O impacto dos atropelamentos é muito massivo e crônico, o que impacta gravemente a fauna brasileira

Por Fernanda Abra, bióloga da ViaFauna

*O texto é uma reprodução de trechos da entrevista concedida ao Programa Justiça & Conservação

A estrada ideal para mim, é uma estrada que considera todas as dinâmicas do seu entorno, levando em conta a presença da fauna, da natureza, das florestas, da água e do social também. Uma estrada que tenha o mínimo de interferência possível sobre esses componentes e que seja segura o suficiente tanto para os animais, quanto para as pessoas.

Os números são impactantes. Todos os anos morrem em média 39.600 indivíduos de mamíferos silvestres nas rodovias do estado de São Paulo, o que inclui mais de 5000 capivaras, mais de 6000 cachorros-do-mato, 50 onças-pardas e 150 lobos-guarás.

Do ponto de vista biológico, esse é um impacto muito grave para a fauna brasileira, somente em um estado brasileiro. Além dos mamíferos, isso acontece também com anfíbios, répteis e aves. O Brasil é gigantesco e de fato o impacto dos atropelamentos é massivo e crônico, o que impacta gravemente a fauna brasileira.

Do ponto de vista da segurança humana, entre 2003 e 2013, foram registradas quase 30.000 colisões envolvendo animais em rodovias no estado de São Paulo. Todos os anos há quase 700 pessoas que ficam gravemente feridas e 20 pessoas morrem em decorrência dessas colisões.

Muita gente acha que a luta para reduzir os atropelamentos, é uma luta de ambientalista abraçador de árvores, e não é isso, é uma questão muito importante do ponto de vista biológico, obviamente, mas que tem sérios impactos à segurança humana.

O objetivo primeiro da administração de uma rodovia é transportar pessoas e coisas em segurança. A partir do momento que um projeto rodoviário não contempla essa dinâmica com a fauna, isso é muito grave do ponto de vista da segurança operacional e da segurança de tráfego. Então rodovias que contenham medidas de mitigação para reduzir atropelamentos de fauna, são diretamente relacionadas a rodovias mais seguras para as pessoas que usam todos os dias esse tipo de empreendimento.

E não menos importante, os impactos econômicos. Imagine só que atropelar um veado, uma anta ou um tamanduá-bandeira é um acidente grave. Tem proporções maiores e obviamente são necessários recursos humanos para retirar um carro da pista, recolher uma carga que foi derramada, atender feridos, levá-los ao hospital, dar atendimento pré-hospitalar, hospitalar, pós-hospitalar e traumático. Custa dinheiro.

Pela valoração que fizemos de todos esses acidentes, o custo  anual à sociedade paulista é de R$ 56 milhões, uma oneração que poderia ser reduzida e esses recursos serem repassados a outras prioridades na nossa sociedade.

#BonitoNãoAtropela

Em Mato Grosso do Sul, participo do movimento Bonito Não Atropela, que começou com 4 mulheres fantásticas: Raquel Machado (Instituto Raquel Machado), Angela Kuczach (Rede Pró UC) e Juliana Camargo (Ampara Silvestre) e o movimento cresceu. Queremos propor soluções para redução de atropelamentos nos viários que servem ao município de Bonito, afinal de contas, é a capital do ecoturismo no Brasil, um paraíso brasileiro, onde se vê um total desrespeito em relação a essa mega biodiversidade. São muitos atropelamentos, o que é incompatível com a vocação do município.

Imagina que o turista desce no aeroporto de Campo Grande todo feliz para ver natureza, observar fauna e nesse trajeto vê é uma mortalidade absurda, uma carnificina, com carcaças e mais carcaças sendo depositadas na lateral das rodovias.

 

 

 

É sobre colocar a tampa no ralo, para que esses animais que já são ameaçados não sofram tanto com o impacto dos atropelamentos

É um ralo complicado. O que precisamos é uma mudança de conceito, uma mudança cultural de como o Brasil tem planejado, implantado e operado suas rodovias.

Imagina que na década de 1980, quando sofremos o boom da expansão rodoviária ninguém nem falava de impactos ambientais, então existe um descompasso de todo o impacto ambiental que foi causado no passado e agora as formas de entender esse impacto e mitigar.

A questão de resolver os atropelamentos é um assunto multidisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar. Não é o biólogo que vai resolver esse problema, é a aliança entre vários profissionais da biologia, da ecologia, junto com a engenharia civil, a arquitetura, enfim, com  muitos profissionais trabalhando juntos.

Além disso, é muito necessário fortalecer as agências ambientais – estaduais, municipais e federais –  para garantirmos a qualidade e a quantidade das medidas a serem implementadas nos próximos anos.

* Fernanda Abra é bióloga, mestre em Ecologia pela USP, Doutora em Ecologia Aplicada pela ESALQ/USP e atualmente é post-doc associada ao Centro de Conservação do Smithsonian Institution em Washington DC, Estados Unidos. É sócia-diretora da ViaFAUNA e também atua voluntariamente em projetos de conservação de espécies ameaçadas. Coordena as frentes de trabalho relacionadas aos impactos de transportes dos Planos de Ações Nacionais dos canídeos, grandes felinos, pequenos felinos e ungulados ameaçados de extinção do ICMBio.

Foi ganhadora do Future For Nature Awards 2019 e finalista do Prêmio Mulheres do Ano da Revista Claudia. Esteve no Programa Justiça & Conservação no dia  28 de julho de 2021.

Acesse a entrevista na íntegra (clique aqui)

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