A cada ano, perto de 40 milhões de animais são retirados da fauna brasileira, seja pelo tráfico de animais silvestres ou pela caça. São as duas principais ameaças que tomam conta da biodiversidade do país, atrás apenas da perda do habitat. Essa é a realidade que, por muito tempo, assombrou as onças-pintadas no Brasil e ainda merece estado de alerta.
No Parque Nacional do Iguaçu, as onças-pintadas quase desapareceram por conta da caça desenfreada – especialmente entre as décadas de 1950 e 1980 e na década de 1990 – quando uma estrada de 18 quilômetros que rasgava o Parque para ligar os municípios de Serranópolis e Capanema, chamada de “Estrada do Colono”, estava aberta. Estudos indicam, conforme aponta o projeto Onças do Iguaçu, com atuação em Foz do Iguaçu e no Parque, que um dos fatores que aumenta a caça é, justamente, a facilidade de acesso ao local onde as espécies vivem. “Uma estrada, por exemplo, aumenta muito o número de caça. Fica mais fácil para as pessoas terem acesso aos locais”, explica a coordenadora-executiva do projeto, Yara Barros.
No começo da década de 1990, quando a estrada estava fechada desde 1986 por determinação da Justiça, estimava-se, então, uma população de 68 onças no Parque. Mas, com a Estrada do Colono reaberta, em 1997, o número chegou a cinco. Nos últimos anos, a população do maior felino das Américas tem aumentado. Em 2001, a estrada foi fechada pela última vez, a partir de uma decisão transitada em julgado, que é quando já se esgotaram todas as possibilidades de recursos para reverter a decisão.
Por intermédio de um censo feito em parceria entre Brasil e Argentina sabe-se que existem perto de 105 onças-pintadas no chamado “corredor-verde” entre os dois países. E isso se deve às medidas de proteção que foram adotadas nos últimos anos. Em 2016, eram 90 animais, ao todo. Juntos, os parques nacionais do Iguaçu, no Brasil, e do Iguazú, na Argentina, totalizam 600 mil hectares e formam a maior área protegida contínua no centro-sul do continente. Abrigam espécies vulneráveis ou ameaçadas de extinção, como a peroba-rosa, o jacaré-de-papo-amarelo, o puma e a onça-pintada.
Pelos lados brasileiros, o Parque do Iguaçu é a maior área de Mata Atlântica de interior que ainda existe no país, com 185 mil hectares. É o último refúgio da onça-pintada do sul do Brasil. Desse total, 28 onças-pintadas foram encontradas no lado brasileiro. Em 2010, por exemplo, foram contabilizadas somente 11 onças no lado brasileiro, um número que assustou biólogos, ambientalistas e pesquisadores. “É desesperador quando a gente entra em campo e se depara com uma onça assassinada”, comenta Yara.
Somente em região de Mata Atlântica estima-se que existam apenas 300 onças-pintadas. “Ela está, sim, em risco de extinção. Somando as áreas brasileiras e argentinas, temos quase um terço desse felino em nosso território e é a única localidade que tem uma população comprovadamente crescendo” explica a coordenadora do Onças do Iguaçu. Na região também existem outros grandes felinos, como a onça-parda, chamada também de puma ou suçuarana.
Muitos fazendeiros caçam e assassinam as onças por retaliação por terem atacado rebanho de gados, por exemplo. Ainda há pessoas que matam alegando prevenção – a fim de evitar que os felinos entrem em propriedades rurais. É importante ressaltar, no entanto, que uma pesquisa apontou que matar onças-pintadas que atacam o gado no Pantanal é uma péssima ideia também do ponto de vista econômico. O ecoturismo de observação desses animais rendeu US$ 7 milhões em 2015 só em um pedaço daquele bioma.
O turismo que envolve observação de animais de grande porte no continente africano vale quase 50 milhões de dólares, segundo um estudo divulgado no final de 2017 pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). O turismo no continente, segundo o relatório, é “uma indústria crescente que sustenta 21 milhões de empregos, ou 1 em cada 14 empregos”. Em 2014, o relatório indica que as receitas do turismo chegaram a triplicar de 14 milhões para 47 milhões de dólares, passando a representar 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do continente.
Conscientização
Um dos trabalhos realizados pelo Onças do Iguaçu atinge 14 municípios da região Oeste do Paraná, que somam quase 500 mil habitantes. O objetivo é conscientizar as pessoas e buscar a coexistência de todas espécies, com melhorias nas práticas de manejo do gado, além de ações de fiscalização realizadas pela polícia e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
“O Onças do Iguaçu trabalha com pesquisa, engajamento da população e ações de coexistência. Por meio desse trabalho, procuramos encontrar melhores formas de os produtores e fazendeiros terem suas rendas ampliadas e envolvê-los na preservação das onças”, comenta Yara. Um desses trabalhos resultou em uma mudança do uso do solo em que o plantio de milho e soja substitui a prática da pecuária, o que diminuiu os conflitos com os pecuaristas. “Tem um produtor, por exemplo, que é o único da região que produz noz pecan. Estamos o ajudando a ampliar o negócio e até mesmo oferecendo parceria com o projeto”, revela Yara.
