Bruna Bronoski
O valor de mais de 1 bilhão e 396 milhões de reais de indenização da Petrobras para reparação de danos ambientais no Paraná pode ser suspenso nesta semana. O Ministério Público do Estado do Paraná entrou com pedido de liminar no cumprimento de sentença para barrar o repasse de recursos a projetos do governo do Estado aprovados no Conselho de Recuperação dos Bens Ambientais Lesados (CRBAL).
A decisão será do juiz Flavio Antonio da Cruz, da 11ª Vara Federal de Curitiba, que recebeu o pedido de liminar do MPPR.
Dos quase 1,4 bilhão de reais da indenização, 66,66% dos valores seriam repassados ao Fundo Estadual de Meio Ambiente (FEMA) em quatro parcelas iguais de 232,8 milhões de reais. Metade das parcelas já foram pagas pela estatal. O restante dos valores, de 33,33%, serão depositados para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD). Pelo acordo celebrado entre MP e Petrobrás, o recurso deve ser usado exclusivamente para conservação e recuperação do patrimônio natural do estado.
Mas segundo o MP, os projetos aprovados até agora não atendem ao objetivo a que se destina o recurso. Entre os projetos do governo Ratinho Jr. estão a compra de caminhões para coleta de lixo (projeto Paraná Sem Lixões), caminhões pipa, trituradores de galhos, construção de poços artesianos e estradas rurais para mobilidade e escoamento agrícola.
Pelo acordo, parte do recurso do FEMA deve servir para implementação, ampliação, fiscalização e proteção de unidades de conservação estaduais e federais de proteção integral e seus corredores ecológicos. Nesta semana, o MP ainda publicou uma nota técnica em que lembra o Instituto Água e Terra sobre as definições jurídicas do conceito de “corredores ecológicos” ou “corredores da biodiversidade”. A nota tem como objetivo evitar a aprovação de projetos que não se enquadram no conceito.
Há percentuais definidos pelo MP para cada ação de recuperação de áreas degradadas e conservação de remanescentes dos biomas paranaenses, sendo 98% do território composto pelo bioma Mata Atlântica.
A maior parte da verba do FEMA, de 40%, deve ser destinada a unidades de conservação. Outros 5% do total devem ser aplicados no município de Araucária, local onde ocorreu o desastre ambiental em julho de 2000, motivo da indenização. A bacia hidrográfica do Alto Iguaçu também será contemplada. Ainda podem receber parte do dinheiro parques públicos urbanos, centros de triagem de animais silvestres, obras de acessos fluviais e marítimos, cooperativas e associações de materiais recicláveis.
O derramamento de quatro milhões de litros de óleo cru pelo oleoduto da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar/Petrobras) atingiu a fauna e a flora da região dos rios Iguaçu e Barigui, além de contaminar água, solo e ar. O derramamento ocorreu em área de preservação permanente e remanescentes da Mata Atlântica. Para reparar os danos causados, houve julgamento de três ações civis públicas.
Organizações civis da área ambiental foram excluídas da mesa
Segundo o pedido do Ministério Público, os repasses não devem voltar a ocorrer sem que a formação do Conselho de Recuperação dos Bens Ambientais Lesados (CRBAL) seja revista. O destino do recurso está definido pelo acordo entre Ministério Público e Petrobras, mas as ações específicas para direcionar o dinheiro estão nas mãos dos conselheiros nomeados pelo Decreto Estadual nº 9.113 de 2021 e empossados em novembro do mesmo ano.
A nomeação foi feita pelo governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), e seu secretário do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest), Márcio Nunes, que ocupa a presidência do conselho. Nas cadeiras ainda estão a procuradora-geral do Estado, Letícia Ferreira da Silva; o secretário da Agricultura e do Abastecimento, Norberto Ortigara; o diretor-presidente do Instituto Água e Terra (IAT), Everton Luiz da Costa Souza e o procurador-geral de Justiça, Gilberto Giacóia.
