Movimento Bonito por Natureza debate futuro de conservação dos biomas de Bonito-MS

Câmara de Vereadores de Bonito recebeu I Encontro de Turismo e Conservação (Multifrequência/Acervo Bonito por Natureza)

O I Encontro de Turismo e Conservação de Bonito, em Mato Grosso do Sul, contou com a participação de vários setores sociais para discutir o futuro da conservação do patrimônio natural de Bonito. Na Câmara de Vereadores da cidade, na tarde da última sexta-feira (22), estiveram presentes representantes da sociedade civil, do governo, pesquisadores do meio ambiente, empresários locais, sindicato rural e Ministério Público. 

O objetivo do encontro foi debater e trocar informações sobre o atual contexto de cuidado ambiental e como os biomas presentes na região, Mata Atlântica e Cerrado, deverão ser conservados para as próximas gerações. 

A mediação do evento foi feita pela jornalista envolvida com questões ambientais dentro e fora do Brasil, Sônia Bridi, e teve como madrinha a atriz Cristiana Oliveira, que interpretou a personagem Juma Marruá na novela Pantanal, transmitida em 1990.

 

Câmara de Vereadores de Bonito recebeu I Encontro de Turismo e Conservação (Multifrequência/Acervo Bonito por Natureza)

Os números sobre desmatamento

No encontro, o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carlos Eduardo Young, apresentou parte do estudo que coordenou sobre quanto vale manter os biomas protegidos.

“O Brasil infelizmente persiste numa trajetória de desmatamento embora todos os ganhos possíveis de produtividade demonstrem que não é mais necessário desmatar. Ainda assim, o que se ganha no caso de aumentar a área agrícola? Na nossa conta, pelo PIB agropecuário, entre 600 e 800 reais por hectare/ano. Quando se desmata, os gastos para recuperar a vegetação é de 18 mil reais por hectare. O prejuízo em desmatar é gigante”, calcula.

Cadu Young ainda citou a situação específica de Bonito. “Nesta região, o desmatamento tem um efeito ainda mais perverso que é o de comprometer o corpo hídrico pelo assoreamento. O prejuízo é que o turismo se alimenta da boa qualidade da água daqui”.

O Mapbiomas Brasil, projeto que tem o histórico de uso e ocupação da terra de todo o território brasileiro nos últimos 36 anos, também esteve presente no evento. Marcos Rosa, que é coordenador técnico do projeto, conta que mais de 55 mil hectares em Bonito já são ocupados por lavouras de commodities.

“Em Bonito fica muito claro a expansão da soja nos últimos 10 anos. De 2010 pra cá, a soja que ocupava 2% do território do município foi ampliada para 10%”, apresentou Marcos Rosa.

O coordenador técnico do Mapbiomas comenta o problema desta expansão. “A soja intensifica muito o uso do solo. Se não houver bom manejo durante o plantio e a colheita, a chuva vai levar os sedimentos para dentro dos rios, então é essencial que se protejam as nascentes”, ponderou Marcos.

A secretária de Turismo de Bonito, Juliane Salvatori, citou a organização dos moradores e donos de atrativos que se organizaram na década de 1990 para promover um turismo sustentável na região. 

“Há 30 anos construímos Bonito com muito diálogo e desafios. Estão envolvidos guias de turismo, empresas de transporte, restaurantes, comércio e os nossos 40 atrativos naturais, dos quais só dois são administrados pela prefeitura. Vejo a importância de estarmos aqui e debatermos novamente, na mesma mesa, as melhores ações para nossa região”, afirmou.

 

Professor da UFRJ, Cadu Young, calculou quanto vale o verde em Bonito (Multifrequência/Acervo Bonito por Natureza)

 

Sexta-feira para o futuro

O Encontro desta sexta-feira contou com a presença de crianças do Instituto Família Legal e do Grupo Escoteiro Rincão Bonito, além do representante sul-mato-grossense do movimento internacional Fridays For Future, Gabriel Adami. 

O movimento do qual Gabriel faz parte teve início com os protestos da ativista jovem Greta Thunberg, em frente ao parlamento sueco, em defesa da conservação da natureza. 

Ao microfone, Gabriel discursou: “Eu tenho um sonho, que é sentar na beira de um rio de Bonito todo dia e ver um animal diferente. Um tamanduá tomando água na ribanceira, um cervo-do-pantanal, uma piraputanga, peixes coloridos nadando. Infelizmente este sonho está sendo retirado de mim. Águas antes cristalinas, agora ficam turvas, barrentas”.

Gabriel cobrou dos presentes ações efetivas, e não apenas “palavras vazias”.

 

Iniciativa privada se preocupa com Bonito conservado

A empresa Gol Linhas Aéreas anunciou voos para Bonito. O aeroporto do município operava com apenas uma companhia aérea, que agora será ampliada com a linha Congonhas/SP-Bonito/MS. O presidente da companhia, Paulo Kakinoff, deixou sua mensagem no evento, gravada em vídeo.

“Bonito é um lugar com potencial de atrativo imenso, que pode e deve ser explorado de maneira sustentável, possibilitando a conservação em condições até melhores do que já ocorreu até hoje, acompanhados do movimento econômico social e local”, afirmou.

