Bruna Bronoski, de Glasgow
Uma jovem que o mundo está conhecendo agora traz uma mensagem de dentro da floresta Amazônica. “Eu falo da Amazônia porque é o meu lugar de fala. Não falo aqui [na COP 26] o que eu escuto, o que estudo. Falo o que eu vivo”, diz Txai Suruí, 24, jovem indígena do povo Paiter Suruí, de Rondônia.
Homem, branco, Sebastião Salgado já rodou o mundo com suas lentes, em diferentes projetos fotográficos. Os credenciados da COP que já o conhecem de outros lugares o chamam de “Tião”, com o respeito merecido aos artistas.
Seu “lugar de fala”, como diz Txai, é outro. Não é de quem nasceu no meio da floresta e carrega traços físicos dos povos originários. De fora dela, Tião buscou entender o que se passa lá dentro.
“Eu dediquei quase exclusivamente sete anos da minha vida para fotografar a Amazônia. Terminei este projeto em 2019. Viajei muito por esta floresta e digo, nós temos que protegê-la”, diz Salgado.
Entre a jovem filha de pai indígena e mãe indigenista (quem é atuante na política de integração e proteção das populações indígenas), e o experiente fotógrafo de sobrancelhas brancas, o universo da floresta tem cores diferentes.
Txai Suruí anda por todos os espaços da 26ª Conferência do Clima onde é convidada, sempre com o cocar na cabeça. O símbolo multicolorido e alegre do seu povo fica visível para todo mundo ver.
O hábito é também de outros representantes dos povos originários credenciados na COP 26, o que mostra que a representatividade na maior conferência do clima cresce, apesar de muitos grupos ainda serem sub representados.
Se a jovem Suruí exibe as cores da floresta, Salgado é ausência de cor e luz. O preto e branco de suas fotos da Amazônia estão expostos em paredes do mundo.
A exposição “Amazônia”, que tem mais de 200 fotografias, esteve em Paris por mais de cinco meses. Com curadoria da esposa do fotógrafo, Lélia Salgado, as fotos estão agora no Museu de Ciências de Londres e no Museu de Arte Contemporânea de Roma.
As fotos feitas por Salgado retratam a convivência dele com 12 comunidades indígenas na Amazônia. Além das belezas naturais e culturais registradas, Salgado também buscou criar uma consciência mundial sobre o que ocorre dentro da floresta.
Suas fotografias denunciam ameaças aos povos originários causadas pela ambição econômica. Os registros abordam a extração ilegal de madeira, a mineração do ouro, a construção de barragens, pecuária e produção de soja e as mudanças climáticas dentro das Terras Indígenas.
No Brasil, a exposição chega em 15 de fevereiro do próximo ano no SESC Pompeia, em São Paulo, e em 19 de julho no Museu do Amanhã no Rio de Janeiro. Salgado avisa: são necessárias 3 horas para percorrer os corredores divididos nas duas temáticas: paisagem e povos indígenas da Amazônia.
Defesa das Florestas Brasileiras: da Amazônia à Mata Atlântica
Txai Suruí nasceu no ativismo. Sua mãe é filha de seringueiro e fundadora da associação Kanindé, a maior organização de defesa dos povos indígenas de Rondônia. Há 29 anos Neidinha, como é conhecida a mãe da jovem, coordena este trabalho.
Txai Suruí, única brasileira a discursar na abertura da COP 26 ao lado de várias autoridades, foi ameaçada e atacada após o comentário do presidente Jair Bolsonaro sobre seu discurso.
“Minha mãe é ameaçada de morte há anos. Mesmo assim ela não para o trabalho de defesa dos povos indígenas. Eu tenho um pouco da teimosia dela e não vou abaixar a cabeça para ataques. A minha mensagem é de esperança”, comenta Suruí de dentro dos salões da COP 26 para a reportagem do OJC.
Além de atuar na Kanindé, Suruí é voluntária na organização de liderança jovem Engaja Mundo e coordenadora do movimento Juventude Indígena de Rondônia. Em todos os espaços em que participa, sua luta é para a proteção das florestas.
“Se você pegar qualquer mapa com dados de florestas você vai ver que há floresta em pé quando há presença dos povos indígenas. É por isso que a gente é tão importante na luta contra a crise climática. A gente não só vive a floresta, a gente é a floresta. Elas têm um papel essencial para reverter essa crise”.
Suruí foi convidada pela amiga Paloma Costa, que trabalha na Organização das Nações Unidas, para falar no evento de abertura da COP 26. Com a repercussão da sua presença entre autoridades da ONU e de governos, a jovem reivindica sempre que pode a presença dos povos originários nas mesas de decisão da cúpula.
