Brasil assina Acordo de Florestas e anuncia “fim do desmatamento”, sem divulgar estratégias ou metas

Por Bruna Bronoski, do OJC em Glasgow

No segundo dia útil da COP 26, o Brasil reverbera nos compromissos ambientais que assume. O governo brasileiro assinou o Acordo de Florestas e uso do Território, com objetivo de zerar o desmatamento adiantado de 2030 para 2028, e ainda de restaurar florestas já devastadas.

O acordo assinado no evento da Organização das Nações Unidas em Glasgow, no Reino Unido, prevê seis compromissos para serem cumpridos pelos países. Firmado através do mecanismo de adesão, as nações têm diretrizes amplas e US$19 bilhões em verbas dos governos e do setor privado para investir em restauração de florestas e estancar o desmatamento.

Entre os itens do acordo estão a conservação de florestas e aceleração da restauração, a facilitação do comércio e políticas nacionais e globais para o desenvolvimento sustentável e a implementação e até redefinição de políticas para uma agricultura sustentável. Ainda prevê o alinhamento de recursos financeiros para atingir o objetivo internacional de reversão da perda de florestas.

O documento, que tem caráter político e objetiva guiar nações para instituírem políticas domésticas de cumprimento, inclui a necessidade de reconhecimento de direitos de povos indígenas e comunidades locais no papel de preservação.

O Observatório de Justiça e Conservação acompanhou na COP 26 as discussões dos especialistas em clima sobre o acordo.

Ouvimos as percepções de três deles: a ex-presidente do IBAMA e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo; o biólogo e presidente do conselho do Instituto Arapyaú, Roberto Waack; e a ex-Ministra do Meio Ambiente e co-presidente do International Resource Panel, Izabella Teixeira.

O Brasil tem condições de cumprir as diretrizes do acordo que assinou?

SUELY ARAÚJO – Não vai ser no governo Bolsonaro que vamos cumprir essa declaração. No meu entendimento, vamos passar por uma fase de contenção de danos em 2022. A destruição foi feita e recuperar isso não vai ser fácil. Os órgãos ambientais estão deslegitimados. Ainda vai levar um tempo pra juntar esses caquinhos. Mas pode haver uma expectativa para o próximo governo.

IZABELLA TEIXEIRA – O Brasil oferece vários indicadores de retrocessos imensos. No próprio índice de sustentabilidade das Nações Unidas o Brasil aparece como um dos países que mais regrediu ambientalmente, ao lado da Venezuela. Então não dá pra falar de sustentabilidade sem ações de sustentabilidade. Tem que chegar aqui na COP com um mínimo de autoridade para o resto do mundo acreditar.

Nesta década, não vamos mais discutir desmatamento legal ou ilegal, agora é o fim do desmatamento. Diferente de outras COPs, agora o mundo tem uma relação positiva com a natureza, é uma nova mentalidade politica. É a nature positive que está valendo. O Brasil precisa entrar nessa onda.

ROBERTO WAACK – O Brasil tem condições para isso. Talvez sejamos o país que mais conhece silvicultura no mundo. Domesticamos o eucalipto e o pinus e nos transformamos na maior potência florestal do planeta. Ou seja, a gente sabe lidar com florestas, só não aplicamos esse conhecimento para árvores nativas. Agora é ter vontade política para dar desenvolvimento tecnológico nessa base de conhecimento que a gente já tem.

O segundo ponto é que a gente tem um Código Florestal que pressupõe que todas as propriedades privadas no Brasil têm de ter florestas. Isso também é único no mundo, tem muito valor.

O movimento de mudança tem que ser federal, mas também estadual. Eu vejo o crescimento rápido da agenda subnacional, nos estados. Acho que o mundo depois de Trump e com Bolsonaro está vendo que é preciso relativizar esse peso do governo federal e dividir a ação com os governos estaduais.

A política do governo de Jair Bolsonaro é claramente contrária à conservação de florestas. No governo dele, o desmatamento aumentou por dois anos consecutivos, entre 2019 e 2020. Qual a intenção do governo em assinar tal acordo?

SUELY ARAÚJO – Eu acho que assinou para ficar habilitado a receber parte dos recursos. Só que eu acho que a comunidade internacional está esperta com o Brasil e vai exigir compromisso concreto com o que está assinando. Está bem claro para todos que o Brasil até agora é só discurso e que para ir além disso precisa mostrar serviço.

IZABELLA TEIXEIRA – De tudo o que a gente lê das entrevistas dadas por autoridades brasileiras, o Brasil tem uma grande preocupação em reverter a imagem. O país que liderava está para trás. O Brasil vem a uma COP sem plano, sem estratégia, e ninguém sabe como o Brasil vai fazer as coisas. O governo anuncia o fim do desmatamento para 2028 mas não se sabe como ele trabalhou aquilo.

Aliás, o Brasil deveria ter uma postura política de reconhecer os erros até aqui. Se você quer reconstruir e fazer com que a desconfiança internacional diminua, é preciso reconhecer os erros. Eu vejo o contrário, uma arrogância política do governo brasileiro na COP e declarações não são suficientes para mudar os rumos do desmatamento.

 

O item 4 do Acordo de Florestas institui a implementação e, se necessário, a redefinição de políticas nacionais para uma agricultura sustentável. Como está a legislação brasileira para atender este compromisso?

SUELY ARAÚJO – Sempre é possível aperfeiçoar o arcabouço normativo. Mas talvez seja a hora do Brasil começar a discutir o aperfeiçoamento de políticas de programas à cargo do Executivo e dos governos subnacionais muito mais do que debater a legislação.

Uma das principais ferramentas da Lei Florestal de 2012 é o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Qual é a porcentagem de CAR homologado no Brasil? Muito baixa. E muita coisa que se previa na lei florestal dependia do Programa de Regularização Ambiental e do CAR.

A gente também precisa transformar nossa agricultura inteira de baixo carbono, só assim o Brasil avançaria.

ROBERTO WAACK – Eu acho que a gente tem um ponto que é a rastreabilidade, dar transparência para todas as cadeias de suprimento, incluindo diretos e indiretos. O país tem os instrumentos para isso: um instrumental de monitoramento por satélite único, que é o MapBiomas. Este monitoramento é único no mundo e pertence à sociedade, não está sob o risco de desmonte que aconteceu com os sistemas do INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], do governo. A gente tem condições de rastrear cadeias, guias sanitárias e de transporte, todos os sistemas que documentam o trânsito dos animais, dos caminhões, essa informação precisa ser mais transparente e disponibilizada. ***

Para o OJC, apesar dos objetivos de zerar o desmatamento terem sido firmados na Conferência das Partes de 2021, o país deveria apresentar as mínimas condições de estratégia e planejamento. Falta ao Brasil traçar e tornar públicos os objetivos intermediários e uma estratégia escalonada e bem definida para haver alguma expectativa de reversão da perda de florestas. A frase repetida por brasileiros desde o início da COP 26, de que o país faz políticas “para inglês ver”, mais uma vez faz sentido. Na língua do Reino Unido, isso também pode ser chamado de Greenwashing.

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