O governo do Paraná vai se basear em dados manipulados irregularmente para fazer o repasse de 2020 do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para municípios que atendam critérios de conservação ambiental, como a gestão de florestas e de recursos naturais. Trata-se do chamado ICMS Ecológico. O “imposto verde” representa 5% do total do ICMS, que deve ser distribuído anualmente às cidades. No entanto, a utilização dos dados falsos pode fazer com que dezenas de milhões de reais sejam destinados a prefeituras do Estado que não cumprem a lei e não realizam ações ambientais.
Só para as cidades do litoral do Paraná, que contam com 46 unidades de conservação, aproximadamente R$ 5 milhões deixariam de ser repassados em 2020. São mais de 60 ações na justiça que questionam o repasse do ICMS Ecológico. O Ministério Público do Paraná (MPPR) já determinou a realização de auditoria nos cálculos dos chamados “Fatores Ambientais” do repasse do ICMS dos últimos anos – 2017 e 2018. Contudo, a promotoria acredita que essa divergência dos dados vem ocorrendo desde 2016.
Documentos formulados por técnicos do próprio Instituto Ambiental do Paraná (IAP), a partir de processos de investigação interna, apontam que a distribuição do ICMS Ecológico não está sendo feita de acordo com a legislação. O descumprimento da metodologia para elaborar os valores de repasse do ICMS Ecológico, como aponta a documentação, conclui que “notas” mais elevadas foram dadas a municípios que não têm compromisso com a preservação ou com a conservação da natureza, critérios fundamentais para definir os valores da distribuição do imposto.
Essas avaliações deveriam ser realizadas anualmente. Isso distorce todo o valor que teria de ser, de fato, repassado aos municípios. Segundo os técnicos do governo, “não foi possível identificar a metodologia usada para o cálculo nos anos anteriores (2018 e 2019). Simulações e estudos apontam que eles poderiam estar em desconformidade, haja visto a aplicação das fórmulas previstas pela legislação vigente”.
Além disso, as análises apontam que “o cálculo realizado pelo ano anterior pode não ter representado o resultado esperado pela aplicação da fórmula”, “salvo melhor juízo, os índices anteriores não estavam de acordo com a metodologia prevista” e “observou-se grande disparidade com o exercício anterior”.
Para piorar o cenário, mesmo com as recomendações dos técnicos do próprio Governo, uma resolução assinada pelo secretário estadual de Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Marcio Nunes (PSD), aponta que a manipulação dos dados prosseguirá no ano qu vem. O documento estabelece que “para o exercício de 2020” serão utilizados “os mesmos percentuais de índices ambientais (…) de 22 de novembro de 2018”. O número da resolução é 69/2019.
Diante dessa situação, o Ministério Público emitiu um documento recomendando que o governo do Paraná atenda as recomendações técnicas e ajuste os valores que devem ser repassados às prefeituras. Até o dia 30 de dezembro ainda existe a remota possibilidade de que o governo recue sua posição. “Municípios que deveriam ter incremento significativo de ICMS Ecológico não receberão o valor devido e que deveria ser o valor corretamente calculado para o ano conforme as regulamentações vigentes”, aponta o MP em sua recomendação.
Além disso, municípios que criaram novas unidades de conservação ficarão sem o reajuste no repasse. Conforme consta no documento expedido pela promotoria, no Estado foram cadastradas 31 novas unidades de conservação. “Os municípios que criaram novas Unidades de Conservação não receberão o ICMS Ecológico em 2020. Vários municípios criaram novas UCs de grande valor ecológico”, detalha o documento do Ministério Público. “Dessa forma, municípios que precisam do repasse ficarão sem receber os valores corretos. Isso é desigual e prejudica as ações de conservação da biodiversidade”, ressalta o diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges.
Para Giem Guimarães, diretor executivo do Observatório de Justiça e Conservação, essa prática de usar dados antigos e falsos gera suspeitas. “É um absurdo isso! Muitas prefeituras que não cumprem a determinação da lei podem estar recebendo esse recurso de forma ilegal e, outras, que precisam, estarão tendo um grave dano no erário público”, salienta.
Outro lado
O secretário estadual de Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Marcio Nunes (PSD), afirma que, desde janeiro, foi criado um grupo técnico dentro da pasta para analisar o repasse do ICMS Ecológico. Segundo ele, esse grupo, realmente, descobriu inconsistências no repasse. Mas, ele afirma que não é possível alterar os valores neste ano devido a uma votação na Assembleia Legislativa que determinou que os novos índices para repassar a verba só valerão daqui a dois anos.
“A Assembleia passou uma lei dizendo que os índices desse ano só valerão para daqui dois anos. Teremos um tempo grande para discutir os índices e fazer a coisa de maneira correta. Temos que achar o índice correto para pagar para aqueles municípios que preservaram o meio ambiente”, disse.
Entenda:
Como funciona a distribuição do ICMS Ecológico?
O ICMS Ecológico corresponde a 5% do ICMS, que devem ser divididos em partes iguais entre os municípios que tenham mananciais para preservar e as cidades que abrigam unidades de conservação, terras indígenas, Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), faxinais e reservas florestais legais.
Como funciona o repasse do ICMS?
De todo o dinheiro arrecadado pelo governo do Paraná com a cobrança do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), 25% é distribuído por força de lei aos 399 municípios. Há uma competição entre as prefeituras por esse recurso, que chegou a R$ 7,5 bilhões em 2018. Na teoria, o ICMS é dividido atendendo a critérios técnicos, que vão do volume de negócios firmados dentro da cidade à produção agropecuária, passando pelo número de habitantes e pelo fator ambiental – que é o ICMS Ecológico. Quanto melhor o desempenho do município nos critérios, maior será a fatia dele na divisão do ICMS.
Os cálculos do ICMS Ecológico englobam:
– Coeficiente de Conservação da Biodiversidade para o Município;
– Coeficiente de Conservação da Biodiversidade para o Estado;
– Índice Ambiental por unidade de conservação para o Município; e
– Total de recursos financeiros repassados ao Município.
Matéria produzida pelo núcleo de jornalismo investigativo do Observatório de Justiça e Conservação, o OJC Investiga.