Seca histórica provoca desabastecimento de água em estados do sul, sudeste e centro-oeste, em um cenário de aumento da área irrigável pela agropecuária tradicional.

Anton Ivanchenko - Seca Histórica

O Brasil tem enfrentado períodos de seca mais longos e prolongados em todas as suas regiões. A constatação é do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), a partir de uma análise histórica de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). E esse cenário deixou de ser uma característica apenas de estados do norte e nordeste para atingir também as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. As consequências mais imediatas desse fenômeno climatológico são a redução nos níveis dos reservatórios do sistema elétrico e o desabastecimento de água nas casas. Mas paralelamente ao caos hídrico que se instala no país, a agricultura prevê aumentar em 66% o uso de água em áreas irrigadas até 2040.

As causas da escassez de chuvas ainda são apontadas como hipóteses. Mas uma das mais prováveis é o aquecimento global provocado pela ação humana, principalmente pela agropecuária tradicional. O Observatório do Clima mostrou em um levantamento inédito, neste ano, que a agropecuária é o setor que mais emite gases do efeito estufa em 65,8% dos municípios brasileiros (veja abaixo).

“O aumento da temperatura do ar tem gerado condições de secura e favorecido situações de insegurança hídrica, afetando cidades e biomas. Estudos mostram que um aquecimento global acima de 2º C traz grandes impactos ao clima global, principalmente para o surgimento de eventos extremos, como são as secas. Afora tudo isso, há um crescimento global na demanda por água e isso pressiona os recursos existentes, analisa José Marengo, coordenador- -geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.

A demanda mundial por água cresceu cerca de 40% de 1950 para cá. No Brasil, nas últimas décadas, a alta foi de 80%, segundo a Agência Nacional de Água e Saneamento Básico (ANA).

Episódios isolados de seca ou ondas de calor não podem ser atribuídos especificamente a mudanças de clima. Mas o sinal de alerta para essa conexão está justamente no prolongamento dos períodos desses eventos. Os modelos climáticos do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) apontam para climas mais quentes e mais secos no Brasil até 2100, afetando diretamente a população e os ecossistemas. Para Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden, o problema é que as estações historicamente mais chuvosas agora são as que também estão sofrendo períodos de seca. “Temos batido recordes de intensidade de seca, com chuvas concentradas em pequenos períodos. E isso não é suficiente para reverter o quadro. A região Centro-Oeste, por exemplo, está em período de seca desde 2019. A região Sul amenizou um pouco agora, mas já temos projeções que indicam o retorno da seca nos próximos meses.”

Temos batido recordes de intensidade de seca, com chuvas concentradas em pequenos períodos. E isso não é suficiente para reverter o quadro.

Falta de chuvas provoca desabastecimento em cidades do Sul e do Sudeste

Desde a década passada, as crises hídricas passaram a atingir estados do país muito distantes das cenas de seca no sertão nordestino, que sempre frequentaram o imaginário do brasileiro. São Paulo, por exemplo, viveu uma seca entre 2014 e 2016. A população paulistana foi chamada a um racionamento severo naquela ocasião, com a criação de um sistema de bônus na tarifa para quem economizasse no consumo de água. Agora, os paulistanos já temem o retorno dessa situação. No primeiro trimestre deste ano, o volume dos reservatórios da região metropolitana de São Paulo girava em torno de 60% – 15 pontos a menos do que o registrado no mesmo período de 2019.

O Rio Grande do Sul também viveu sua crise hídrica no ano passado, com quase 400 municípios decretando situação de emergência devido à crise hídrica.

E o governo do Paraná decretou estado de emergência hídrica em 2020, o que lhe permitiu decretar sistemas de rodízio no abastecimento, como o vivido na região metropolitana de Curitiba há mais de um ano. Segundo a Sanepar, companhia de abastecimento do Estado, choveu 70% menos do que o esperado no ano passado. Mas o problema começou em 2019. Entre junho daquele ano e agosto de 2020, a região metropolitana de Curitiba teve um déficit de 618 milímetros no volume de chuva – volume superior ao que deveria chover em 6 meses na região.

Estado de alerta no fornecimento de energia

O sistema hidrelétrico também é afetado. De acordo com a ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), a energia natural armazenada (ENA) nos subsistemas Norte, Nordeste e Sudeste/Centro-Oeste vem diminuindo desde 2012 (veja gráfico). E desde 2018 o subsistema Sul está abaixo da média – 2020 foi o mais crítico, com valores de ENA de aproximadamente 50% do que se esperava no ano.

