Quero aqui discorrer sobre uma falácia que tem sido usada para manipular você. Muitos já se depararam com discursos raivosos sobre a “ideologia ecológica” ou sobre como todos os ambientalistas são “de esquerda”. Para tanto, demonstrarei que tais afirmações não passam de uma manipulação da narrativa em prol daqueles que querem desmonte das leis ambientais ou, simplesmente, azeitar a máquina da corrupção.
As últimas eleições foram marcadas pela polarização de opiniões no Brasil. De um lado, os chamados “mortadelas”, simpáticos a ideologias sociais-democratas e de outro, os “coxinhas”, que se entendem como liberais ou de direita. Essa simplificação das partes, todavia, não reflete a realidade do que ocorre dentro do Congresso Nacional.
Lá é possível aferir que a estrutura partidária brasileira se caracteriza por ser um grande balcão de negócios. O comportamento observado na imensa maioria dos aproximadamente 30 partidos legalizados no Brasil é de extrema fisiologia e, em geral, ausente de ideologias que efetivamente os distingam uns dos outros. Os presidentes das siglas são, na prática, donos dos seus partidos e sua principal preocupação é o bilionário fundo partidário.
É preciso, pois, entender este contexto antes de se fiar em dis- cursos políticos que pregam a existência de “ideologias verdes”. Ruralistas e partidos “de esquerda”, por exemplo, podem até se unir para aprovar retrocessos ambientais que prejudiquem a maio- ria da população. Há casos assim, como a tentativa de criar as “estradas parque” para atender interesses puramente eleitoreiros em detrimento de toda a nação. Meio ambiente, para essa gente, é apenas um meio para atingir fins privados ou para manter-se no poder.
Portanto, querer incluir a questão ambiental no debate ‘direita X esquerda’ parece muito mais uma tentativa de nos aprisionar em polarizações inócuas, nos jogando uns contra os outros. Em matéria de política, nós, brasileiros, agimos como torcidas de times de futebol rivais que se xingam e agridem fisicamente enquanto os dirigentes dos clubes antagônicos jantam juntos, consumindo lagostas e vinhos às nossas custas.
A negação da ciência agrava as mazelas sociais
Nesse triste contexto fisiologista e manipulador da opinião pública precisamos estar atentos aos lobbies que passaram a aparelhar o governo e que, em muitos casos, são propagadores de discursos de ódio e da negação da ciência, como se viu no caso do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Se por um lado é compreensível que é difícil falar de meio ambiente num país onde há falta de saúde, educação e segurança, devemos observar que o desrespeito à ciência – neste caso a Ecologia – agrava ainda mais essas mazelas.
A saúde, por exemplo, é sobremaneira atingida pelos efeitos maléficos das queimadas – os problemas respiratórios aumentaram mais de 45% nos últimos cinco anos nas regiões afetadas. Recentes estudos apontam também que há total relação entre os surtos de doenças como a febre amarela e outras transmitidas pelo Aedes Aegypti com a devastação ambiental.
Questões relativas ao meio ambiente também permeiam a edu- cação e a segurança pública. Ambas vêm, há décadas, sendo afetadas pelo intenso êxodo rural, que se correlaciona com a exaustão do solo, mudanças climáticas e desmatamento. A migração do campo para a cidade sobrecarrega a infraestrutura dos grandes centros, tornando mais custosas e difíceis as readequações de serviços públicos que já são de baixíssima qualidade.
Meio ambiente “é coisa de esquerda”
Como empresário e ambientalista, deparo-me com colegas da área empresarial com posturas radicais quando o tema é meio ambiente. No fundo, o que mais lhes desagrada são a burocracia estatal, as restrições e custos das regras ambientais. Mas, no Brasil algumas “leis pegam e outras não pegam, e há sempre o nosso famoso “jeitinho”. Talvez seja por isso que na máquina estatal brasileira, corrupção e devastação andem lado a lado há séculos.
Além disso, ser cumpridor das regras no Brasil não é algo muito popular. Ser “dedo duro” aqui é visto com demérito. Cumprir leis ambientais? Isto é coisa de “ecochato”. Na verdade, o escárnio aos ambientalistas, o desprezo pelas leis e a tentativa de ideologizar a discussão ecológica são táticas de um grande jogo de interesses privados.
Da mesma forma que a apropriação da narrativa ecológica por alas ditas progressistas pode ser manipulação barata, assim também é o discurso de ódio contra ONGs ou contra o meio ambiente. O pano de fundo? Negócios de particulares envolvendo o patrimônio público natural, vide a morte de indígenas e a grilagem de terras na Amazônia.
Já para a maioria dos senhores eleitos, questões ambientais de médio ou longo prazos “não dão votos”, e quem pensa nisso ou é “comunista” ou “quer atrapalhar o progresso”. Na verdade, para este governo, qualquer coisa que não lhe agrade virou “coisa de esquerda”. Pura falácia. Ecologia não tem nada a ver com ideologia.
A Ecologia é um ramo da ciência que estuda o meio ambiente e sua interação com os seres vivos e, como ciência, deve ser técnica e desprovida de paixões. Assim, a Ecologia está para o socialismo como a astronomia está para o liberalismo. Não há nenhuma relação direta entre elas. Já a relação entre corrupção e devastação ambiental, esta sim, é secular e direta.
Portanto, para evitar cair no conto das polarizações ou que sejamos manipulados, é fundamental ser intransigente no trato à ciência, às leis e à democracia. Respeitar a questão ecológica significa resguardar que direitos de futuras gerações estejam acima de interesses individuais – conforme reza o artigo 225 da Constituição Federal. Não se trata, pois, de ideologia, mas de um marco civilizatório.
Giem Guimarães é empresário e diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).
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