Como representantes da sociedade civil foram nomeados Marcos Domakoski, representante do Movimento Pró-Paraná (MPP), e Nelson Luiz Gomes, representante do Instituto de Engenharia do Paraná (IEP). Nenhuma organização voltada à conservação do bioma Mata Atlântica foi incluída na composição do conselho.
Para os promotores de Justiça que assinam o pedido, Alexandre Gaio e Sérgio Luiz Cordoni, há “a ausência indevida de representantes da sociedade civil ligados especificamente à proteção ambiental em sua composição”.
Sobre o caso, a Transparência Internacional Brasil afirma que a principal recomendação para promover bom uso de recursos é a existência de conselhos plurais e democráticos. “A participação de organizações ambientalistas nesse processo é fundamental por poderem contribuir com sua experiência e pela atuação direta no tema”, afirma Renato Morgado, gerente de Meio Ambiente e Clima da organização.
Os deputados estaduais Goura (PDT), Gugu Bueno (PL), Delegado Fernando Martins (PSL) e Tadeu Veneri (PT) protocolaram requerimento ao Secretário da Sedest, Márcio Nunes, questionando a presença de entidades que não têm qualquer relação com a questão ambiental.
No requerimento, os deputados perguntam: “qual a contribuição [dessas entidades] para o tema? Como foram escolhidas? Por que o governo não considerou a participação de uma entre as inúmeras entidades de defesa do meio ambiente que atuam no estado?”. E apontaram o fato de tais entidades terem sido nomeadas como “desvio de finalidade”.
Em nota, o governo do Paraná informou que “ambas as instituições indicadas para o Conselho têm notório trabalho em defesa dos interesses do Estado do Paraná e de sua população, possuem em seus estatutos as finalidades de promover o bem comum e a qualidade de vida e contribuir para a preservação e conservação do meio ambiente”. A nota informou ainda que, no caso do IEP, a entidade tem “câmara técnica de meio ambiente, que promove discussões regularmente sobre o tema”.
A fim de garantir um processo mais democrático, o Ministério Público instaurou um procedimento administrativo para incluir organizações e instituições da sociedade civil que trabalham com a conservação da natureza na discussão do destino do recurso. Foram chamadas oito organizações, sendo elas o Observatório de Justiça e Conservação, Rede Pró Unidades de Conservação (Rede Pró-UC), a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Associação MarBrasil, Fundação Grupo Boticário, Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (APREMAVI) e o Instituto Semeia. Além das ONGs, também foram convidadas universidades estaduais e federais, IBAMA, ICMBio e associações. O objetivo da chamada foi criar um grupo de trabalho para discutir a aplicação do recurso.
A pressa é inimiga da conservação
De acordo com profissionais ligados à área ambiental, há uma pressa injustificada do governo do estado em aplicar os recursos. O geólogo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Gilson Burigo, afirma que não há por que correr.
Criado em 2000, o CRBAL nunca funcionou regularmente até a instalação há dois meses de um conselho-gestor. Neste curto período, foram feitas sete reuniões do conselho, sendo 6 delas extraordinárias, para análise de 38 projetos propostos pelo governo. Segundo consta nos registros de ata de uma das reuniões, o Secretário de Estado da Agricultura e Abastecimento, Norberto Ortigara, afirmou que “o momento exige celeridade”.
Segundo o governo Ratinho Jr., já foram aprovados 15 projetos no valor de 441 milhões de reais. Isso é quase metade do valor total do recurso do FEMA.
Ao contrário do que disse o secretário Ortigara, o veterinário e diretor da SPVS há 35 anos, Clóvis Borges, afirma que o momento exige discussão e planejamento. “O importante é ter uma estratégia de Estado para conservação do patrimônio natural. Este recurso deve ser gasto ao longo dos anos, nas próximas duas décadas, e não de uma vez só”, afirma Borges.
