Projeto de desenvolvimento turístico ao litoral do Paraná pago pela sociedade é apresentado ao Governo do Estado

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Proposta sugerida custa menos da metade em relação as obras previstas pela Faixa de Infraestrutura e prevê incontáveis benefícios para as pessoas e a natureza_Bruno Santos

Aconteceu na última sexta-feira (23) das 09h às 12h, no Palácio do Iguaçu, em Curitiba (PR), a apresentação ao Governo do Paraná de um anteprojeto de desenvolvimento alternativo para o litoral do Estado. Ele é uma alternativa à proposta de instalação de um complexo industrial no município de Pontal do Paraná, no litoral do Estado – e de um porto que seria feito a menos de três quilômetros da Ilha do Mel – e prevê investimentos em turismo e estímulo ao ciclismo e esportes de natureza. O encontro contou com a presença das secretarias de Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Planejamento e Infraestrutura e Logística, de prefeitos de municípios do litoral, além de representantes do Ministério Público (MP) do Paraná, por exemplo.

Ao fim da reunião, a criação de um grupo de trabalho foi proposta pelo secretário de Meio Ambiente, Márcio Nunes para debater em conjunto a viabilidade da ideia apresentada. Ele seria composto por membros da sociedade civil, das entidades que integram a campanha #SalveAIlhaDoMel, prefeitos dos municípios envolvidos e membros do Governo do Paraná e MP.

A alternativa foi desenvolvida por arquitetos e engenheiros especializados, pagos por recursos arrecadados na campanha de financiamento coletivo “O litoral do Paraná pede socorro”, lançada no portal Benfeitoria em abril de 2019, pelo movimento #SalveAIlhaDoMel. Ele é integrado por duas dezenas de entidades que se posicionam a favor da defesa do patrimônio natural, cultural e social do litoral do Paraná e contra interesses que busquem fragilizar os direitos da coletividade e a proteção da natureza. “É a primeira proposta de desenvolvimento alternativo para o litoral do Estado apoiada pela sociedade civil, e não imposta por empresários interessados em lucrar às custas da população e do que restou do patrimônio natural em nosso Estado”, diz Giem Guimarães, diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), uma das entidades que integram a campanha. O financiamento ficou no ar por 60 dias e ultrapassou em quase 7% a meta de arrecadação (R$ 35 mil), totalizando R$ 37.340,00 reunidos no prazo.

A alternativa considera soluções que desafogariam o trânsito em épocas de temporada e aproveitariam o potencial turístico do litoral do Estado_Bruno Santos

Litoral do Paraná pode se tornar referência global em cicloturismo e turismo de natureza

A alternativa apresentada ao Governo prevê a construção da chamada “Ciclo-Rodovia Interpraias”, com mais de 50 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas que interligariam dezenas de municípios, praias e ilhas. Propõe também a criação de cicloparagens, mirantes turísticos que estimulariam a contemplação da natureza e a educação ambiental, estruturas para estímulo, valorização e comercialização de produtos locais e outras soluções que facilitariam o fluxo de moradores, ciclistas e pedestres na região. Tudo para beneficiar a sociedade, estimular uma economia limpa e lucrativa e proteger a natureza. A proposta pode fazer do litoral do Paraná referência global no setor, trazendo pessoas de todo o mundo interessadas em pedalar pelos cenários de uma das maiores áreas contínuas de Mata Atlântica ainda preservada no Brasil. Além disso, outros esportes, como surf, caminhadas, ou atividades náuticas, por exemplo, seriam estimulados.

Detalhe das cicloparagens que foram propostas. Com mirantes de contemplação da natureza e espaços para valorização dos produtos locais, o litoral do Paraná ganharia condições de gerar receita de qualidade ao longo de todo o ano_Divulgação OJC

Melhorias estruturais na PR-412 também estão compreendidas

A proposta também prevê melhorias na PR-412 que seriam capazes de desafogar expressivamente o trânsito na via que, em épocas de temporada, fica excessivamente congestionada. Ela liga a PR-407 a diferentes balneários do litoral, mas a intensidade do fluxo em alguns momentos do ano dificulta o acesso de moradores, comerciantes e turistas.

O anteprojeto propõe duplicações de alguns trechos, o aproveitamento da beira-mar, a construção de ciclovias para viabilizar o trânsito de moradores e turistas que utilizam bicicletas, pontes para travessia de pedestres e rotatórias que facilitariam a dinâmica dos deslocamentos. “Diferente da proposta da Faixa de Infraestrutura, as soluções trazidas pelo anteprojeto consideram diversas alternativas que atendam a necessidade de deslocamento das pessoas”, lembra Giem.

Cicloparagem vista por outro ângulo. Projeto alternativo custaria menos da metade do valor das obras da Faixa de Infraestrutura e causaria impactos incomparavelmente menores às pessoas e à natureza_Divulgação OJC

“O litoral do Paraná tem um dos maiores potencias para o turismo de natureza do Brasil, mas até hoje não recebeu investimentos honestos e expressivos no setor. A região salvaguarda uma das últimas porções bem conservadas de Mata Atlântica em bom estado de conservação do mundo. Esse bioma está em extinção. Já foi reduzido para menos de 7% em relação à área original. Permitir a construção de mais um porto no litoral do Paraná é apoiar o desmonte social e ambiental de uma das regiões mais singulares do Brasil, desperdiçando o potencial que acumula para uma geração de emprego e renda muito mais vantajosa e inteligente que o turismo pode oferecer”, defende Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), outra entidade que apoia a campanha #SalveAIlhaDoMel.

