Um projeto que prevê o manejo de remanescentes florestais em área de Floresta Ombrófila Mista (FOM) no Paraná – ou Floresta com Araucária – vem gerando a inconformidade de conservacionistas.
Em todo o estado, restam menos de 0,8% da floresta em bom estado de conservação. O restante já foi suprimido por décadas de exploração madeireira desenfreada ou encontra-se fragmentado em estágio médio ou inicial de conservação. A FOM é um dos conjuntos florestais que compõe a Mata Atlântica. No Paraná, restam 12,9% do bioma. Desse total, apenas 3% estão em estágio avançado de proteção.
A proposta de “manejo sustentável” é do projeto Imbituvão, desenvolvido desde 2010 por professores do curso de Engenharia Florestal da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Ela vem sendo duramente criticada por propor o corte de araucárias em 36 pequenas propriedades localizadas no município de Prado Ferreira, no centro-sul do Paraná. Todas se encontram em estágio médio de conservação.
O projeto defende ser por meio do manejo que se garante a sobrevivência e a preservação de uma floresta. Em resumo, prevê a retirada de araucárias a partir de técnicas que, segundo os envolvidos, causariam baixo impacto ambiental. Também incentiva geração de renda aos proprietários a partir de leilões para fazer a venda da madeira extraída.
A proposta do projeto é de plantar dez araucárias para cada espécie adulta retirada e incentivar a plantação de outras nativas com maior valor de mercado, como a erva-mate, por exemplo. Para os conservacionistas, o corte de pinheiros que levaram décadas para se desenvolver num ecossistema tão ameaçado torna a ideia inviável.
A iniciativa conta com o apoio da Universidade de Ciências Florestais Aplicadas de Rottenburg, da Alemanha, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), EMBRAPA Florestas e do Instituto Ambiental do Paraná (IAP).
Prejuízos à biodiversidade
Para Clóvis Borges, diretor executivo da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental), a proposta de cortar espécies de uma floresta já tão comprometida é inadmissível. Segundo ele, não existem razões que justifiquem o desenvolvimento de uma pesquisa que, na prática, vai causar ainda mais perdas à biodiversidade. “Esforços deveriam ser feitos para elevar a condição desses espaços a áreas em bom estado de conservação, e não para distanciá-los dessa condição”, diz.
Ele defende que as aprovações de planos de manejo em décadas passadas com intenções semelhantes foram diretamente responsáveis pela extraordinária degradação florestal amargada pelo bioma atualmente. “Pela inconsistência das práticas, em 2001, a resolução 278 do CONAMA [Conselho Nacional do Meio Ambiente] proibiu a liberação de novos planos de manejo. Depois, a partir de 2006, foi a Lei da Mata Atlântica que passou a vigorar no Paraná e tornou crime o corte e a exploração de espécies ameaçadas da Mata Atlântica”, pontua.
Outro lado
De acordo com Francelo Mognol, doutor em engenharia florestal e chefe do Departamento de Unidades de Conservação de Uso Sustentável do IAP, a proposta se justifica por se dispor a atender um dos aspectos exigidos pela Lei da Mata Atlântica: o de “comprovar critérios técnicos e cientificamente embasados que garantam a sustentabilidade da exploração e a conservação genética das populações exploráveis”. “Por lei, a vegetação remanescente não pode ser manejada. Com isso, ao nascer uma araucária, são muitos os proprietários que fazem o corte ilegal da espécie por entenderem que estão perdendo espaço de plantio e tendo prejuízo. O que o projeto quer é mostrar que, com base técnica e científica, é possível contribuir com a conservação da floresta, mas também incentivar geração de renda”, diz.
Envolvidos na iniciativa argumentam que estratégias que defendem a ausência de manejo em áreas de FOM não oferecem garantias de que a dinâmica natural das florestas seja capaz de manter a diversidade do bioma ao longo dos anos.
Prejuízos conectados
Para Ricardo Britez, biólogo e doutor em engenharia florestal, a promoção de manejo se justifica em áreas já degradadas e dedicadas a novos plantios, e não em espaços que reúnam remanescentes de uma floresta ameaçada. “Quando se retira mais espécies nativas de um espaço já fragilizado, a conexão entre elas fica dificultada, o que vai deixando as populações isoladas. Isso compromete drasticamente a variabilidade genética do bioma, porque, pela distância e diminuição dos polinizadores naturais, as espécies começam a praticar a autogamia – que é a prática de cruzar com membros da mesma família genética. A tendência dessa situação é que os exemplares de maior qualidade genética desapareçam”.
Ele também lembra, que, na Amazônia não são poucos os estudos que comprovam que o manejo em áreas que deveriam ser conservadas extinguiu espécies altamente valiosas. “Com essa dinâmica de prejuízos conectados, a fauna também sofre muito”. Para Britez, a floresta tem plenas capacidades de retornar, com um pouco de estímulo, a um estágio de conservação avançado. Isso, entretanto, só é possível se não houver mais degradação.
João de Deus Medeiros, doutor em ciências biológicas e chefe do departamento de botânica da Universidade Federal da Santa Catarina (UFSC), compartilha da tese sobre a perda da variabilidade genética e ainda acredita que o interesse comercial pela retirada e venda das araucárias com os melhores fenótipos deve prevalecer. “Indivíduos com características que indicam menor riqueza genética tendem a ser menos visados para a compra”.
Estímulos econômicos
Segundo Mognol, a madeira retirada pelo projeto vai ser leiloada e todo o recurso revertido ao proprietário da área de onde ela foi extraída. Para João, a estratégia ao estímulo econômico é atrasada. “É função do poder público apresentar soluções que recompensem financeiramente pessoas que protejam áreas nativas e restaurem as degradadas. São políticas como essas que precisamos exigir”, defende.
Clóvis Borges, da SPVS, lembra o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) como uma das formas de gerar renda e incentivar o produtor rural a conservar. “Há mais de cinco anos, a viabilidade de um mecanismo de estímulo à conservação é promessa do atual governo do Paraná. Até agora, nada foi efetivado”, aponta. A solução remuneraria donos de terras que mantivessem conservada a vegetação nativa. “No Japão, ‘pesquisas científicas’ justificam o abate de baleias. O que está acontecendo no Paraná com um projeto como o Imbituvão segue uma lógica extremamente parecida”, diz Clóvis.
Risco de extinção florestal
Para Mário Mantovani, diretor da SOS Mata Atlântica, se executada, a proposta soma condições suficientes para referendar a extinção da Floresta Ombrófila Mista. “No Paraná, existe uma cultura de degradação. Historicamente ela ocorreu com o apoio de acordos políticos e isso precisa acabar. É dever do estado não sobrepor seus interesses individuais ao bem estar coletivo e, ética e cientificamente, a ideia de manejo sustentável em área de floresta Ombrófila Mista não se justifica. O Paraná está na contramão da conservação e da garantia da qualidade de vida dos habitantes”, conclui.
Workshop
Um workshop para apresentar a metodologia do Imbituvão aos proprietários das áreas selecionadas havia sido agendado pela UNICENTRO e pelo IAP para o dia 01 de setembro, mas, após um diálogo com representantes do Ministério Público do Paraná, o encontro foi adiado. Ele seria financiado pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), do governo do Paraná. Nenhuma outra data por enquanto foi divulgada para a reunião.
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