O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), afirmou, em janeiro deste ano, que queria transformar o litoral do Estado em uma “Miami”. Antes de dizer isso, talvez fosse o caso de o mandatário paranaense conhecer de perto como funciona a preservação ambiental em uma das praias mais famosas dos Estados Unidos. Lá, a vegetação nativa e rasteira – que aqui no Brasil é comparada à Restinga – é conservada para evitar erosões e inibir o avanço do mar, por exemplo. Isso também acontece em outras praias da Flórida, Massachusetts e do Havaí, por exemplo.
No entanto, no início do ano o governador, por meio de um decreto, autorizou o corte da Restinga no litoral paranaense. A determinação foi revogada apenas 40 dias depois e por pressão da sociedade e da imprensa. Ministério Público e organizações não-governamentais também protestaram contra a decisão de Ratinho, afirmando que a medida representava crime ambiental. A Restinga faz parte do bioma Mata Atlântica e passou a ser considerada como Área de Preservação Permanente (APP) pelo novo Código Florestal de 2012. A falta de embasamento técnico e científico para a tomada de decisão foi ressaltada por 28 professores doutores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que, por meio de uma nota técnica, questionaram a decisão de Ratinho, declaradamente apoiada pelo secretário de Desenvolvimento Sustentável e Turismo, Marcio Nunes.
Ainda não há um cálculo oficial tornado público sobre quanto da Restinga do Paraná foi devastada nesses 40 dias. As prefeituras de Matinhos e Guaratuba, no litoral do Estado, chegaram a podar parte dela em janeiro. Mas, por determinação do MP, as podas foram cessadas e continuam proibidas.
Por sua importância para a conservação da natureza e a garantia de serviços ecossistêmicos às pessoas, para ser podada, a Restinga precisaria de licença florestal dos órgãos federais, como o Ibama, e anuência do patrimônio da União, pois trata-se de uma área pertencente ao governo federal.
O último levantamento do Atlas da Mata Atlântica, elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e divulgado no ano passado, apontou que, entre 2017 e 2018, o Paraná suprimiu 93 hectares de Restinga, restando apenas cerca de 100,8 mil hectares em todo o Estado. No levantamento anterior, foi registrado 101 mil hectares desse tipo de vegetação. O Paraná ainda constou entre os cinco estados que mantinham índices inaceitáveis de desmatamento de todo o bioma da Mata Atlântica: Minas Gerais (3.379 ha), Paraná (2.049 ha), Piauí (2.100 ha), Bahia (1.985 ha) Santa Catarina (905 ha) foram os primeiros colocados no péssimo ranking.
As restingas são fundamentais para evitar erosão e ressacas, servindo como um controle natural para prevenir inundações. Se for considerado o fato de que a intensificação dos efeitos das mudanças climáticas vai aumentar ainda mais o nível dos mares nos próximos anos, também fica fácil entender a importância dessa vegetação. Além disso, muitas espécies de flora e fauna só se desenvolvem nesse ecossistema. As corujas-buraqueiras, por exemplo, fazem seus ninhos nas restingas.
A professora e pesquisadora Márcia Marques, do Departamento de Botânica da UFPR, afirma que suprimir a Restinga gera um grave impacto para todos. “Há uma alteração da dinâmica da vegetação, mudança de habitats para fauna, alterações na dinâmica de sedimentos, perda local de espécies da flora e fauna”, explica. As consequências se alastram também para o ser humano. “O corte da Restinga aumenta a exposição das áreas urbanizadas a ação das marés, vento, areia. Gera possibilidades de avanço do mar nas ressacas e aumento da areia nas ruas”, explica Márcia.
Exemplos brasileiros positivos
Ao contrário do descaso demonstrado pelo governo de Ratinho Júnior com a vegetação, outras cidades litorâneas do Brasil têm investido em manter boas práticas de manejo dessa formação vegetal.
O balneário catarinense de Piçarras, por exemplo, plantou, em dezembro do ano passado, nove mil mudas de oito plantas nativas na orla marítima. A ação visou reflorestar uma área de Restinga que havia sido destruída por uma ressaca que ocorreu em julho.
“A expectativa é que, no início do próximo inverno, quando existe forte tendência de ressacas, a vegetação da restinga esteja recuperada e contribua para o controle da erosão costeira, evitando danos para a estrutura pública”, explicou o presidente da Fundação do Meio Ambiente, Marcos Zaleski. No mesmo balneário, durante o mês de setembro, uma ação de fiscalização coordenada pelo poder público visou reprimir a destruição das áreas de Restinga.
Em 2018, foi realizado o replantio da vegetação das dunas da Praia de Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro (RJ), destruída por foliões durante o Carnaval. Alunos da rede municipal ajudaram a replantar 400 mudas.
Durante o mês de maio de 2019, o Instituto Cidade Sustentável promoveu um plantio para recuperação da vegetação de Restinga na Praia Brava, em Santa Catarina. Foram plantadas 125 mudas de sete espécies diferentes ao longo da orla. No mês seguinte, no Rio de Janeiro, a orla da Praia da Macumba recebeu espécies nativas de Restinga na recomposição de áreas degradadas. Mais de duas mil mudas foram plantadas no local.
Por meio do projeto FlorestAção, o estado do Ceará também ganhou em 2015 o plantio de mais de 100 mil mudas. Foi revitalizado mais de 150 hectares. Outro exemplo positivo vem do Parque Padre Alfonso Pastore, em Mata da Praia, no Espírito Santo, que recebeu, em dezembro do ano passado, o plantio de 60 novas mudas de árvores de Restinga.
Conservação da Restinga em outras nações
Além dos Estados Unidos, Flórida, Massachusetts e do Havaí, outros exemplos internacionais mantêm políticas de preservação de suas áreas de vegetação rasteira. A Austrália, por exemplo, mantém sua vegetação nativa na orla da praia bem preservada e conservada. Em Punta del Leste, no Uruguai, a situação se repete. O ecossistema é mantido intacto a fim de preservar a vida selvagem e contribuir para o bem-estar de toda a sociedade.