Presentes em diversos produtos consumidos nas mesas dos brasileiros, estudos também tem demonstrado que os agrotóxicos também estão na água que chega em nossas casas. É o que mostra levantamento conduzido pelo Ministério Público de Santa Catarina, que encontrou a presença de 26 tipos diferentes de pesticidas, herbicidas e outros compostos químicos nas águas de abastecimento de 41 dos 85 municípios analisados. Em alguns casos, foram detectadas as presenças de mais de um princípio na mesma amostra. E até mesmo de substâncias que estão proibidas ou não têm sequer valor máximo permitido regulamentado.
O Brasil tem mais de 400 agrotóxicos autorizados para uso na agricultura, mas as companhias de abastecimento são obrigadas a monitorar a presença de apenas 27 nos seus sistemas. Além disso, o país tem uma legislação bastante permissiva em relação às quantidades de agrotóxicos na água quando esse limite é comparado, por exemplo, com países da União Europeia (leia mais abaixo). Diversos estudos científicos apontam os agrotóxicos como causadores de doenças graves nos seres humanos (leia em seguida).
Atrazina, que transforma sapo macho em fêmea, foi encontrada na água de 16 cidades
Levando em consideração as amostras coletadas em 2018 e 2019, o herbicida atrazina foi encontrado na água fornecida à população de 16 municípios de Santa Catarina. A maior concentração foi identificada em Quilombo (0,667 ug/litro). A análise foi feita voluntariamente pela professora e engenheira química Sônia Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina. A União Europeia proíbe esse agrotóxico desde 2004, mas o Brasil aceita uma concentração de 2,0 ug/litro dele na água de abastecimento.
A atrazina é muito utilizada no cultivo de abacaxi, cana-de-açúcar e milho no Brasil, mas foi considerada um agente causador de câncer pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA, na sigla em inglês). Outros estudos também já apontaram essa ligação em casos de câncer na bexiga, no pulmão e de mama — esse último coordenado pelo pesquisador James W. Simpkins, justamente a partir de amostras do agrotóxico na água.
Já outro estudo norte-americano apontou a atrazina como causadora da feminilização de sapos-com-garras-africanos. De acordo com levantamento, 10% dos sapos machos estudados se transformaram em fêmeas porque o agrotóxico é um disruptor endócrino que atinge os níveis de testosterona e afetando o sistema reprodutivo dos anfíbios.
Veneno na água subterrânea
Mas voltemos ao exemplo de Quilombo, em Santa Catarina. Além da azitromicina, a água da cidade tinha a presença dos fungicidas Benomil, Carbendazim, Ciproconazol e os herbicidas diuron, simazina. E alguns deles foram encontrados em mananciais subterrâneos, situação que preocupa a professora Sônia Hess.
“Na água superficial existem mecanismos naturais, como sol e o vento, que aos poucos podem ir purificando aquela água. O efeito da contaminação na água subterrânea dura muitos anos, e pode ser considerada uma contaminação permanente. É uma herança maldita que deixaremos para as próximas gerações.”
Agrotóxicos campeões de venda no país foram encontrados em 14 cidades
Os dois agrotóxicos mais utilizados pelo agronegócio brasileiro, o 2,4-D e o Glifosato, foram encontrados nas águas de 14 municípios catarinenses, inclusive Balneário Camboriú, destino turístico que tem uma população fixa de mais de 120 mil habitantes e recebe 4 milhões de pessoas na alta temporada. Eles são ligados a doenças graves, como câncer, mal de Alzheimer e Parkinson, e até abortos e maformação fetal. E, apesar de proibidos na Europa desde 2004, estão desde 2006 em processo de reavaliação toxicológica pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“A nossa legislação é extremamente permissiva quanto a presença de agrotóxicos na água. O glifosato, por exemplo, é o herbicida mais utilizado no país. Permitimos esse ingrediente na água em nível cinco mil vezes superior ao limite da União Européia. Outros princípios ativos, como o Tebuconazol, que é um fungicida, é permitido no Brasil em nível 1800 vezes superior ao limite da água européia”, analisou o promotor Eduardo Paladino.
No Paraná, outro estudo já havia identificado agrotóxicos na água de abastecimento
Pesquisadores da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) analisaram espécies de peixes presentes na Represa de Alagados, em Ponta Grossa, e confirmaram a contaminação por pesticidas e metais pesados. O Reservatório de Alagados é uma barragem artificial com 15 quilômetros de extensão e que serve de abastecimento de água para os municípios paranaenses de Ponta Grossa, Castro e Carambeí que, juntos, somam 450 mil habitantes.
A conclusão do estudo indicou a contaminação dos pesticidas Aldrin, Dieldrin, Endosulfan e DDT em lambaris (A. altiparanae) coletados no reservatório. As análises apontam que alguns princípios ativos, como Aldrin e Dieldrin, estavam acima do limite estipulado por organismos internacionais, indicando que essas concentrações podem gerar efeitos maléficos à saúde
Um dos problema é a legislação!
