“Infelizmente os morcegos ainda são cercados de mitos e lendas, são vistos como seres monstruosos, mas a verdade é que nós precisamos muito mais deles do que eles precisam de nós. Os morcegos (quirópteros) assumem grande importância ecológica pelos papéis que desempenham nos ecossistemas, atuam como polinizadores, dispersores de sementes, controladores de populações de insetos e, além disso, são excelentes indicadores de qualidade ambiental, uma vez que são muito sensíveis a alterações em seu habitat. Ficamos vulneráveis devido ao nosso próprio comportamento, não é culpa dos animais. Somos vítimas da nossa própria ignorância.”, diz Reginaldo Ferreira, coordenador de projetos da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS).
Os morcegos são animais múltiplos com grande diversidade alimentar. Entre os mamíferos brasileiros, são os únicos que podem voar, característica que faz deles importantes dispersores de sementes, em áreas fragmentadas de florestas tropicais. Voam de um lado para outro, buscando áreas verdes entre cidades, plantações agrícolas e espaços degradados.
Pelo cheiro, identificam e selecionam seus alimentos preferidos, prestando diversos serviços ambientais. A pesquisadora Lays Cherobim Parolin explica que existem 181 espécies diferentes identificadas no Brasil, com hábitos, tamanho e características físicas diferentes. “Apesar da má fama e do medo que despertam, existem apenas três espécies que se alimentam de sangue. A grande maioria se alimenta de frutos, néctar e insetos. Os morcegos têm funções ecológicas muito importantes, como a polinização das flores, e o controle das populações de insetos. Quem vive na cidade e reclama de pernilongo, é bom saber que, se não houvesse morcegos, seria muito pior. Como semeadores, têm um papel natural de grandes dispersores de plantas pioneiras, em estágios iniciais e secundários de sucessão natural, e restauração de ambientes”.
“Muitos morcegos se alimentam de frutos e, diferente de nós, não separam as sementes. Engolem e seguem sua vida. Mas há algo muito interessante nesse comportamento. Eles defecam no voo e chegam a diferentes distâncias, cumprindo um super papel de dispersão que é levar essas sementes longe da planta-mãe, com grande diversidade porque se alimentam de um monte de frutos diferentes”, acrescenta a pesquisadora Lays Cherobim Parolin.
Lays começou a se interessar pelos morcegos na faculdade de biologia e, desde então, pesquisa a restauração de paisagens degradadas e a interferência dos morcegos no processo de recuperação. Atualmente, além do estudo dos mamíferos alados, atua como professora universitária na PUC-PR e tem a paixão por esses animais marcada na pele, em forma de tatuagem.
Você sabia que os morcegos vivem bastante? Eles são pequenos mas existem dados de morcegos vivendo mais de 20 anos. Crédito: Reginaldo Ferreira 
No planeta há cerca de 1.411 espécies de morcegos. No Brasil, são aproximadamente 181 espécies. Apenas três consomem sangue. O mais comum é o Desmodus rotundus. Crédito Raphael Sobania.
Ameaça
A destruição dos habitats e os efeitos da urbanização, com novas tecnologias de transporte, habitação, comércio e outras atividades afetam diretamente a capacidade sensorial dos morcegos. A grande quantidade de estímulos sonoros, químicos e luminosos gera uma poluição sensorial que altera o comportamento dos animais, mascara riscos, distrai e confunde os animais durante o voo.
Durante as pesquisas, Lays Parolin constatou a fragmentação constante das áreas verdes. “Cada vez que eu vou a campo, a alguns lugares onde tinha a certeza que iria encontrar determinadas espécies, para instalar uma rede de neblina, capturar e analisar os animais, é uma surpresa negativa. Muitas vezes aquele lugar não existe mais, o efeito de borda das estradas está cada vez maior, o calor, o vento a poluição cada vez chegando mais a esses ambientes e a cada visita o lugar está diferente do que estava antes. Esses seres tentam fugir, buscam outro lugar e isso causa a diminuição e até a extinção dessas populações. Temos que pensar que esse problema não é apenas do morcego, é nosso também porque abrimos o caminho para nossa própria destruição”.
