O estudo da Fundação ABC, que propõe reduzir em dois terços a Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, que embasa o projeto de lei (PL) estadual 527/2016, não pode ser aceito, visto ser atribuição do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão da Secretaria de Meio Ambiente do Paraná (SEMA), a “proposição, execução e acompanhamento das políticas de meio ambiente do estado”, incluindo a “organização e manutenção do Sistema Estadual de UCs”.
A missão da Fundação ABC, por outro lado, como a instituição deixa bem claro em seus canais de comunicação, é “desenvolver soluções tecnológicas para o agronegócio, fornecendo diferenciais competitivos aos produtores, contribuintes e cooperativas mantenedoras”. Nada impede que o IAP convoque instituições para contribuir em estudos semelhantes, porém, de forma alguma a função pode ser delegada a uma única entidade, com interesses tão antagônicos. Igualmente, a Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) não pode demandar tal estudo sem contar com o envolvimento direto da SEMA e do IAP como ocorreu, já que a SEMA emitiu um parecer dizendo que o PL “não deve prosperar por ser um retrocesso ambiental, além de gerar perda de arrecadação de ICMS Ecológico aos municípios e riscos a importantes sítios arqueológicos e históricos”.
A OAB-PR também se manifestou contrária ao projeto, destacando que ele é inconstitucional. Surpreende, entretanto, a rapidez com que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALEP, em 13 de dezembro do ano passado, pouco mais de um mês após a apresentação da proposta na casa.
Outro risco que o PL traz é a abertura de precedente que poderá ser usado para a redução de outras UCs no Brasil, colocando ainda mais em ameaça o nosso patrimônio natural, já severamente desfigurado, fato comprovado pelas 2.113 espécies de plantas e 1.173 de animais oficialmente em extinção no Brasil (Portarias 443 e 444/2014 do MMA).
São inverídicas as afirmações de que ambientalistas radicais querem criar confusão e induzir a população ao erro como alguns têm afirmado, especialmente após o massivo interesse da sociedade na audiência realizada pela ALEP no dia 10 de março, em Ponta Grossa. O direito de participação na audiência, inclusive, foi cerceado a centenas de cidadãos, por falta de lugares. Espaço não faltou, porém, a dezenas de apoiadores do PL, trajando camisetas e bonés da Federação da Agricultura do Paraná (FAEP). Essa seletividade de acesso ao evento deveria tornar nula a audiência, como demandado pelo MP do Paraná.
A justificativa de que atualmente existem equipamentos, imagens de satélite e tecnologias de ponta que permitem delimitar a área com maior precisão também não pode ser aceita, considerando, especialmente, a época em que boa parte das UCs foram criadas no Brasil, as primeiras da década de 1940. O principal referencial utilizado em épocas de menor tecnologia era a localização geográfica dos remanescentes naturais que se objetivava a preservação os quais, para a APA, criada em 1992, eram os Campos Naturais que margeavam os afloramentos de arenitos depositados no período devoniano (daí a origem de seu nome) e que, por absoluta falta de implementação da UC, foram convertidos em agricultura, pastagens plantadas e silvicultura, as mesmas áreas que agora o projeto de lei quer subtrair da unidade.
Ainda assim, atividades produtivas são permitidas na área, desde que obedecendo regras para a boa convivência delas com a preservação dos recursos naturais. Mesmo projetos de baixo impacto, como empreendimentos de geração de energia eólica, podem ser permitidos, desde que estudos de impacto ambiental sejam realizados e aprovados, atribuição última também a cargo do IAP no Paraná. Acontece que o IAP está desestruturado, sucateado e sem pessoal para dar conta plena de suas atribuições, pois, desde a sua criação, há 25 anos, houve somente um único concurso público para recrutamento de pessoal.
Para a melhor gestão da APA e das demais UCs do Paraná, bem como para fortalecer e agilizar o licenciamento de obras, a ALEP deveria buscar recursos para lançar concurso público e aparelhamento do IAP e não, simplesmente, ignorar as suas funções. Igualmente, deveria trabalhar junto ao Executivo Estadual para que a Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) do Paraná, aprovada em 2012, seja colocada em prática, pois, até hoje, nenhum agricultor do estado foi beneficiado, prejudicando os produtores que realizam ações para proteção da natureza em suas propriedades, que são a regra, pelo menos segundo o que defende a FAEP.
Henrique Simão Pontes é geógrafo, técnico em Meio Ambiente, mestre em Gestão do Território e doutorando em Geologia. Membro efetivo do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE) e integrante do Grupo de Pesquisa Geoconservação e Patrimônio Geológico (CNPq/UFPR).
Acesse o artigo no Jornal Bem Paraná.
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