Projeto de lei quer reduzir em 68% maior área de proteção ambiental do Paraná

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Rio Iapó - Cânion do Guartelá - Campos Gerais - PR
Rio Iapó, no Cânion do Guartelá. Campos Gerais – PR_Zig Koch

Um projeto de lei que pretende reduzir em dois terços, ou 68%, a Área de Proteção (APA) da Escarpa Devoniana, que passa por 12 municípios do Paraná, pode ser aprovado nos próximos meses na Assembleia Legislativa (ALEP) do estado.

A redução, de acordo com os autores do projeto e a Federação da Agricultura do Paraná (FAEP), diminuiria o tamanho da APA de 392 mil para 126 mil hectares – uma subtração de 266 mil hectares da área hoje sobre proteção legal – e aceleraria a extinção de espécies de fauna e flora que vivem na região, além de comprometer drasticamente o patrimônio arqueológico e geológico da área, com características únicas no mundo.

Os municípios que recebem um conjunto de serviços ecossistêmicos e recursos de ICMS Ecológico por garantirem a proteção da vegetação nativa também perderiam um volume considerável de arrecadação em virtude da alteração. A ideia é de autoria dos deputados Plauto Miró (DEM), Ademar Traiano (PSDB) e Luiz Claudio Romanelli (PSB).

Proposta é inconstitucional

De acordo com o Ministério Público do Paraná (MPE) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) o PL 527/2016 representa retrocesso e é inconstitucional por ferir os compromissos que o Brasil assumiu com a proteção dos recursos naturais e da biodiversidade e colocar em risco importantes ecossistemas associados à área da escarpa.

“Para ser formulada, a proposta também não observou requisitos técnicos e procedimentos participativos que devem ser considerados em casos de alteração de limites de unidades de conservação”, reforça Alexandre Gaio, promotor de justiça do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção ao Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo do MPE.

Importantes remanescentes sobrevivem na área

“Na área, importantes remanescentes de Floresta com Araucária e Campos Naturais – dois ecossistemas associados à Mata Atlântica – ainda sobrevivem. Essas formações foram historicamente degradadas de modo irresponsável por interesses do agronegócio, da mineração, pelo plantio indiscriminado de espécies exóticas, como o pinus e o eucalipto, e por interesses de setores produtivos pouco preocupados com a manutenção e proteção de áreas nativas”, lembra Clóvis Borges, da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).

Um estudo divulgado em 2001 pela Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná (FUPEF) e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) revelou que mais de 99% da Floresta com Araucária já havia sido degradada no Paraná. Na época, a pesquisa mostrou, restavam 0,8% – dos 40% originais – de remanescentes em bom estado de conservação no estado. No caso dos Campos Naturais, vítimas do desconhecimento sobre a biodiversidade que acumulam, a situação é ainda mais crítica. Em 2001, restava apenas 0,24% desse ecossistema em bom estado de regeneração. O restante já foi alterado pela ação humana. O Paraná já teve 13% de seu território coberto pelos campos.

Caminhos para a aprovação e mobilização popular

Mesmo diante dos alarmantes índices, a ameaça da redução de uma área que ainda salvaguarda essas melhores porções existe e pode virar realidade.

O projeto de lei já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do estado no dia 13 de dezembro de 2016 e agora está nas mãos da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção dos Animais. Também precisa passar pela análise de mais duas comissões: de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural e de Cultura da ALEP. Depois, vai para plenário e, se aprovada em todas as instâncias, segue para o governador, que tem autonomia para vetar a aprovação da medida.

Dia 10 de março, uma audiência pública sobre o assunto foi organizada em Ponta Grossa, mas a participação pública de alunos, estudantes universitários e produtores rurais dispostos a questionar a coerência da ideia ou mesmo entendê-la melhor foi dificultada. “O auditório de Cine Ópera foi pequeno para todos os interessados, porque o local foi rapidamente ocupado por uma maioria interessada na aprovação do projeto de lei que trajava camisetas e bonés da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP)”, lembra Gilson Burigo, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

O deputado estadual Pedro Lupion (DEM), relator do PL na ALEP, chegou a questionar em uma entrevista o fato de os estudantes estarem no local dispostos a entender as alterações que implicam reflexos diretos no futuro.

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Audiência pública em Ponta Grossa, em 10 de março_Gabriel Ramos de Lima

Perdas em ICMS Ecológico e potencial turístico

A APA da Escarpa Devoniana foi criada em 1992 por um decreto estadual. Ela passa por 12 municípios paranaenses – Sengés, Jaguariaíva, Piraí do Sul, Tibagi, Castro, Carambeí, Ponta Grossa, Campo Largo, Palmeira, Porto Amazonas, Balsa Nova e Lapa – e faz divisa com o estado de São Paulo.

Além de todo prejuízo ambiental, a redução da área vai impactar diretamente os municípios que hoje são beneficiados com recursos provenientes do ICMS Ecológico, enviados do governo do estado às prefeituras em virtude da proteção dos espaços naturais.

Atualmente, as 12 prefeituras recebem juntas um valor expressivo que, só em 2014, chegou a R$ 5 milhões. Com a aprovação do PL, esse valor seria reduzido para menos de um terço.

Como a proposta prevê reduções diferentes para cada município, o impacto também seria variado. Alguns municípios não teriam mais territórios incluídos na APA. Considerando os números de 2014, Lapa e Porto Amazonas passariam de aproximadamente R$ 178 mil e R$ 202 mil de arrecadação, respectivamente, para zero, enquanto Ponta Grossa passaria a reunir somente 6,32% da área original na APA da Escarpa Devoniana, ou seja, de R$ 358 mil arrecadados em 2014 o município lucraria algo em torno de R$ 22,6 mil. “O potencial turístico do espaço, ainda pouco aproveitado, também seria diretamente comprometido em benefício de alguns proprietários e de empresas dispostas a se instalar na região”, defende Gilson.

Processo de tombamento da Escarpa Devoniana está parado

A estrutura de relevo que separa o primeiro do segundo planalto paranaense é a Escarpa Devoniana. Esse gigante degrau topográfico tem 260 quilômetros de extensão e as rochas que o sustentam datam do Período Devoniano, há 400 milhões de anos, daí o nome.

Além do Buraco do Padre e do Canyon do Guartelá, a escarpa e seu entorno compreendem outros sítios de grande beleza cênica, importância científica e potencial para novas descobertas. Recentemente, um grupo de pesquisadores avaliou apenas um quilômetro de toda essa extensão e identificou dez cavernas ainda desconhecidas.

Caverna de Cercado, Palmeira_GUPE
Caverna de Cercado, na APA da Escarpa, em Palmeira – PR_GUPE

Em 2014, a Coordenação do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná abriu um processo para o tombamento da Escarpa Devoniana, com anuência do Conselho do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (CEPHA). A intenção do conselho era tombar a formação, como fez em 1986 com a Serra do Mar. Em setembro de 2016, o Ministério Público do Paraná recebeu outro pedido formal para o tombamento. O documento foi assinado por uma centena de apoiadores da ideia.

Em setembro de 2015, no entanto, por meio do decreto 2445 o governador do Paraná, Beto Richa, tirou a autonomia do CEPHA. De lá para cá, ele é quem define o que deve ou não ser tombado no estado. “O maior prejuízo dessa medida, certamente, ainda surtirá graves efeitos sobre pedidos de tombamentos futuros”, conclui Gilson.

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