICMS Ecológico que o Porto Amazonas recebe é resultado da existência da APA. Em 2016, o município recebeu R$ 247.430,24 em ICMS Ecológico e, até o fim de 2017, a expectativa é que recolha pouco mais de R$ 280 mil. No caso da Lapa, que até o fim do ano deve receber mais de R$ 250 mil, o valor reduziria para R$ 40 mil, caso a aprovação ocorra. Sobraria alguma arrecadação em virtude da existência de outras áreas de conservação ou mananciais que existem no município. O restante dos recursos hoje associados à área, entretanto, deixaria de existir.
Em Carambeí, dos R$ 681.933,34 recebidos no ano passado, R$ 680.501,28 – mais de 99% – foi proveniente de áreas que integram a APA. Ponta Grossa recolheu em 2016 quase R$ 440 mil de ICMS Ecológico, dos quais 56% são provenientes da área. Jaguariaíva é outro exemplo que sofreria perdas significativas. Ainda este ano, a cidade vai somar um total de R$ 1.241.703,25. Com a aprovação do Projeto de Lei, passaria a receber algo em torno de R$ 257 mil, uma redução de quase 80%. (Mais informações nas tabelas abaixo).
O ICMS Ecológico concede a municípios que protegem remanescentes de ecossistemas nativos o direito a parcelas maiores do dinheiro arrecadado pelo Estado com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS. Por concentrarem porções de Campos Naturais e Floresta com Araucária, os municípios por onde passa a APA são recompensados com mais recursos, que podem ser investidos na melhoria de suas próprias áreas – o que garantiria aumento na arrecadação no ano seguinte – ou no direcionamento do dinheiro ao atendimento de necessidades sociais, como investimentos em saúde, educação e segurança, por exemplo.
Para o engenheiro agrônomo e um dos principais pesquisadores do ICMS Ecológico no Brasil, Wilson Loureiro, a redução da APA não só representa significativo prejuízo aos municípios do ponto de vista financeiro, como enfraquece as ações potenciais de desenvolvimento turístico e vocação regional, capazes de contribuir na diversificação de atividades econômicas e gerar mais trabalho e renda. “Para mudar esse cenário, bastaria que se acelerassem os esforços em favor da conservação da área”, defende. Para ele, a iniciativa mostra o desaso da Assembleia Legislativa com a qualidade de vida da população dos municípios abrangidos, do Paraná e do Brasil. “Essa proposta evidencia a incapacidade dos tomadores de decisão na operacionalização do conceito de sustentabilidade”.
Prejuízos coletivos
Para Gilson Burigo, geólogo e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), as perdas em ICMS Ecológico representam mais uma prova de que o Projeto de Lei, bem como o estudo que o embasa, buscam gerar vantagens para poucos em detrimento de benefícios à maioria. “O ICMS Ecológico repassado aos municípios representou 4,18% do volume total de recursos de ICMS total arrecadado por eles, em 2016. Caso a redução seja aprovada na Assembleia, não será somente a conservação da biodiversidade que sairá perdendo, mas toda a sociedade, que passará a contar com menos recursos que poderiam ser dedicados às necessidades da população”, diz.
Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS explica que se as poucas áreas naturais remanescentes na região fossem devidamente protegidas, haveria um crescimento gradual do ICMS Ecológico arrecadado, ao invés de sua queda brusca. “As próprias atividades de agricultura e reflorestamento teriam maior produtividade em função da maior resiliência frente aos fenômenos climáticos extremos e à perda da biodiversidade que as áreas naturais remanescentes aportam para todas as propriedades da região. Os pontos de maior beleza cênica e onde existem áreas naturais ainda conservadas são, adicionalmente, extraordinários espaços para o desenvolvimento de atividades econômicas relacionadas ao ecoturismo”. Todos esses fatores positivos, segundo ele, estão sendo ignorados pela ganância abusiva e criminosa dos representantes a da Assembleia Legislativa e dos gestores do atual Governo do Paraná.
Para Giem Guimarães, diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação, ao invés de a ideia de redução da APA ser considerada, as arrecadações poderiam ser elevadas significativamente, caso as prefeituras estimulassem a conservação de porções nativas e a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), por exemplo. “É fundamental lembrar que os mandatos dos prefeitos têm apenas quatro anos, enquanto que os benefícios gerados por áreas naturais bem conservadas e protegidas são perenes e aproveitados por muitas gerações”.
A fala de José Álvaro da Silva Carneiro, diretor-executivo do Hospital Pequeno Príncipe durante uma reunião que ocorreu dia 18 de julho na ALEP-PR, parece resumir o drama da situação. Na ocasião, ele disse precisar “falar pelos que não falam”, em menção às crianças que representam às futuras gerações e hoje não se envolvem no debate em defesa da área, mas são as mais afetadas pela supressão das áreas naturais. “A aprovação desse projeto pode querer atender a interesses de 254 proprietários, além de favorecer interessados na fragilização da APA, mas prejudica mais de dez milhões de paranaenses, que têm retirado o direito de contar com uma área, cuja importância da preservação precisa ser respeitada”.
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