Curitiba passa de 41 para 74 hectares de área verde protegida em reservas particulares

Área particular no Pilarzinho, em Curitiba, contribui para qualidade do ar e proteção de nascentes na região (RPPNM Airumã/Zig Koch)

por Bruna Bronoski, do OJC

Curitiba cria 20 novas RPPNMs, metade eram previsões de rua (Arquivo IPPUC)

A curitibana Construtora Independência criou 20 Reservas Particulares do Patrimônio Natural Municipal (RPPNM) ao lado do Parque Tingui, na região noroeste de Curitiba. Com isso ganhou também, conforme prevê um decreto municipal, isenção de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) dos imóveis, além de potencial construtivo.

O potencial construtivo é uma moeda de troca criada pelo decreto municipal 1.850/2012. Quando o proprietário da área decide criar a reserva, abre mão de fazer uso comercial do solo e se compromete a preservar a vegetação nativa do local. Em contrapartida, recebe um Certificado de Concessão de Potencial Construtivo.

Este certificado pode ser transferido para outros imóveis. Daí o interesse de construtoras, já que, em posse do certificado, é possível construir em uma área maior do imóvel, ou mesmo aprovar alguns andares a mais no prédio a ser levantado. Para o dono da RPPNM, entram os valores negociados.

Curitiba possuía 34 RPPNMs, com 41,85 hectares de áreas particulares protegidas. Com os 32,2 hectares das 20 novas reservas, o total da área no município vai para 74,05 hectares.

Novas RPPNMs

A nova reserva fica ao lado do parque Tingui e já tinha planta de loteamento, com previsão de lotes e ruas. Se fosse um loteamento residencial, seriam abertas ao menos sete ruas dentro da área. Ao invés de criar uma única reserva, o proprietário deu entrada em 20 processos, considerando cada rua uma RPPNM (mapa).

Segundo a diretora do Departamento de Pesquisa e Monitoramento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Erika Mielke, isso não gera mais benefícios fiscais ao proprietário da área, já que o potencial construtivo é calculado com base na metragem do terreno.

“O dono da área define o tamanho da sua reserva. Podia ser uma ou 20, não tem diferença. Ele ganha os benefícios pela área, contanto que não altere o bosque nativo, a área de vegetação original”, afirma Mielke.

A construtora dona da área pode se beneficiar do potencial construtivo em seus próprios imóveis ou vender o certificado de concessão a terceiros. A prefeitura não interfere no negócio entre as partes.

Área com 20 novas RPPNMs teria 7 ruas e 10 lotes residenciais, segundo previsão de zoneamento (Arquivo IPPUC)

A vice-presidente da Associação dos Protetores de Áreas Verdes de Curitiba e Região Metropolitana (APAVE), Betina Bruel, conclui que a criação das reservas é positiva, mas deveria ter existido um único processo para abertura de reserva.

“Se analisarmos isoladamente esses fragmentos de rua, eles não seriam transformados em Unidades de Conservação porque tamanho e formato de fragmentos florestais influenciam diretamente na qualidade ambiental. Quanto mais fino e alongado o fragmento, ou muito recortado, maior será o efeito de borda, que é a porção onde a vegetação está mais exposta à radiação solar, vento, mudanças de temperatura, baixa umidade, e tende a se degradar”, pontua.

Bruel lembra que apesar do número alto de reservas, o que tem validade ambiental é a metragem da área. “Sabemos que as 20 RPPNMs serão manejadas de forma integrada, como um único fragmento, mas na minha opinião esse número distorce a realidade”.

A reportagem entrou em contato por telefone com a Construtora Independência para comentar a criação das RPPNMs, mas a construtora preferiu não se manifestar.

A água que abastece Curitiba vem de fora

“Curitiba gosta de inovar na questão ambiental, deveria fazer isso para envolver a região metropolitana”. A afirmação é do diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges.

Borges lembra que os mananciais que abastecem a capital do estado estão no entorno do município, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

A RMC tem 29 cidades, e algumas são essenciais para o abastecimento de água da Grande Curitiba, como Piraquara e São José dos Pinhais. Segundo estimativas do IBGE de 2021, a RMC soma mais de 3.730.000 habitantes que dependem dos reservatórios de água cheios para abastecimento.

