Jardins Naturalistas – O paisagismo que valoriza as plantas nativas, respeitando formas, cores, texturas e floração naturais

Por séculos, as plantas exóticas dominaram a jardinagem, mas diversas experiências mostram as vantagens estéticas, ambientais e sensoriais de valorizar a riqueza da biodiversidade natural em projetos arquitetônicos

Quando se pensa em jardinagem e paisagismo, logo nos vêm a cabeça ambientes floridos, harmônicos, organizados geometricamente e com flores que precisam de troca e manutenção a cada época do ano. Quanto mais coloridas e diferentes as cores, mais belo e rico o jardim. Quanto mais exótica a folhagem, mais valor, em apreço e preço. Será?

Uma vertente do paisagismo retoma sua força no Brasil: a valorização de jardins naturalistas e perenes, com composições muito próximas às que ocorrem naturalmente, valorizando plantas nativas que exigem baixa manutenção e respeitam o habitat ao redor.

O Brasil tem uma colonização europeia muito forte, principalmente no sul do país. Desde criança aprendemos a valorizar o que é de fora. O Natal, por exemplo, é comemorado com um pinheiro americano ou europeu, com costumes, folclores e até pratos com inspiração estrangeira. Tudo isso está enraizado em nossa cultura e nos afasta da essência de país tropical dono de uma natureza singular.

Glaucon Horrocks, paisagista e dono de uma empresa no ramo, com sede em Curitiba, Paraná, reconhece a dificuldade em encontrar plantas nativas e também despertar o interesse dos clientes nessas espécies. “Porque ninguém produz. Toda a cultura do paisagismo está voltada para o que é de fora. Em revistas e livros de jardinagem, só há imagens de plantas exóticas. Raríssimas vezes aparece alguma sugestão de planta nativa. É cultural mesmo! Por conta da colonização europeia no Sul do Brasil, as pessoas pensam nas plantas que usavam em seu país de origem, sendo que em nossa flora nacional temos tantas plantas lindas que deixam de ser exploradas porque não são conhecidas”.

Horrocks defende o desenvolvimento de uma cultura de um jardim mais natural, com resgate das espécies do bioma original. “Temos uma vegetação de campo nativo com plantas e flores fantásticas que está sendo perdida. Ninguém colhe semente ou produz mudas. Com o avanço das plantações de soja, milho, trigo, pinus e eucalipto, esse material genético maravilhoso está se perdendo, sem que as pessoas cheguem a conhecê-lo”. 

Um dos objetivos dos jardins naturalistas é recriar paisagens em que plantas e espécies de diversos tamanhos componham uma estética rica em biodiversidade e interações, em conjuntos que expressam características diferentes ao longo das quatro estações, assim como ocorre na natureza, em áreas de campos naturais e mata nativa. Árvores, arbustos, capins, ervas e flores têm a oportunidade de mostrar suas texturas e aromas distintos a cada época do ano, em tempos chuvosos e em períodos de seca.

Roberto Burle Max revolucionou o conceito de paisagismo no Brasil e no mundo, aliando com fluidez espaços verdes e edificações e valorizando globalmente as plantas nativas do nosso país. O legado de Burle Max segue inspirando a arquitetura e o paisagismo atual em todo o globo.

Burle Max, o criador do “Jardim Brasileiro”

Crédito: Luiz Knud Correia/NYBG

Roberto Burle Marx, um dos principais arquitetos paisagistas do século XX, foi pioneiro no uso de plantas brasileiras no paisagismo. Seus jardins integraram o movimento moderno brasileiro, em que a vegetação nativa se tornou um ícone de brasilidade e modernidade. 

Burle Max (1909 – 1994) é reconhecido internacionalmente, tendo elaborado projetos tanto para o Brasil quando para o exterior em diferentes escalas, entre praças, parques, jardins públicos e privados, sempre com complexos mosaicos e tramas compostas por espécies brasileiras. 

O curioso é que a paixão pela flora nacional surgiu em outro país. A primeira vez que ele viu as plantas brasileiras compondo um ambiente foi no Jardim Botânico de Dahlem, na Alemanha. Aos 19 anos, ficou fascinado ao ver a estufa e surpreso em saber que aquilo nunca havia sido empregado em jardins brasileiros.

Burle Max voltou ao Brasil em 1930, determinado a mudar isso. Durante toda a vida, dedicou-se a essa missão. Fez longas expedições pelo país para estudar e levantar espécies que poderiam compor os jardins. Seu trabalho e sua pesquisa tiveram importante papel, catalogando novas espécies da flora brasileira do pampa à Amazônia. 

Os projetos e jardins se tornaram viveiros-laboratórios, concentrando plantas recém descobertas, que foram cuidadosamente acompanhadas em seu desenvolvimento e contribuíram para estudos em todo o mundo. Tornou-se um dos pioneiros na luta pelo meio ambiente, defendendo e valorizando a natureza brasileira. 

O Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Pampulha, em Belo Horizonte, é uma vitrine para o mundo, com mais de cem espécies de plantas, cuidadosamente colocadas, e edifícios integrados com a vegetação. 

Entre algumas das mais importantes obras de Burle Max, podemos citar também o Parque Ecológico do Recife, o Parque Ibirapuera, em São Paulo, o Museu de Arte Moderna e o Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, o Eixo Monumental e o Palácio do Itamaraty, em Brasília.

Plantas vivendo por muito tempo e juntas

A estética “selvagem” e ao mesmo tempo suave dos jardins naturalistas reforça a função do paisagismo de conferir bem- -estar e qualidade de vida, estendendo isso também às plantas que fazem parte do projeto.

O designer holandês Piet Oudolf é o principal líder do movimento paisagista New Perennial, ou “Novas Perenes”, que pratica uma abordagem naturalista para a jardinagem, priorizando o ciclo de vida sazonal de uma planta acima de funções decorativas. Para Oudolf, um jardim deve ser projetado para ter vida durante todo o ano, não apenas na primavera e no verão: “O jardim no inverno é uma experiência emocional. Quando você pensa em termos como declínio, desaparecimento e ressurgimento, você sente o ciclo de vida da natureza”. (Piet Oudolf, em entrevista para Sara Barret, The NY Times). As criações de Oudolf compõem jardins públicos e privados em todo o mundo, como o High Line em Nova York e o Lurie Garden, em Chicago, além de obras na Suécia e na Alemanha.

High Line, NY. Crédito: Wikipedia

O jardim no inverno é uma experiência emocional. Quando você pensa em termos como declínio, desaparecimento e ressurgimento, você sente o ciclo de vida da natureza.

Outra referência na pesquisa e na execução dos jardins naturalistas é o americano Roy Diblik, cultivador e especialista em plantas perenes. Roy se dedicou a entender a dinâmica das comunidades de plantas sustentáveis e altamente estéticas para todas as estações, que exigem pouca manutenção. Para ele, os jardins devem ser cuidadosos, ecologicamente dirigidos, emocionalmente abrangentes e, ainda assim, muito pessoais. Plantas que vivem por muito tempo e vivem juntas, formando comunidades e interagindo entre elas, assim como os humanos.

Nas comunidades de plantas, as espécies levam vidas saudáveis na companhia próxima, íntima e mesclada de outras plantas que vivem e se divertem bem juntas. “Não é justo com a planta pedir que ela faça o que você quer. Você deve descobrir o que ela quer fazer e onde quer estar para prosperar. Eu gosto de plantas perenes por causa de seu estilo de vida. A maioria tem uma natureza generosa, são adaptáveis a muitas condições, são realmente fáceis de cultivar e cuidar, e gosto de aprender onde moram e se desenvolvem em seus locais de origem. Para mim, eles são arte viva e uma simples indicação da diversidade da terra”. (Roy Diblik, em entrevista para Joyce H. Newman, do Plant Talk)

Jardins Perenes de Roy Diblik são, em parte, inspirados nas cores, composições e emoções das pinturas impressionistas de Cézanne, Monet e Van Gogh. Crédito: Shedd Aquarium Oceanarium, Chicago.

A Natureza no seu Quintal: um guia prático de cultivo de plantas nativas ornamentais da Floresta com Araucária

Ao se preparar um jardim, mesmo que seja entre muros, é importante priorizar plantas nativas de cada região. O vento, pássaros, polinizadores e outros animais podem carregar as sementes para fora do imóvel, podendo causar desequilíbrios ecológicos.

A Sociedade em Pesquisa e Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e a Sociedade Chauá, com apoio da Prefeitura de Curitiba, prepararam um guia para todas as pessoas que gostam do contato com a natureza em casa, seja no quintal, ou em espaços pequenos como sacadas e floreiras

A publicação traz dicas de plantas nativas da Floresta com Araucária e da Floresta Ombrófila Mista, que podem ser usadas com fins ornamentais, trazendo qualidade de vida para mais perto da rotina diária. A lista contém várias espécies e traz detalhes sobre cuidados e cultivos em jardins, propagação e a interação com o ambiente.

Há opções de belíssimas flores, como a lanterninha, a caliandra e o sininho. Também frutíferas, como a guabiroba-do-mato, a duranta-azul e o butiá, importantes para a alimentação das aves e outros animais. 

Para quem gosta de xaxins, samambaias e bromélias, o guia traz as melhores opções para seu jardim. Também explica quais são as espécies exóticas invasoras mais comuns, e os problemas de contaminação biológica que elas podem trazer para o ecossistema. Conheça, cultive e valorize as plantas nativas!

Jardins de Cerrado: projeto prova que é possível cultivar plantas nativas da savana brasileira

No Brasil, a principal referência atual na criação e execução dos jardins naturalistas é a arquiteta e paisagista Mariana Siqueira, que atua no Planalto Central e é pioneira no estudo de plantio e desenvolvimento de mudas do Cerrado brasileiro. 

