A araucária e a erosão genética que destrói a Mata Atlântica

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Araucaria em General Carneiro - _Zig Koch
Araucaria em General Carneiro – PR_Zig Koch

Muito se discute sobre a conservação da Araucaria angustifolia – o conhecido pinheiro-brasileiro ou pinheiro-do-Paraná. Há quem ache exagero considerar a espécie ameaçada de extinção, valendo-se do argumento de que “existem muitas árvores por aí”. Mas será que os que declaram isso já ouviram falar em erosão genética?

“Erosão” é um termo latino que define a ação ou efeito de erodir, corroer, destruir, consumir e gastar de forma lenta e contínua. Bastante empregado na geologia, ele indica o processo de desgaste que transforma e modela a crosta terrestre, desencadeado pela ação das águas, dos ventos e das geleiras, por exemplo. Em sentido figurado, o termo também tem sido empregado para designar desgaste, deterioração ou destruição. Mesmo no contexto geológico, a erosão, quando induzida por atividades humanas, é considerada um dos principais problemas da destruição ambiental, já que o solo é base para a vida no planeta.

Erosão genética

Plantas e animais são afetados em virtude dos impactos da destruição de habitats, promovido pela conversão de paisagens naturais em prol da expansão da agricultura, da pecuária, obtenção de madeira, construção de rodovias, cidades, dentre outras atividades humanas. Esse processo que reduz a variabilidade das espécies ganha o nome de erosão genética.

A exploração madeireira, ao provocar a diminuição do número de indivíduos de uma população, favorece a perda de variação genética. Dessa forma, os remanescentes ficam com tamanho inferior ao mínimo adequado para que as espécies mantenham sua continuidade e evolução.

No longo prazo, os efeitos são ampliados com o aumento da endogamia, o fenômeno associado à maior probabilidade de autofecundação e acasalamento entre indivíduos aparentados. Configura-se, assim, a perda significativa da diversidade, ainda que, tecnicamente, não se tenha a extinção da referida espécie. O biólogo Edward Wilson afirma que quando reconhecemos oficialmente uma espécie como ameaçada de extinção, na maioria dos casos, ela já está à beira do desaparecimento.

Nas espécies da Mata Atlântica, são restritos os estudos sobre quantificação da perda da diversidade genética pela fragmentação e sobre a divergência genética interpopulacional. No que se refere ao cenário dos Campos Naturais, um dos ecossistemas que integram o bioma, esse conhecimento simplesmente inexiste. O que se sabe, no entanto, é que em menos de cem anos, a araucária teve parte importante de sua diversidade genética original perdida, principalmente, em virtude da exploração madeireira predatória e da drástica redução da cobertura original do ecossistema. A espécie já perdeu 97% do seu ambiente original no Brasil. Árvores com genes responsáveis por características particulares, como produção superior de pinhões e madeira, foram priorizadas para o corte, já que forneciam madeira de melhor qualidade e em maior quantidade. Dados já publicados apontam uma perda genética superior a 50% na variabilidade da árvore.

Mudanças climáticas agravam a situação

A continuidade das ações humanas predatórias e das mudanças climáticas agrava ainda mais essa condição. Enquanto as alterações do clima dificultam a sobrevivência das coníferas pelo mundo, pragas e doenças se tornam uma crescente ameaça, especialmente em áreas sujeitas a eventos extremos ou com ampliação das temperaturas médias. Na Floresta com Araucária, são raros os fragmentos com área superior a 100 hectares. A maioria situa-se entre cinco e dez, e quase sempre isolados, o que compromete ainda mais a situação da espécie.

A redução na população da espécie ameaça de extinção não só a própria, mas muitas outras a ela associadas, como a canela-preta (Ocotea catharinensis), a imbuia (Ocotea porosa), a canela-sassafrás (Ocotea odorifera), o xaxim (Dicksonia sellowiana) e até animais, como o macuco (Tinamus solitarius), os inhambus (Crypturellus spp.), a jacutinga (Aburria jacutinga), entre outros.

A conservação genética dessas espécies raras e ameaçadas precisa ser assegurada. Trata-se de exemplares que devem ser resgatados e cuidados como um patrimônio, sem sofrer com novas perdas. Apesar de apresentar efeitos extremamente drásticos, em alguns casos, a erosão genética pode ser atenuada ou revertida, portanto, a constatação dessa condição precisa induzir políticas públicas e ações enérgicas imediatas.

De uma vez por todas, precisamos assumir um compromisso que impeça o favorecimento de um cenário ainda mais caótico e completamente irreversível para a conservação da biodiversidade.

João de Deus é doutor em Botânica e chefe do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina.

Acesse o artigo no ECO.

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