A legislação ambiental brasileira é restritiva demais para os negócios?

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Em outubro deste ano, foi divulgado o resultado de um estudo realizado pelo Climate Policy Initiative, relacionado no Brasil ao Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas (CPI/NAPC), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Com apoio da Sociedade Rural Brasileira e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o trabalho levaria à conclusão, segundo a agência, que, em termos mundiais, o Brasil tem “a legislação florestal mais restritiva entre os grandes produtores de alimentos”.

O enfoque é dado preponderantemente ao Código Florestal Brasileiro, a despeito do substantivo abrandamento feito pelo Congresso Nacional em 2012. De acordo com o estudo, o Brasil teria as regras mais rígidas de proteção de Áreas de Preservação Permanente (APP) em propriedades privadas. Porém, cabe ressaltar que essa situação se limita à legislação existente e não a sua aplicação, sendo considerada uma “pedra no sapato” no entendimento de diversas entidades de classe que representam os interesses ruralistas.

Parece haver uma compreensão distorcida de que proteger áreas naturais onde há nascentes, beiras de rios e encostas é algo prejudicial aos negócios e que, pelas restrições causadas, estamos em defasagem perante os países que não apresentam o mesmo arcabouço legal protetivo.

Pior ainda se a questão da Reserva Legal for considerada, pois ela se refere a uma percentagem da propriedade diferente em cada bioma brasileiro, que deve ser mantida com cobertura natural. Mas isso antes da profunda modificação do Código Florestal. Atualmente, há situações que levam à possibilidade de até monoculturas exóticas de árvores integrarem parte da área de Reserva Legal, o que vem sendo motivo de contestação judicial neste momento.

De fato, vivemos em um país de extremos. E de uma complexa condição de interesses sumamente segregadores, que deixam o que é óbvio dúbio. E o que deveria ser uma fortaleza torna-se fragilidade. Lamentavelmente, é corrente o uso de comparações desprovidas de suporte científico com países do Hemisfério Norte. São, em geral, construídas com base em regiões onde as condições climáticas, dinâmica de evolução do relevo, ciclo hidrológico e formação de solos, além da diversidade biológica, são radicalmente distintas do que ocorre nos biomas brasileiros, portanto pouco comparáveis em termos de susceptibilidade e necessidade de proteção.

É antiga a máxima de que “se eles destruíram por lá, nós também temos o direito de destruir por aqui”. Ouvimos isso no Brasil há décadas. E os que têm o poder sobre o território vêm impondo suas vontades de forma intensa, desrespeitando a legislação vigente e desafiando o restante da sociedade.

O “Agro” vende uma imagem de modernidade e riqueza sem limites. É, ao mesmo tempo, responsável por situações de expressiva limitação de acesso à água para milhões de pessoas. São também inúmeros os serviços ecossistêmicos que acabam cerceados da população pelo excesso de exploração do território. Dados não faltam, mas é desproporcionalmente baixo o número de instituições sendo estimuladas a processá-los, trazendo à tona o que perdemos todos os anos por erosão dos solos, efeitos do excesso de fertilizantes e de agrotóxicos e as terras que deixam de ser produtivas por sua exaustão.

É grosseira a afirmação de que um regramento ambiental mais consistente seja a razão para qualquer país ser inferior a outro. Se o Brasil conseguiu construir uma legislação mais avançada e moderna, que reconhece nossa enorme dependência da natureza (ou de áreas naturais bem conservadas), isso representa uma vantagem competitiva sem precedentes.
Mas o que ocorre, afinal, é um “faz de conta” no que se refere ao cumprimento dessas leis por parte de muitos proprietários de terras. É um discurso claramente demagógico, que deveria nos envergonhar, a afirmação de que a manutenção de áreas mínimas protegidas é responsável pelas mazelas da sociedade. Aqui, como se vê, o inverso tem espaço e se impõe, mesmo sendo uma grande mentira.

* Gilson Burigo é geólogo e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

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