A legislação para os agrotóxicos no Brasil é muito permissiva. Essa é a avaliação dos especialistas no assunto. Na Europa, o limite para as substâncias autorizadas é de 0,1 ug/litro. Esse limite é de 0,5 ug/litro quando há várias substâncias na mesma amostra. Por exemplo, não pode haver seis substâncias com 0,1 u/litro — isso já tornaria a amostra acima do limite permitido. Aqui no Brasil não há limites para casos de mais de uma substância combinada encontrada na água.
Além disso, a portaria n° 5/2017, do Ministério da Saúde, obriga as empresas de saneamento a analisarem a presença de apenas 27 agrotóxicos. E os agricultores no Brasil têm autorização para utilizar 404 ingredientes diferentes. Ou seja, são 377 agrotóxicos que não precisam ser mensurados na água distribuída à população. Além disso, não há periodicidade para a coleta, o que pode provocar um “falso negativo”, por exemplo, se a coleta for feita durante a entressafra de determinada cultura.
A engenheira química Sônia Hess é uma das críticas da nossa legislação. “Será que o corpo humano no Brasil é diferente do corpo na União Européia? Será que o ser humano é mais forte no Brasil? Porque lá o risco é inaceitável e aqui se aceita? Hoje, o Brasil é a maior lixeira química do mundo. Essas substâncias são proibidas no exterior e depois trazidas para cá porque demoramos para proibir”.
MP quer fiscalizar a água de todos os municípios catarinenses em 2021
A partir desse trabalho do Centro de Apoio Operacional do Consumidor, órgão auxiliar do Ministério Público de Santa Catarina, foi formado um grupo de trabalho para estudar a água catarinense. Ele é composto por entidades e organizações civis, universidades, companhias de abastecimento, agências reguladoras e do próprio Instituto do Meio Ambiente.
O objetivo desse grupo é formular ações para enfrentar a presença de agrotóxicos na água e ter uma legislação mais restritiva no estado. Em 2021, segundo o promotor Eduardo Paladino, coordenador do estudo, será possível monitorar a água dos 295 municípios do estado para que seja feita uma radiografia completa do estado.
Com isenções fiscais, agrotóxicos têm aumento de venda no país
Segundo os últimos dados disponíveis do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), a venda total de produtos formulados “Químicos e Bioquímicos” totalizou 620.537,98 toneladas de ingredientes em 2019, um aumento de 12,97% nas vendas internas em relação a 2018.
Esse volume está relacionado a uma safra recorde naquele ano. Foram produzidas 257,7 milhões de toneladas na safra 2019/2020. E a estimativa da safra 2020/21 é bater esse recorde, atingindo 268,7 milhões de toneladas.
Os agrotóxicos são isentos do pagamento de impostos no Brasil. Entre outros produtos, a lei 10.925/2004 reduz a zero a alíquota do PIS/PASEP e do Cofins na importação e sobre a receita bruta de venda no mercado interno de alguns tipos de defensivos agrícolas, herbicidas e adubos. Outra lei, de 2011, reduz a zero o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) desses produtos. Essas isenções, segundo levantamento da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), chegam a 10 bilhões de reais por ano. O STF está analisando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre o tema, e ela deve ir a julgamento ainda neste semestre.
Agricultores utilizam agrotóxicos em larga escala porque eles combatem pragas em culturas agrícolas tanto na produção da lavoura, quanto no armazenamento, transporte, distribuição e transformação de produtos. Mas esse uso, maciço e sem critérios técnicos de segurança, é extremamente nocivo ao meio ambiente, levando à morte espécies da fauna e flora e contaminando água e solo de regiões onde eles são aplicados.
Agroecologia é o caminho
A agroecologia é uma alternativa a esse cenário de uso maciço dos agrotóxicos, pois ela se opõe ao uso de insumos químicos para a produção agrícola. A ideia desse modelo produtivo é superar os danos causados à biodiversidade pelo uso dessas substâncias químicas, incorporando à produção questões sociais, políticas, energéticas, culturais e ambientais.
Engana-se, porém, que essa forma de produção é menos eficaz. Na produção agroecológica, segundo o livro Dialética da Agroecologia, a capacidade de cultivo na produção agroecológica é de 6% a 10% maior do que no agronegócio convencional.
Outro problema do agronegócio convencional como o conhecemos hoje é a homogeneização das paisagens de cultivo por meio da monocultura, o que coloca em risco a biodiversidade e o próprio desenvolvimento. A nutrição humana hoje é baseada em menos espécies de cultivos, que acabam se adaptando a climas e solos específicos. E a diversidade produtiva é essencial para a adaptação climática, que é justamente a proposta da agroecologia.
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