As primeiras percepções positivas começaram pela China, país considerado o maior poluidor do mundo com intensa produção industrial baseada na queima de combustíveis fósseis. Os satélites de monitoramento de poluição da NASA e da Agência Espacial Europeia (ESA) detectaram reduções significativas de dióxido de nitrogênio (NO2) e CO2 sobre a China. Depois, com o avanço da pandemia, sobre a Itália. Há evidências de que a mudança está relacionada à desaceleração econômica após o surto de coronavírus (Covid-19).
O consumo médio de carvão nas usinas chinesas, que relatam dados diários, caiu para o nível mais baixo em quatro anos. Segundo os cientistas, a redução da poluição foi aparente perto de Wuhan, mas acabou se espalhando por todo o país após milhões de pessoas serem colocadas em isolamento. “É a primeira vez que vejo uma queda tão dramática em uma área tão ampla para um evento específico”, disse Fei Liu, pesquisadora de qualidade do ar da NASA.
As imagens a seguir mostram concentrações de dióxido de nitrogênio, um gás nocivo emitido por veículos a motor, usinas de energia e instalações industriais. Os mapas na parte superior revelam os valores de NO2 na China de 1 a 20 de janeiro de 2020 (antes da quarentena) e de 10 a 25 de fevereiro (durante a quarentena). Os dados foram coletados pelo satélite Sentinel-5 da Agência Espacial Européia. Um sensor relacionado, no satélite Aura da NASA está fazendo medições semelhantes.
Menos carros nas ruas
A redução da poluição foi comprovada em várias cidades brasileiras, como em Curitiba, Paraná. O geógrafo e pesquisador Max Anjos estuda, entre outros temas, o clima urbano e
a poluição atmosférica. Atualmente, ele coordena projeto de pesquisa que visa quantificar e mapear as emissões de dióxido de carbono (CO2) das ruas de Curitiba no âmbito do programa internacional de pós–doutorado PRINT/CAPES, desenvolvido no Laboratório de Climatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e conta com a colaboração científica do Prof. Dr. Francisco Mendonça e da graduanda em Geografia Yasmin Forigo.
A pedido do Jornal Observatório de Justiça e Conservação, os pesquisadores avaliaram as emissões de CO2 provenientes dos veículos motorizados, em algumas vias da capital do Paraná, no período de 20 a 29 de março de 2020 (durante a quarentena), e compararam com os resultados do mesmo período do ano de 2019. Os mapas mostram que os totais das emissões de CO2 durante a quarentena, no pico de fluxo de veículos, entre as 17h e às 19h, foram até 3.200 toneladas menor do que o mesmo pico em 2019 (sem quarentena), indicando uma redução significativa de 54% nas emissões. Se considerarmos a soma total das emissões por dia da semana, em todas as vias analisadas, essa redução chega aos surpreendentes 78%, como se observa na figura abaixo.
Os pesquisadores usaram modelo computacional, Sistema de Informação Geográfica, que calcula as estimativas de emissões de CO2 baseando-se na configuração das ruas, fatores de emissões e principalmente dados de contagem de veículos, cedidos pela Secretaria Municipal de Defesa Social e Trânsito do município.
‘’Apesar de serem preliminares, os resultados apresentados indicam que as medidas de confinamento e diminuição do fluxo de veículos nas ruas, devido à pandemia do COVID-19, reduziram drasticamente as emissões de CO2, o principal gás de efeito de estufa’’, salienta Max Anjos.
Impactos sobre demanda e emissões de energia geram cenário incerto
A análise inicial da Agência Internacional de Energia (AIE) e da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) sugere que as repercussões do surto poderiam reduzir em até meio por cento a demanda global de petróleo de janeiro a setembro deste ano.
A questão principal é se a redução nos impactos vai se sustentar e se eles serão compensados, ou mesmo revertidos, pela resposta do governo e da sociedade à crise. As próximas medidas de estímulo econômico, em resposta à interrupção, podem superar esses impactos de curto prazo na energia e nas emissões, como ocorreu na China, após a crise financeira global e a crise econômica doméstica de 2015.
A demanda por derivados de petróleo, aço e outros metais caiu muito mais do que a produção, resultando estoques maiores, o que vai colocar pressão para uma produção maior daqui para a frente para impulsionar a economia, inclusive por parte do governo. O que significa que as emissões podem se recuperar rapidamente, anulando o efeito positivo da queda na poluição.
Depende das vendas
A contabilidade ainda está sendo feita, mas a procura por produtos como carros, celulares e eletrônicos caiu bruscamente. O consumidor deixou de comprar devido ao não pagamento dos salários, à queda nos rendimentos e a apreensão sobre o futuro. Logo, a produção industrial e o uso de combustíveis fósseis podem não se recuperar, embora haja capacidade industrial para isso.
