O Paraná inicia 2018 como o terceiro estado que mais desmata a Mata Atlântica no Brasil, só ficando atrás da Bahia e de Minas Gerais (segundo dados da ONG SOS Mata Atlântica). Um status vergonhoso para se ostentar atualmente, no ápice da crise ambiental e na iminência de se repensar nosso modo de vida atual, a fim de garantir a sustentabilidade.
A destruição de áreas nativas tem consequências gravíssimas, como o risco de extinção do pinheiro do Paraná (Araucaria angustifolia), árvore-símbolo do estado, que já teve mais de 97% de redução na sua ocorrência.
Mas não é só a Mata Atlântica e espécies a ela associadas que correm perigo: o Paraná também é o limite austral de ocorrência do Cerrado no Brasil. O bioma, que se estende por 15 estados, é o segundo maior em índice de desmatamento. Aparece em manchas na região do Norte Pioneiro do estado, finalizando sua ocorrência na região dos Campos Gerais, em pequenas ilhas e disjunções isoladas em meio à agricultura, que totalizam uma área de menos de 20 quilômetros quadrados.
Fato muito importante a ser considerado é que estes remanescentes savânicos que ainda existem estão, justamente, sob a Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, objeto do Projeto de Lei 527/2016, que prevê a diminuição de 70% da unidade de conservação para livre – e insustentável – exploração agropecuária.
Esses fatos nos levam a questionar a cultura do desmatamento no Paraná e, consequentemente, expor o descaso para com a conservação do patrimônio natural. Não é de hoje que a comunidade científica alerta para os riscos e consequências do desaparecimento das florestas. A ignorância, portanto, não pode ser utilizada como justificativa para as atrocidades ambientais que vêm sendo continuamente cometidas.
O desmatamento compromete o funcionamento dos ecossistemas e de toda uma teia de processos que mantêm as condições climáticas e biogeoquímicas do planeta. Ou seja: a qualidade de vida das populações depende dos serviços gratuitamente fornecidos pela natureza, os “serviços ecossistêmicos”, como, por exemplo, a fixação de carbono em oxigênio, ciclagem de nutrientes, controle da erosão e manutenção do ciclo da água.
Há também questões culturais, históricas e até mesmo financeiras envolvidas, pois, além de fortalecer a identidade e espiritualidade dos povos ao propiciar a ligação do homem com a natureza, o patrimônio natural de uma região é fonte de recursos provenientes do ICMS Ecológico, um mecanismo tributário estadual que remunera municípios que contam com porções de vegetação nativa preservada.
Dessa forma, o desmatamento não pode ser utilizado como prerrogativa de desenvolvimento – visto que o turismo ecológico bem planejado e executado é ótima opção, vide os diversos exemplos de áreas naturais no estado do Paraná com altas taxas de visitação turística, como o Parque Nacional do Iguaçu, que em 2017 bateu recorde no número de visitantes, recebendo quase 1,8 milhão de pessoas. A marca é a maior acumulada pelo parque desde a sua criação, há 78 anos.
Ao ocorrer – seja por brechas da legislação ou por falta de fiscalização – o desmatamento de áreas nativas e a propagação de espécies exóticas competitivas, a incapacidade do Estado em administrar o patrimônio natural e reconhecer a importância desses recursos para todos os setores da sociedade é exposta.
A proposição de um projeto de lei que pretende reduzir em quase 70% a APA da Escarpa Devoniana – que, vale lembrar, é a maior unidade de conservação do Paraná – contraria a comunidade científica, os movimentos ambientais, religiosos, organizações não governamentais, instituições de ensino e pesquisa, dentre outras representações, e escancara o descaso governamental com as políticas ambientais. A prioridade desses atores públicos, eles já mostraram, está no agronegócio em detrimento da sustentabilidade.
Fica, portanto, um questionamento para o leitor: o que é mais vergonhoso? O desmatamento ilegal, na surdina, que vem crescendo e colocando o Paraná entre os primeiros no ranking da destruição, ou aquele que quer se configurar perante a lei, com devidas autorizações e segurança jurídica, expondo, claramente, a preocupação unicamente lucrativa de um pequeno número de grandes proprietários de terras?
Lia Maris Orth Ritter Antiqueira, bióloga e professora doutora da UTFPR Ponta Grossa, é líder do grupo de pesquisa em Conservação da Natureza e Educação Ambiental (Conea). Lucas Antiqueira, pesquisador de pós-doutorado na UEPG na área de Ecologia da Paisagem, é membro do Conea.
Acesse este artigo no site da Gazeta do Povo.
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