Antes de fixar escritório em Brasília, Mariana atuou em vários países e ajudou a projetar o parque Madrid Rio, na Espanha. Também foi repórter da revista Arquitetura e Urbanismo e, atualmente, desenvolve grande parte do trabalho na Chapada dos Veadeiros, Goiás.

Tudo começou quando Mariana foi contratada para preparar uma casa de campo em Brasília e a cliente pediu um jardim típico do Cerrado. Mas, ao buscar as plantas típicas em viveiros, não encontrou quase nada, apenas algumas mudas de árvores mais popularmente conhecidas. “Os viveiristas mal sabiam sobre capins, ervas e arbustos nativos do Cerrado. Nada estava disponível comercialmente. Conversei com diversos profissionais como viveiristas, paisagistas, biólogos e até agrônomos sobre a possibilidade de cultivo dessas plantas e ouvi frequentemente que seria impossível do ponto de vista técnico. E, dessa inquietação, em saber que o Cerrado tem mais de 12 mil espécies de plantas, mais de 80% delas não sendo árvores, me perguntei: será que é mesmo impossível utilizar uma parcela que seja dessas plantas em projetos paisagísticos? Foi aí que surgiu meu interesse em cultivar espécies nativas em jardins”. 

Desde 2015, Mariana trabalha com pessoas e instituições para introduzir essas plantas em paisagens construídas urbanas. A proposta é criar jardins que remetam às paisagens de savana e campo do Cerrado. Não só uma questão das espécies, mas de uma linguagem paisagística. Os projetos trazem predominância de capins e alta biodiversidade. A floração das plantas varia ao longo do ano, permitindo que o jardim esteja verde na época da chuva e também seque e fique dourado em períodos de seca. 

Mesmo priorizando espécies nativas, as plantas exóticas também são bem-vindas nos ambientes construídos, desde que sejam bem adaptadas às condições de clima e de sol, e tendo o cuidado de não serem plantas invasoras, com vantagens competitivas em relação a outras espécies nativas. 

“O que defendemos é que as plantas nativas tenham espaço nos ambientes construídos, não só por uma questão de adaptação ao clima e ao solo, mas também por darem suporte à fauna nativa que tem necessidade delas como alimento e habitat.

Sobretudo defendemos o uso de plantas nativas para fazer referência às paisagens naturais onde elas ocorrem, promovendo uma valorização dos biomas naturais, que é o nosso caso do Cerrado, e para que os jardins possam comunicar qualidades estéticas e ecológicas desses biomas, levando à criação de vínculos entre a população urbana e essas paisagens e idealmente inspirando o desejo de conservação”, defende a paisagista.

O trabalho começa com expedições em busca de plantas com potencial paisagístico, em áreas de Cerrado bem preservado. As espécies são fotografadas e pequenas amostras de galhos são coletadas para a identificação botânica. Quando possível, também são recolhidas sementes para a reprodução.

A segunda etapa é o cultivo das plantas, em viveiro. A equipe envolvida no projeto Jardins de Cerrado provou, na prática, que é possível fazer mudas e também semear diretamente no jardim.

Viveiro Experimental em parceria com Claudomiro de Almeida Cortes e Jardins de Cerrado

A terceira parte são os experimentos científicos para avaliar crescimento, germinação, estabelecimento, necessidade de irrigação e outros fatores do cultivo e do manejo. O projeto Jardins de Cerrado conta com a parceria de instituições como o ICMBio e a Universidade de Brasília (UNB), com a linha de pesquisa liderada pelo professor Júlio Pastore, da Faculdade de Agronomia. No viveiro, o trabalho é fruto de uma parceria com Claudomiro de Almeida Cortes, presidente da Associação Cerrado de Pé, localizada na Chapada dos Veadeiros.

Sobre cultivar espécies do Cerrado, Mariana Siqueira conclui que o desafio é mais cultural. Apesar de o Brasil abrigar a savana mais rica em biodiversidade do planeta, nossa autoimagem de paisagens naturais é estritamente florestal. 

“Nos reconhecemos como um país de florestas e praias. O brasileiro ainda não tem presente no imaginário coletivo que savanas e campos são partes da nossa natureza também. Não tem um olhar que reconhece a beleza e a importância ecológica dos capins, das singelas ervas e dos lindos arbustos que compõem os ecossistemas abertos do Brasil. É preciso promover um maior conhecimento e reconhecimento dessa flora para que ela possa ser mais valorizada, não só no paisagismo como nos ambientes onde ela ocorre naturalmente. Se não conhecermos nossa savana, que interesse teremos em cuidar dela? Que os jardins nativos possam ajudar a fazer florescer o carinho pelo Cerrado e o desejo de cuidar dele”, diz Mariana Siqueira.

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