Outro setor que impacta na poluição é a construção civil, com a fabricação de componentes, metais, cimento, tijolos, entre outros, que demandam uma carga alta de carvão e combustíveis fósseis na fabricação. A retomada das obras e novos empreendimentos não é tão rápida. O setor deve se manter desacelerado por muitos meses, pela queda no poder aquisitivo e o cenário de incerteza econômica sobre a oferta de crédito.
A previsão é de que o valor das vendas de imóveis caia até 50% nos primeiros meses de 2020. Uma pesquisa feita pela Brain Inteligência Corporativa, divulgada em abril, aponta que 45% das pessoas que tinham intenção de comprar uma casa ou apartamento no período que antecedeu a chegada do coronavírus ao Brasil desistiram momentaneamente da compra, diante das incertezas do período.
Cancelamento de voos
O setor de transporte aéreo é responsável por boa parte das emissões de gases poluentes no planeta e as medidas de quarentena têm um impacto dramático sobre os volumes da aviação. A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) informou que é a pior crise que o setor já enfrentou. “A demanda doméstica teve redução de pouco mais de 90% e a internacional caiu a zero. Quem hoje está viajando são pessoas voltando para suas casas e equipes que estamos transportando gratuitamente; pessoas ligadas à saúde, que são profissionais como médicos e enfermeiros e atuam no combate à pandemia. Não há mais tráfego por conta de negócios e lazer”, afirmou o presidente da ABEAR, Eduardo Sanovicz.
O avião é o meio de transporte mais poluente do mundo, de acordo com a Agência Europeia de Meio Ambiente. Cada aeronave emite 258 gramas de CO2 por passageiro, com a queima do querosene, além do conjunto de outros gases e efeitos negativos que contribuem para o aquecimento global, como óxido de nitrogênio, vapor d’água, material particulado, trilhas de condensação e alterações das nuvens. A contribuição negativa do setor é pelo menos duas vezes maior que o efeito isolado do CO2, segundo a Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO).
Uma análise do site britânico Carbon Brief, que cobre áreas como ciência climática, política climática e política energética, aponta que o coronavírus deve causar a maior queda anual das emissões de CO2. Na China, a queda foi de 25%, dois meses após o país entrar em confinamento. A análise resumida dos dados sugere que a pandemia poderia causar cortes de emissões este ano na região de 1.600 milhão de toneladas de CO2. Essa estimativa provisória equivale a mais de 4% do total global em 2019. Como resultado, a pandemia pode desencadear a maior queda anual de emissões de CO2, mais do que em qualquer crise econômica ou período de guerra anterior.
Ainda não é suficiente
Para colocar o potencial efeito do coronavírus 2020 em um contexto climático mais amplo, vale a pena acrescentar que as emissões globais precisam cair mais de 6% a cada ano nesta década para limitar o aquecimento a menos de 1,5 ° C. Este valor é baseado no relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2018, que constatou que as emissões globais em 2030 precisavam estar 45% abaixo dos níveis de 2010, para limitar o aquecimento a 1,5 ° C.
Uma taxa tão rápida de cortes anuais de emissões seria extremamente difícil de sustentar por uma década. A estrutura da economia global poderia continuar sua lenta mudança em direção a emissões mais baixas por unidade de PIB – nesse caso, a produção econômica precisaria cair 5% ao ano. Ou o PIB pode continuar a subir se acompanhado por mudanças rápidas e estruturais em direção às economias de baixo carbono.
Vidas salvas
A crise gerada pelo Covid-19 causou um efeito paradoxal. De um lado, temos milhares de vidas perdidas em decorrência do coronavírus. De outro, a qualidade do ar que respiramos melhorou significativamente, o que deve salvar outras milhares de vidas, principalmente de crianças.
Um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que, pelo menos, nove em cada dez crianças estão expostas à poluição atmosférica mortal que pode desencadear asma e câncer infantil, além de prejudicar o neuro desenvolvimento. A estimativa da OMS é de que 600.000 crianças morreram de infecções respiratórias agudas causadas por ar sujo, no ano em que o levantamento foi feito, em 2016.
Uma razão pela qual as crianças são mais vulneráveis é que respiram mais rapidamente que os adultos, absorvendo mais toxinas. Em todo mundo, as doenças respiratórias crônicas representam cerca de 7% da mortalidade global, o que corresponde a 4,2 milhões de óbitos a cada ano, mais do que as piores previsões possíveis para o coronavírus.