“A gente pode chamar a floresta amazônica de ar condicionado do mundo, porque é ela que vai regular o nosso clima. Só que quem está segurando a Amazônia? Sem a ajuda do governo e com a própria vida? São os povos originários”, afirma.
Além de estar envolvida em vários grupos ativistas, Suruí é estudante de direito. Sua visão transcende os limites da floresta. Ela lembra que a população urbana também está sofrendo com a crise climática.
“Hoje em dia eu acho inconcebível a gente falar de mudanças climáticas sem falar de pessoas. Quem são os mais afetados, assim como os povos originários e quem está nas florestas? As pessoas que moram nas periferias. É o povo preto, é o indígena em contexto urbano que está sofrendo e que muitas vezes é esquecido. Eles têm de estar nessa discussão também”.
A potência da voz da representante Paiter Suruí não se concentra apenas na Amazônia. Txai Suruí cita as queimadas no Cerrado, que têm ocorrido com mais frequência, e a importância da conservação da Mata Atlântica.
“Lá [na mata atlântica] tem povos originários vivendo na floresta também. Todos os biomas são importantes. Minha mensagem não é só para a conservação da Amazônia, mas sim uma mensagem de harmonia com a natureza no geral, de amor e de respeito à floresta”, afirma Suruí.
Sebastião Salgado também usou os espaços de fala na COP 26 para criticar o governo brasileiro. Em entrevista coletiva a jornalistas no stand das organizações ambientalistas brasileiras (havia outro stand do governo brasileiro na conferência), Salgado afunilou a crítica: “o grande problema do governo brasileiro hoje é o poder Executivo”.
“Tivemos um desmatamento colossal na Amazônia porque nós retiramos todos os filtros que combatiam o desmatamento. O IBAMA não tem mais atuação prática na Amazônia. A Funai, que sempre foi dirigida por sociólogos, antropólogos, pessoas que tinham uma compreensão do problema, hoje é dirigida por um delegado de polícia. Conheço bem a Amazônia e posso dizer que o comportamento desse governo atual é uma catástrofe”, afirma.
O fotógrafo e a esposa, Lélia Salgado, formam uma dupla essencial para a arte da fotografia de denúncia no mundo. Ele escolhe o preto e branco para retratar a floresta verde. Ela é curadora das exposições.
Salgado lembra que 50% do território da Amazônia é protegido pela Constituição Federal pelo perímetro das unidades de conservação e de Terras Indígenas demarcadas. Ele propõe uma força conjunta da sociedade civil com outro poder da República para barrar os avanços do desmatamento.
“Acho que nós temos que nos aliar a todos os juízes, procuradores, promotores de Justiça da Amazônia. Assim nós vamos conseguir ‘segurar’ a Amazônia. Aqui [na COP] tem muita discussão e teoria, mas acho que para proteger a Amazônia nós vamos ter que proteger o que já é protegido pela Constituição”, sugere.
O casal Salgado já plantou mais de 2,8 milhões de árvores nativas em uma propriedade herdada pela família em Minas Gerais. A partir do trabalho do Instituto Terra, o fotógrafo conta que o carbono emitido por uma grande editora de livros é todo sequestrado pela floresta que os Salgado restauraram numa antiga área de pasto.
A parceria entre a editora e o instituto tem bases no “mercado de crédito de carbono”, discutido pelo Artigo 6 do Acordo de Paris e que tem negociações ocorrendo nesta última semana da conferência do clima.
Diretamente ao OJC, Salgado falou sobre a baixa representatividade do setor rural na COP 26.
“Acho que 95% das pessoas que estão aqui na COP são do meio urbano. A gente tem que trazer o rural para esse evento. Os pequenos e os grandes donos de terra do Brasil e do mundo. No caso do Brasil, todas as áreas que devem ser restauradas são propriedades privadas. São eles que têm o poder de reflorestar”, provoca.
Sobre a Mata Atlântica, bioma onde está situada a área de recuperação da floresta da família Salgado, o fotógrafo é incisivo.
“Não existe outra saída se não plantarmos árvores. Elas garantem o sistema de águas. Quando a gente vê no Brasil o problema da falta d’água em São Paulo e em outras grandes cidades, ouço dizerem que o motivo é a falta de chuva. Isso não é verdade. Os reservatórios estão vazios porque nós não temos mais fontes de água, nós destruímos essas fontes porque destruímos as florestas”.
O grito de Tião pelo replantio de árvores nativas é o mesmo grito de Txai Suruí pela conservação da floresta em pé. “É preciso plantar árvores para ter água e qualidade de vida”.
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