Esse cenário, inclusive, fez com que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), formado por autoridades e técnicos da área de energia do governo, decidisse, no fim do ano passado, manter a autorização para o acionamento adicional das usinas termelétricas. A medida é uma forma de o país se precaver da redução dos níveis dos reservatórios, mas essa energia é mais cara e poluente do que a hidrelétrica.

Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do ONS, disse em nota enviada ao OJC que o volume de chuvas nos reservatórios registrado entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021 foi o menor dos 91 anos em que há registro disponível. “O cenário merece atenção e acompanhamento constante, de maneira que sejam tomadas as melhores decisões usando os recursos existentes”, afirmou Ciocchi, que também ressaltou que não há risco de desabastecimento no país devido ao que ele classificou como uma “matriz energética rica e diversificada”. No texto, a ONS ressaltou as medidas tomadas pelo comitê, como a efetivação do parque térmico do país e a importação de energia da Argentina e do Uruguai.

Mas quem mais consome?

Apesar de ser a população das áreas urbanas a que mais sente o impacto da falta de chuvas devido aos rodízios de abastecimento, é a agropecuária que é de longe o setor com maior consumo de água no país. E ela não paga por isso. No Paraná, por exemplo, uma lei estadual isenta a agricultura de pagamento pelo uso do recurso hídrico natural. Essa regra está disposta no art. 6º da Lei nº 18.878/2016. Segundo o Instituto Água e Terra, órgão ambiental ligado ao Governo do Paraná, apenas em 2020 foram emitidas cerca de 850 outorgas de uso de recurso hídrico no Estado para atividades agrícolas.

De acordo com o Atlas Irrigação 2019, documento produzido pela Agência Nacional de água e Saneamento Básico (ANA), a agricultura irrigada consome 49,8% da água captada no Brasil. Naquele ano, último com dados disponíveis, esse setor consumiu 965 m³/s de água – 941 m³/s são captados em mananciais (água azul), o que corresponde a 29,7 trilhões de litros ao ano. Apenas cerca de 24 m³/s do uso da água foram do reuso agronômico de efluentes (água cinza). Outros 8,4% foram para uso animal. Para produzir um quilo de carne, são necessários 15.400 litros d’água – a maior parte no cultivo da comida para o gado.

Uma economia no uso de água de verdade, portanto, só é possível com a adoção de métodos mais eficazes de produção agrícola e a redução no consumo de carne bovina. 

“Há um desperdício muito maior de água no uso pela agricultura do que pelas casas. E o Brasil estará entrando em uma crise nacional hídrica se continuar com esses níveis de chuva. Países como o Japão, por exemplo, têm um rendimento agrícola muito maior do que o Brasil, porque se valem de tecnologia mais avançada. Então, sem pensar nas causas, mas mais nas consequências, diria que hoje o que é mais urgente é a adoção de novas tecnologias para um uso mais racional da água na agropecuária”, defendeu Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden.

A ANA estima que haverá a incorporação de 4,2 milhões de hectares irrigados (+76%) no país até 2040, com um impacto de 66% sobre a expansão do uso da água – isso considerando a previsão de adoção de métodos mais eficientes.

Campeões de poluição estão na Amazônia

Segundo o Observatório do Clima, dos dez municípios campeões de gases de efeito estufa (GEE), sete estão na Amazônia. Nesses municípios, o desmatamento é a principal fonte de emissões. Considerando os 10 municípios, eles emitiram juntos em 2018 mais de 172 milhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e). É mais do que países inteiros como o Peru, a Bélgica ou as Filipinas.

Escassez

70% da Terra é coberta por água. Mas são potáveis apenas 2,5% dos 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos existentes no planeta. Além disso, das reservas globais de água doce, apenas 0,3% é de mais fácil acesso, como em rios ou lagos. O Brasil detém 13% de toda a água doce do mundo.

1 Comentário

  1. Moro no Sul e faz 1 ano e meio que parou de vir chuva do norte do brasil, antes vinha com muita frequência. Eu sei a resposta pra esse motivo de falta de chuva. É muito simples até uma criança sabe. A resposta é: A chuva frequente vinha mais da região norte, mas por conta da devastação, destruição desenfreada dessa nova gestão está fazendo com que pare de chover e poderá ser irreversível se ninguém fizer nada.

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