Kakinoff citou outra experiência da companhia de inserção de voos em Jericoacoara, no Ceará, em que o tráfego turístico aumentou após a implementação da linha aérea para este destino. O mesmo deve ocorrer com Bonito.

Foram convidados a participar do encontro os empresários locais que, como lembrou a secretária municipal de Turismo de Bonito, são os principais responsáveis pela conservação dos atrativos naturais. 

O Abismo Anhumas, um dos principais atrativos turísticos de Bonito, é gerenciado pela empresária Almira Dias Soares. Almira comprou a fazenda há 25 anos. 

“Quando cheguei a Bonito, não havia asfalto nenhum. Eu vi o turismo se desenvolver e levantar a renda e o nível de profissionalização da cidade. Já naquela época, a pecuária e a agricultura não geravam tantos empregos. O turismo mudou isso”.

Em 1993, houve o primeiro curso de guias de turismo da cidade. “Este foi um fato muito importante para nós”, afirmou Henrique Ruas, dono da Pousada Olhos D’água, que ainda considera o turismo importante para o desenvolvimento da cidade. 

“Pela primeira vez, jovens da cidade tiveram acesso a uma série de informações científicas sobre fauna, flora, geologia, grutas e formação de cavernas. Isso possibilitou que esses jovens tivessem uma renda, muitas vezes superior à renda dos pais nas fazendas. Até hoje, o turismo traz dinheiro de fora pra dentro de Bonito”, lembrou Ruas.

Movimento Fridays For Future deve apresentar Carta de Bonito na COP 26, no Reino Unido (Multifrequência/Acervo Bonito por Natureza)

 

Ministério Público atua na região para conter desmatamento ilegal

Três representantes do Ministério Público de dentro e fora do estado do Mato Grosso do Sul citaram a legislação brasileira de proteção aos biomas Mata Atlântica e Cerrado, os dois existentes em Bonito. 

“A Mata Atlântica tem legislação especial de proteção porque nós passamos 500 anos, desde a chegada dos europeus, destruindo este bioma. Hoje só temos 12% do bioma em bom estado de conservação no país. Isso significa que nós já ocupamos, com diversas atividades econômicas, 88% da mata atlântica. Qual é a razoabilidade de continuarmos desmatamento o que restou?”, questionou Gaio.

O questionamento foi feito por Alexandre Gaio, promotor de Justiça do MP do Paraná e vice-presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA).

O também vice-presidente da ABRAMPA e promotor de Justiça do MPMS, Luciano Loubet, trabalhou durante 13 anos em Bonito. “Eu fui criado aqui perto e vi o rio Perdido morrer. Também presenciei o rio Verde das Sete Quedas assoreado e vejo isso acontecendo com o rio Miranda. Graças a um trabalho feito por todos nós, conseguimos segurar o que está acontecendo no rio Formoso e no rio da Prata”. 

Loubet comentou a importância da discussão do evento. “Eu lembro que fizemos inúmeras reuniões para evitar essas perdas, e hoje nós estamos aqui de novo. Cadê os vereadores desta casa, que têm poder legislativo?”, questionou, ao encontrar apenas dois dos 11 representantes da Câmara Municipal no evento.

 

Visão Política sobre Bonito

O ex-deputado federal e ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, citou o poeta Manoel de Barros para se referir à Bonito: “O Manoel escreveu assim: ‘a importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com balança, nem com barômetro. A importância de uma coisa há de ser medida pelo encantamento que a coisa produz em nós’. Eu desejo a vocês sempre um bom debate, e que este debate chegue às casas legislativas”, disse Mandetta.

Os senadores pelo estado do Mato Grosso do Sul, Simone Tebet (MDB) e Nelson Trad (PSD), enviaram vídeos com suas mensagens.

“Nos assusta a transformação para pior dos nossos rios em função das áreas pantanosas de plantio, daí a importância deste evento. Podemos aliar o desenvolvimento com a questão ambiental”, afirmou a senadora Simone Tebet.

Já o senador Trad perguntou: “Qual será o futuro do nosso maior patrimônio do ecoturismo? Bonito é um fragmento de mata atlântica no meio do cerrado. É preciso ter atenção das autoridades e da população. Registro também que vou lutar pela conservação de Bonito”.

Continuidade das discussões

O I Encontro de Turismo e Conservação de Bonito foi realizado pelas organizações não-governamentais Instituto Raquel Machado, Observatório de Justiça e Conservação, Fundação Neotrópica do Brasil e SOS Pantanal. Teve o apoio da Rede Pró Unidades de Conservação, Coletivo Unidos Serra da Bodoquena, Fundação SOS Mata Atlântica, Onçafari, Instituto Homem Pantaneiro e ABRAMPA.

Ao final do evento, foi lida a Carta de Bonito, com redação das organizações presentes e aberta para sugestões de interessados, de forma participativa. A versão final da carta será apresentada na Cúpula do Clima (COP 26), no Reino Unido, na próxima semana. A apresentação será feita por parte das organizações do evento, entre elas o Observatório de Justiça e Conservação. A iniciativa tem por objetivo concretizar ações de conservação para Bonito e a região da Serra da Bodoquena nas próximas décadas.

 

Clique aqui para ler a última versão da Carta de Bonito e fazer sugestões.

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