A manutenção do ecossistema equilibrado é benefício importante dos morcegos. Quando a natureza não está equilibrada, somos nós que temos de suportar o impacto final, como clima desregulado, perda de biodiversidade, pragas e epidemias. Proteger as espécies e ajudar a população de morcegos a crescer vai contribuir para restabelecer o equilíbrio natural e a riqueza das nossas florestas.
Bat Houses
Em alguns países, há um esforço de toda a sociedade para evitar a redução das populações de morcegos. O advogado e ambientalista Aristides de Athayde lembra quando morou no Canadá e recebeu, da própria prefeitura, casinhas para instalar no beiral de casa para que os morcegos morassem dentro. “Lá existem 6 ou 7 espécies de morcegos, muito menos do que temos aqui, no Brasil. Algumas famílias até colocam o nome do morcego na casinha, é muito legal mesmo. A prática de usar as Bat Houses é comum também no Texas, Estados Unidos, e existem alguns livros e sites que ajudam a construir esses aparatos, porque cada animal tem características de abrigo diferentes”.
Como os morcegos perderam seu habitat natural devido ao desmatamento, as casinhas foram a saída encontrada para alojar os animais. Isso ajuda a população a crescer e a restabelecer o equilíbrio.
“Houve um trabalho de virar a chave de boa parte da população em orientar e esclarecer que não são animais sujos. E as pessoas querem ter as casinhas, algumas muito bonitas por sinal. Os morcegos usam como abrigo e diminuem as populações de insetos. Aqui no Brasil temos os morcegos hematófagos que não existem nesses países, mas podemos fazer esse trabalho também, aos poucos cutucando e orientando as pessoas de como lidar, como observar e entender os morcegos, para que essa prática das casinhas seja uma realidade aqui em locais onde isso é possível”, esclarece Lays Parolin.
Os benefícios, variedades e curiosidades sobre morcegos
Inseticida Natural
A classificação dos morcegos é feita pela alimentação. A bióloga Carolina Scultori pesquisa e trabalha com morcegos desde 2001 e explica que os mais abundantes no Brasil são os insetívoros: “Eles são capazes de comer uma quantidade muito grande de insetos e são responsáveis por manter o equilíbrio dessas populações, o que é muito importante para os seres humanos na proteção das lavouras e até mesmo no nosso conforto”.
Polinizadores naturais
O grupo dos polinizadores se alimenta de néctar e pólen, ajudando na reprodução das plantas. Há espécies muito interessantes no Brasil que prestam esse serviço e centenas de árvores frutíferas dependem dos morcegos para a produzir. “Os meus preferidos são os polinizadores porque são incrivelmente lindos e interessantes. Eles têm um metabolismo muito rápido e parecem muito com o beija flor, pairando em frente às flores. Esses morcegos possuem um focinho longo e uma língua muito comprida que inserem dentro do tubo floral para puxar o néctar. É muito bonito de ver”, descreve a bióloga.
Carolina também cita os morcegos carnívoros que se alimentam de outros pequenos mamíferos, invertebrados e anfíbios. E os hematófagos, com três espécies no Brasil e no mundo. “Só temos morcegos hematófagos do México até o sul da América do Sul. No continente Europeu, onde surgiu a lenda dos vampiros, nem existem essas espécies. Eles, originalmente, tinham um papel muito importante no controle de mamíferos. Hoje em dia se alimentam muito de criações de gado e cavalo, do sangue desses animais. Eles são bem abundantes mas não atacam de propósito, com intenção de ferir”, esclarece.
Morcegos gigantes
Na Austrália e na África existem ainda as raposas voadoras, morcegos que podem ter até 1,70 m de envergadura de asa e mais de 1m do pé à cabeça. São bichos muito grandes que se alimentam de frutas e não têm o sistema de geolocalização das outras espécies. No Brasil há morcegos grandes na Amazônia, como o Vampyrum spectrum que chega até um metro de envergadura de asa
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