Para os pecuaristas, são ensinadas técnicas de manejo que evitam que as onças invadam suas propriedades, como iluminação dos currais e recolhimento dos animais durante as noites. “Teve um produtor que há um tempo perdeu um bezerro por uma onça, mas depois perdeu uma dezena porque não vacinou os animais contra a raiva. É preciso fazer esse trabalho de conscientização permanente”, comenta a coordenadora.
Além da caça, Yara afirma que a evolução do desmatamento é outro fator de risco para os animais silvestres. “A perda de habitat gera o isolamento dos animais e a perda de presas para os carnívoros se alimentarem”, explica Yara. A espécie já perdeu 85% de seu habitat e sobrevive em apenas 2,8% do bioma onde vive, por exemplo. Se a situação não se reverter, há o risco de que que, em 50 anos, o terceiro maior felino do mundo desapareça do Brasil.
Atropelamentos
O atropelamento de animais silvestres nas estradas e rodovias de todo o país é mais um obstáculo à sobrevivência das espécies. O Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE) criou uma ferramenta chamada “atropelômetro” com o objetivo de estimar, em tempo real, “o número de vertebrados terrestres silvestres mortos por atropelamento nas rodovias brasileiras”. Em média morrem, por dia, mais de 1,3 milhão de animais atropelados.
Situação na Caatinga
Encontrar onças na Caatinga tem se mostrado cada vez mais raro. A presença das duas espécies típicas da área, a parda e a pintada, tem diminuído nos últimos anos, o que também as colocou em risco de extinção.
Hoje, estima-se que existam apenas 30 onças-pintadas e 180 pardas na região do Boqueirão da Onça, no norte da Bahia, ponto com maior incidência desses grandes felinos na Caatinga nordestina. Em 2008, data da estimativa anterior, havia 50 pintadas e 200 pardas na área. Os dados são do Programa Amigos da Onça.
Onças do Iguaçu flagra novo filhote
Em fevereiro deste ano, armadilhas fotográficas do Projeto Onças do Iguaçu capturaram a imagem de uma nova filhote de onça-pintada. O flagrante foi feito em uma região remota do Parque Nacional do Iguaçu. A equipe do projeto decidiu não informar a localização exata do ocorrido para a segurança do animal. Segundo a bióloga Yara Barros, coordenadora do Onças do Iguaçu, a filhote é uma fêmea e deve ter por volta de dez meses a um ano de idade. O nome escolhido para batizar a oncinha foi Tainara, que, em Tupi, quer dizer “estrela, perfeita, iluminada”. Ela tem uma marca na testa que parece uma estrela. Em dezembro do ano passado, as armadilhas fotográficas já tinham registrado outra “nova moradora” do parque. Era mais uma fêmea, que tinha sido recém-parida, e foi chamada de Cacira.
Acampamentos de caça
Em 2004, entre 17 e 23 de março, fiscais do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Exército Brasileiro e Polícia Militar Ambiental do Paraná encontraram 26 acampamentos de caça na bacia do Rio Floriano, dentro do Parque Nacional do Iguaçu. Também foram achados 11 pesqueiros, diversos instrumentos para caça e dezenas de animais mortos, como veados, cutias, pacas, antas, cágados, macaco-prego, capivaras, entre outros. Muitos estavam armazenados em isopor e gelo, o que representava a existência de um esquema organizado de venda de animais silvestres.
A cada ano, novas estruturas de caça são identificadas no local. Em outubro de 2019, outras 30 foram achadas em 87 quilômetros de trilhas dentro do Parque Nacional. Sempre que operações como essa são feitas, novos acampamentos são descobertos e desmontados, mas, em grande parte das vezes, ninguém é preso. Abrir uma rodovia em meio ao Parque é facilitar, portanto, ainda mais uma situação cujo controle ainda é bastante desafiador para as autoridades competentes.
Em 60 anos, 23 milhões de animais foram mortos
Um estudo publicado em 2016 na revista Science Advances apontou que a região da Amazônia perdeu 23 milhões de animais silvestres vítimas das caça em 60 anos. Esses números referem-se apenas ao que ocorreu nos estados de Rondônia, Acre, Roraima e Amazonas entre os anos de 1904 a 1969.
Segundo os pesquisadores, foram abatidos na Amazônia, pelo menos, 13,9 milhões de mamíferos terrestres de seis espécies: caititu (Pecari tajacu), veado-mateiro (Mazama americana), queixada (Tayassu pecari), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-maracajá (Leopardus wiedii) e onça-pintada (Panthera onca).
Os caçadores abateram 804 mil jaguatiricas e gatos-maracajá, além de 183 mil onças-pintadas, o maior felino das Américas. Quase oito mil onças foram mortas em 1969, dois anos após a proibição da caça no país. Isso indica que, apesar de ser proibida em território nacional desde 1967, a caça continuou sendo praticada de forma ilegal, inclusive, com recorrentes denúncias aos órgãos ambientais.