O desastre ambiental sem precedentes que acometeu o Nordeste do país tem surpreendido a todos por diversos motivos. Entre eles, estão a inoperância e a lentidão das autoridades estatais para combater tragédias ambientais de amplo espectro. Uma das explicações para isso é que, em abril deste ano, o Governo Federal resolveu, simplesmente, extinguir dois comitês do PNC (Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água).
O descaso com o patrimônio público e privado dessas mesmas autoridades, que também levaram semanas para reconhecer que a proporção das queimadas na Amazônia era algo premeditado e incomum, pode ser constatado também no desastre ambiental que vem causando enormes prejuízos a indústria da pesca e do turismo no Nordeste.
A atual gestão do Governo Federal constrange a maioria da população com sua visão ideológica das questões ambientais, atribuindo às “esquerdas” e a inimigos imaginários as causas da sua própria incompetência. Fabricar inimigos, aliás, tem sido seu grande feito, ao empregar a famigerada tática de argumentos “ad hominem”, por meio dos quais se busca desqualificar o mensageiro da notícia ruim, ao invés de combater suas causas ou consequências. O caso do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), é emblemático nesse sentido.
O desprezo pelo meio ambiente tem colocado o Brasil nas páginas e nas telas dos principais veículos de comunicação do mundo. Quanto mais essas posições são reforçadas, mais espaço negativo ganhamos no noticiário mundial. O negacionismo climático dos atuais gestores demonstra uma miopia maior, que reside na incompreensão da guinada dos valores globais relacionados às preocupações ambientais. E indica uma clara tendência de proteção indevida a negócios de alto impacto ambiental.
Em terras paranaenses não é nada diferente. A sinalização federal de desprezo pelas questões ambientais surtiu reflexos também por aqui. Numa valorização excessiva do agro e em desconexão com as tendências mundiais atuais, nosso governo estadual extinguiu a SEMA (Secretaria Estadual do Meio Ambiente), gerando uma nova instância que dá ênfase praticamente exclusiva à aceleração de processos de licenciamento.
Não se levou em consideração os oito anos de catástrofes ambientais cometidas pela gestão do ex-governador Beto Richa, na qual o ex-presidente do IAP chegou a ter a prisão decretada em razão de o órgão ter se envolvido em dezenas de irregularidades. Dentre uma enorme gama de irregularidades comprovadas, a gestão anterior avançou irregularmente no processo de licenciamento da chamada “Faixa de Infraestrutura”, em Pontal do Paraná, no litoral do Estado. O projeto prevê o gasto de, aproximadamente, R$ 400 milhões para fazer uma estrada com dinheiro público que viabilizaria a construção de um porto privado em frente à Ilha do Mel. O governo Richa fez isso utilizando todos os meios possíveis, incluindo uma ampla sequência de ilicitudes devidamente identificadas e contestadas pelo Ministério Público e pela sociedade civil.
A derrocada do antigo governador no último ano de governo – resultado de uma série de investigações que comprovaram envolvimentos em práticas de corrupção – suscitou ainda mais dúvidas em relação às razões para o apoio a essa obra desnecessária. De outra parte, nunca foram apresentados elementos que comprovassem uma questão bastante simples: por que avançar com indústrias de petróleo e outro porto se, em Paranaguá, onde já existe um porto público e vários grandes empreendimentos privados em fase de expansão, poderiam garantir, com folgas, todas as demandas que o Paraná precisa atender?
Além dos enormes conflitos sociais que podem ocorrer em Pontal do Paraná pela transformação irreversível de um município turístico em portuário, caso essa intenção seja um dia viabilizada, o que mais espanta é a omissão ou a conivência dos órgãos ambientais. O impacto brutal do empreendimento portuário no município e na Ilha do Mel é tão evidente, que desde a época da realização dos Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), a autoridade portuária local (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA), destacou que a Ilha do Mel teria seu cenário paisagístico totalmente alterado com a chegada do empreendimento. Todavia, esta perspectiva não foi incorporada no licenciamento ambiental, que se limitou a tratar superficialmente dos impactos no que diz respeito à pesca local e às comunidades de pescadores.
O início da nova gestão Estadual, comandada pelo jovem governador Ratinho Júnior, suscitou grandes esperanças para os paranaenses da região litorânea. Ela apontava como prioridade o incremento substancial do turismo de natureza no Estado, reconhecendo o excepcional valor do potencial econômico de uma indústria que cresce ao ritmo de 20% ao ano no mundo e que permite explorar de forma sadia o patrimônio natural de nossa Mata Atlântica, um bioma que foi reduzido a parcos 7% em relação às porções originais. De forma oposta, infelizmente, o que se viu foi uma tentativa de desconstituição do COLIT (Conselho de Desenvolvimento do Litoral), bem aos moldes da desconstituição pelo Governo Federal do PNC, mencionado no começo do texto.
O endosso do governo do Paraná ao projeto da Faixa de Infraestrutura de Richa, levanta muitas suspeitas, já que o processo todo está eivado de irregularidades procedimentais e ambientais. As terras onde uma empresa de reputação polêmica quer instalar um porto, localizadas estão “sub judice” e documentos sustentam que, na verdade, elas são públicas e teriam sido griladas ainda no período do governo Lupion.
Mas a atual gestão do Governo do Paraná ainda pode não entrar nessa cilada a partir de uma alternativa concebida pela sociedade civil. Por meio de uma campanha de crouwdfunding, os movimentos “Turismo Sim, Porto Não” e “Salve a Ilha do Mel” conseguiram levantar fundos junto à sociedade civil. O dinheiro custeou um estudo para embasar um projeto moderno e sustentável que pode beneficiar todos os paranaenses, inclusive e principalmente, os moradores da região.
Uma alternativa que, diferentemente da proposta da Faixa de Infraestrutura, prioriza as pessoas. Ela prevê a construção de mais de 50 quilômetros de ciclovias e ciclo faixas, travessias para pedestres, mirantes turísticos, espaços para valorização e venda de produtos locais, soluções inteligentes para desafogar o trânsito em rodovias hoje sobrecarregadas, como a PR-412, e possibilidades para a valorização do fluxo de turistas na beira-mar, por exemplo.
Espera-se, agora, que o governo mantenha suas promessas de campanha relativas à incrementos em turismo e meio ambiente e zele pela boa gestão dos recursos públicos. Ele tem a oportunidade de entrar para a história como o primeiro a investir com seriedade em turismo na região. Ou de ser lembrado como o que condenou a vocação turística de um dos trechos mais lindos e singulares do litoral brasileiro. Esperamos que Ratinho Júnior faça a escolha certa. Não queremos “chorar pelo óleo derramado” também nas praias ainda bem conservadas do litoral sul do nosso país.
Giem Guimarães é diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação.
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