“Curitiba precisa estabelecer uma estratégia para intervir na região metropolitana de forma abrangente, em grande escala, com investimentos capazes de proteger o entorno da RMC. É o cinturão verde que protege Curitiba de eventos extremos, excesso ou falta de água, grandes tempestades, que começam a acontecer com mais frequência”, afirma Borges.

O diretor da SPVS acredita que é urgente um fundo metropolitano para incentivar a criação de áreas protegidas na RMC. “Nossa legislação é amarrada, Curitiba não pode gastar um centavo dos fundos municipais com a região metropolitana. Isso precisa ser revisto. A secretaria de Meio Ambiente da capital tem muito mais estrutura para implementar bons projetos na região, ao contrário das pequenas secretarias das cidades conurbadas. É preciso unir as cidades para a conservação das florestas urbanas”.

Enquanto a regulação para incentivo de áreas verdes não fica mais atrativa, proprietários de áreas urbanas se esforçam para manter imóveis privados conservados. Dos 36 mil metros do imóvel da Terezinha Vareschi, no Pilarzinho, em Curitiba, 30 mil são RPPNM.

“Nós estamos vivendo momentos altamente desafiadores com as mudanças climáticas. A preservação da natureza hoje é essencial para esses tempos. Qualquer pessoa sabe o bem que faz estar junto à natureza, é só ver as grandes cidades que retiraram toda a mata, pra ver o que está acontecendo. Manter o verde é para nossa sobrevivência”, afirma Vareschi.

A RPPNM se chama Airumã, que significa Estrela Guia em tupi. Foi a 12ª criada na cidade. O local é sede da APAVE. Vareschi conta que os anos de troca de informações entre proprietários impulsionou o movimento de criação de áreas.

“Quando criei a minha RPPNM, a burocracia era muito maior. Hoje isso já melhorou bastante. Na APAVE fazemos oficinas e incentivamos os proprietários interessados em criar reservas”, conta a dona do imóvel.

Área particular no Pilarzinho, em Curitiba, contribui para qualidade do ar e proteção de nascentes na região (RPPNM Airumã/Zig Koch)

Grupos empresariais também investem em RPPNs. Na RMC, a RPPN Mata do Uru é propriedade do Grupo Positivo e mantém 128,67 hectares de mata atlântica preservada no município da Lapa. Ali ficam protegidas 34 nascentes, além de 40 rios, contados depois da restauração da mata.

Serviços ecossistêmicos com retorno financeiro

A mata conservada não se reflete apenas na quantidade de rios, mas também na qualidade da água. Um exemplo próximo à RMC é o abastecimento do município de Antonina, no litoral do Paraná.

Antonina conta com quatro RPPNs, de onde é extraída a água que abastece o município. Segundo o prefeito da cidade, Zé Paulo (PSD), a área de mata atlântica preservada permite um abastecimento de água generoso ao município.

“Nós tínhamos um problema crônico de falta d’água. Agora nós trazemos de dentro da reserva, com uma adutora, água de extrema qualidade em abundância, quase não precisa de tratamento. Esse racionamento de água de Curitiba… nós não sabemos o que é isso em Antonina”, contou o prefeito no 1º Encontro Paranaense de RPPNs, realizado na última semana.

Além do recurso hídrico garantido, o município é recompensado financeiramente pela preservação das reservas particulares. Antonina recebeu, até outubro deste ano, 5,8 milhões de reais de ICMS Ecológico (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

Municípios que preservam áreas de mata nativa têm direito a 5% da arrecadação do ICMS a partir de critérios que beneficiam a manutenção dos biomas. Não é um novo imposto, mas critérios que beneficiam ações de conservação dentro do imposto já existente. Assim, o repasse do ICMS cresce à medida que o município protege tais áreas.

As reservas particulares de Antonina também recebem incentivo financeiro municipal através da lei de Pagamento por Serviços Ambientais Municipal (PSAM) às RPPNs (lei mun. 37/2020). Com apresentação de plano de manejo e fiscalização periódica, o dono da reserva recebe compensação anual pelos serviços ecossistêmicos prestados pela área conservada.

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