O litoral do Estado, também vale lembrar, tem a segunda menor costa do Brasil, ficando atrás apenas do Piauí. Mesmo assim, já conta com dois portos – de Antonina e Paranaguá – que, se melhor geridos, poderiam atender com tranquilidade e eficiência o potencial de crescimento logístico e portuário do Estado. Estudos da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de empresas ligadas ao setor indicam que o porto de Paranaguá, por exemplo, opera com cerca de metade da capacidade. Mais um fato que inviabiliza por completo a defesa de construção de mais um porto no litoral do Estado.

Ao fim da reunião, um grupo de trabalho que discuta em conjunto a viabilidade da proposta sugerida foi proposto pelo secretário de Meio Ambiente Márcio Nunes. Ele seria integrado por representantes dos municípios do litoral, do Governo do Estado, Ministério Público e da sociedade civil_Bruno Santos

Menos gastos e danos. Mais vantagens e respeito às pessoas e à natureza

A tabela abaixo faz uma comparação entre o projeto alternativo que foi apresentado e a proposta da Faixa de Infraestrutura, que teria a exclusiva finalidade de atender as demandas do porto.

Ele custaria menos da metade (R$ 127 milhões) do valor proposto para a primeira fase das obras da Faixa (R$ 369 milhões) e geraria impactos e também vantagens incomparavelmente distintas em relação à proposta que prevê a construção de mais um porto do litoral do Estado. Confira:

Relembre a polêmica

Um complexo industrial, que inclui um porto que pode ser feito a menos de três quilômetros da Ilha do Mel – que é uma Estação Ecológica e um Patrimônio da Humanidade reconhecida pela UNESCO – pode condenar irreversivelmente os patrimônios natural e cultural do litoral do Paraná.

Além de desmatamentos expressivos de uma das últimas porções de Mata Atlântica bem preservada do Brasil e do mundo, comunidades tradicionais e indígenas que vivem no local seriam expulsas dos locais onde vivem há séculos. Mazelas sociais econômicas que regiões portuárias costumam impor à sociedade também passariam a predominar na região.

Só para viabilizar a construção de uma estrada prevista pela Faixa de Infraestrutura, mais de cinco milhões de metros quadrados de floresta viriam ao chão, mas estudos indicam que a porção de vegetação que seria direta ou indiretamente afetada pelas obras chegaria à ordem de 27 milhões de metros quadrados. Essa rodovia, apesar de ser de pista simples e ter a finalidade de atender ao aumento do fluxo de caminhões que transitariam rumo ao porto, vem sendo vendida à população como solução para os engarrafamentos na PR-412. Ocorre que estudos também indicam que cerca de 200 mil caminhões, ou mais de 500 por dia, passariam a transitar na nova estrada, afogando ainda mais as rodovias adjacentes e não resolvendo as queixas da população para os congestionamentos que hoje afetam os moradores e turistas que transitam pela região.

Além disso, a proposta de construção do porto é cercada de incoerências, atropelos de processos legais, decisões sem a devida consulta e debate público e democrático e diversas tentativas opressoras de interessados em viabilizar a ideia, que beneficiaria apenas interessados em lucrar às custas da população. Apesar de ser um investimento privado, somente a primeira fase das obras da Faixa de Infraestrutura poderiam custar R$ 369 milhões aos cofres públicos. Outras obras, como uma linha de transmissão de energia elétrica, gasoduto, ramal ferroviário e canal de drenagem,seriam feitas na sequência; todas com a intenção de atender ao porto. Esse dinheiro público, no entanto, poderia ser muito mais bem aplicado se investido em saúde, educação, segurança e estímulo ao turismo.

Milhares de e-mails já foram enviados pela sociedade ao poder público por meio do site www.salveailhadomel.com.br, numa clara demonstração de preocupação com o assunto, que precisa de mais debate com a opinião pública e soluções alternativas de desenvolvimento sendo analisadas.

Os movimentos #SalveAIlhadoMel e #TurismoSimPortoNão foram criados entre os anos de 2018 e 2019 por um coletivo de pessoas e instituições interessadas em esclarecer a sociedade e a opinião pública sobre os danos que a possibilidade de construção de um complexo industrial portuário geraria ao litoral do Paraná. As páginas nas redes sociais que tratam dessa temática e buscam promover informações sobre o tema já acumulam quase 50 mil seguidores.

Os movimentos são complementares aos esforços do coletivo #ParePresteAtenção, que teve início, no final de 2017 com a intenção de levar à sociedade informação e sensibilização sobre os abusos envolvidos em um projeto de lei que tramitou na Assembleia Legislativa do Paraná entre 2016 e 2018 e buscava reduzir em 70% a Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana. A APA é a maior unidade de conservação de uso sustentável do Sul do Brasil. Depois de muita exposição do tema na imprensa e sensibilização das pessoas por meio de músicas, clipes e eventos públicos, o projeto de lei foi abandonado.

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