Estava em Araucária no dia do desastre ambiental o diretor de relações institucionais da Associação Nacional de Município e Meio Ambiente (ANAMMA), Mário Mantovani. Ele afirma que “este dinheiro não deve de forma nenhuma ir para campanha eleitoral, como o governo do Paraná está tentando. Ao contrário, durante o ano dá pra desenhar um plano de aplicação do recurso para que os candidatos a governador assumam esse compromisso”.
Do setor econômico, o empresário e acionista da Klabin S/A, Roberto Klabin, lamenta a postura do governo do Paraná.
Universidades: estamos à disposição
Preocupados com as propostas que virão do governo do Paraná, representantes de universidades propõem auxiliar no julgamento de projetos para uso do recurso.
Representando a reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o geógrafo Eduardo Vedor diz que a instituição está pronta para colaborar. “Afirmei que a universidade está à disposição do Ministério Público para ajudar no julgamento dos projetos. Sem conflito de interesses, podemos convidar um grupo de profissionais que não submeterá projetos para ajudar na análise, já que o objetivo é atender à sociedade e não aos interesses políticos do governo do Paraná”, afirma.
Vedor defende a participação efetiva das universidades no processo de julgamento do mérito de projetos e nos critérios para análise, uma vez que a divisão do dinheiro já está celebrada pelo acordo. “A UFPR pode criar editais com critérios, por exemplo: só pode coordenar projeto quem trabalha há mais de 10 anos com unidades de conservação, com comprovação. Os editais precisam exigir notório saber na área ambiental”.
Em outubro de 2021, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) já havia se disponibilizado à Sedest para elaborar os planos de manejo de unidades de conservação no estado. Gilson Burigo aponta que as UCs poderiam, por exemplo, receber o investimento que precisam para atingir a finalidade de criação.
“Se for destinado para unidades de conservação, tem que ser aplicado conforme o SNUC [Sistema Nacional de Unidades de Conservação] prevê. Tem que ser feita a regularização fundiária, pagar quem ainda não foi indenizado, como é o caso do Parque Nacional dos Campos Gerais, que não teve indenização até hoje. Agora tem recurso pra isso”, diz Burigo.
Questionado pela reportagem do OJC em entrevista coletiva no dia 26 de janeiro, o secretário da Sedest, Márcio Nunes, afirmou que abrirá espaço para a sociedade civil apresentar projetos de conservação depois da aprovação dos projetos do governo. “Nós vamos destinar 120 milhões para chamamento público, podendo [o valor] ser ampliado. O rito formal disso é que você tem que ter um manual que norteia o chamamento público, e com esse manual faremos o edital porque queremos que venham ótimos projetos. Estamos fazendo estes projetos [do governo] porque o povo está passando sede, o mato está queimando”, referindo-se aos projetos de compra de caminhões pipa e poços artesianos.
Paraná muito longe das metas de conservação da Natureza
Sobre áreas conservadas, os dados recentes do MapBiomas apontam que o Paraná está entre os estados que mais desmatam ilegalmente o bioma Mata Atlântica, junto com Minas Gerais e Bahia. Nos últimos 36 anos de levantamento, o estado perdeu 3.744 km2 de vegetação nativa.
“São necessárias políticas de conservação pra evitar o desmatamento ilegal, que ainda ocorre principalmente no centro-sul do Paraná, na região de florestas com araucária”, afirma Marcos Rosa, Coordenador Técnico do Mapbiomas. “Os dados também mostram que foi possível conciliar a intensificação do uso com agricultura e recuperação florestal ao longo dos rios, o que é essencial para conservação da qualidade e quantidade da água”, completa.
Ainda distante do desmatamento zero, o Paraná se mantém fora da prática dos acordos globais, como o Acordo de Florestas assinado pelo Brasil na COP 26, a Conferência do Clima. O ex-Secretário Nacional de Biodiversidade e Florestas e ex-Secretário Executivo da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (CDB), Braulio Dias, aponta que medidas de conservação no Paraná são urgentes. “Investindo em restauração da biodiversidade, o estado contribuiria para metas globais com a implementação da Década da ONU de restauração de ecossistemas (2021-2030) e para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”.
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