O Brasil é considerado um país megadiverso por abranger os maiores números de espécies para a maioria dos grupos de fauna e flora do mundo. É local singular no planeta, pois parte dessas espécies são endêmicas do território brasileiro, ou seja, só ocorrem aqui. No entanto, muitas já foram extintas e, em quase sua totalidade, por ações da humanidade, como a caça, o tráfico de animais, a introdução de espécies exóticas, a poluição, grandes acidentes ambientais e fragmentação e perdas de habitats, por exemplo.
O bioma Mata Atlântica, com apenas 7% do seu tamanho original mantido em bom estado de conservação, é reconhecido internacionalmente como área prioritária para a proteção da biodiversidade. O maior remanescente da Mata Atlântica e mais conservado é a região do Lagamar, que abrange todo o litoral do Paraná e sul do estado de São Paulo. Segundo o último “Atlas da Mata Atlântica”, publicado pela Fundação SOS Mata Atlântica, Pontal do Paraná tem 75% do seu território com remanescente do bioma, colocando o município em destaque mundial para a conservação. Ao mesmo tempo, o dado reforça a responsabilidade na gestão ambiental para a conservação da natureza, proteção de espécies ameaçadas e endêmicas, e dos serviços ambientais, fundamentais para a qualidade de vida dos cidadãos.
Um exemplo prático da importância dos serviços ambientais foi o surto de alergias de pele na população de Pontal do Paraná e Paranaguá no final de 2017. Ele foi provocado pela mariposa Hylesia nigricans, quando houve uma superpopulação da espécie devido à ausência do seu predador natural, que perdeu o habitat em razão do desmatamento. Mesmo diante de exemplos assim, o Governo do Paraná caminha na contramão da responsabilidade da proteção do patrimônio natural e suas ações tendem a colocar Pontal do Paraná na lista dos municípios com maiores índices de desmatamento do Brasil.
O Zoneamento Ecológico Econômico do Litoral do Paraná (ZEE), elaborado com apenas duas audiências públicas e com uma debandada no meio do processo de ao menos dez técnicos da Comissão Coordenadora do ZEE – que se negaram a assinar alterações realizadas pelo governo, justamente, para viabilizar a instalação de empreendimentos privados – estabeleceu em Pontal do Paraná uma grande área destinada à instalação de empresas portuárias.
O Plano Diretor municipal do município, aprovado em sequência, também seguiu essa “recomendação”, colocando essa grande área em seu mapa e nomeando-a como “Zona Especial Portuária (ZEP)”. Em termos numéricos, a ZEP será responsável por um desmatamento direto próximo a oito milhões de metros quadrados, com mais oito milhões de efeito de borda! Soma-se a isso, ainda, os quase cinco milhões de metros quadrados de supressão de Mata Atlântica, ocasionada pela construção da Faixa de Infraestrutura, que dará acesso à ZEP, e os outros quase seis milhões de metros quadrados do efeito de borda que ela geraria. “Efeito de borda” é um conceito da biologia da conservação que diz respeito à alteração na floresta que está na margem do fragmento e, muitas vezes, inviabiliza a permanência de algumas espécies de fauna e flora, consequentemente, reduzindo seu habitat.
As alterações e modificações do ambiente que serão realizadas na implementação da ZEP, principalmente o corte raso da vegetação, fragmentação florestal e impermeabilização do solo, têm reflexos diretos na flora e na fauna da região do Lagamar. De forma geral, as modificações ambientais vão reduzir ou alterar o habitat em que as espécies vivem e seus reflexos são difíceis de serem identificados e mensurados previamente devido à escassez de conhecimento. Mas, sabe-se que muitos deles podem ser irreversíveis e as medidas mitigatórias e compensatórias são insuficientes para as proporções dos impactos negativos.
Por exemplo, considerando que muitas espécies de anfíbios anuros utilizam bromélias que ocorrem no solo ou nas árvores como abrigo, sítio de vocalização e ambiente de reprodução, o corte raso da vegetação que leva a retirada das bromélias pode ocasionar a extinção local dessas espécies. Da mesma forma, o corte de espécies arbóreas como o Guanandi, que são utilizados como alimento, abrigo e nidificação de aves como o Papagaio-de-cara-roxa, representam uma ameaça direta para a ocorrência da espécie na região, que pode ser um indutor da economia local por meio do turismo de observação de aves.
A fragmentação florestal gerada pelas estruturas viárias, como rodovias ou ferrovias e pelos demais empreendimentos previstos, como gasoduto e linha de transmissão de energia são uma ameaça direta para a vida dos animais e preservação desses ambientes. A ameaça se dá devido a atropelamentos de mamíferos, aves, anfíbios, répteis produzidos nas rodovias e ferrovias, agravados pelo alto fluxo de veículos previstos para as vias. Da mesma forma, as linhas de alta tensão são ameaça direta para aves e mamíferos por eventos de eletrocussão.
Os 27 milhões de metros quadrados de desmatamento e/ou alteração florestal causados pela Faixa de Infraestrutura e pela ZEP são irreversíveis e suas medidas compensatórias frágeis e de duvidoso alcance. Esse cenário é agravado pela discussão superficial sobre o tema, realizada sem a devida participação social e em um curto espaço de tempo. Em um processo democrático, acreditamos, seria indispensável que o poder público ouvisse diferentes atores sociais para a construção de um modelo de desenvolvimento que, realmente, beneficie a sociedade, gerando emprego e renda sem perder a qualidade ambiental e com verdadeiros ganhos sociais. Mas não foi o que aconteceu até agora. O Lagamar, por suas características naturais distintas, necessita de um planejamento e de uma gestão que contemplem e respeitem essas singularidades. É necessário. E urgente.
Juliano Dobis é engenheiro agrônomo, especialista em Gestão dos Recursos Naturais, membro do Observatório de Conservação Costeira do Paraná (OC2) e parceiro do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).
Peterson Leivas é biólogo, doutor em Ecologia e Conservação e membro do Observatório de Conservação Costeira do Paraná (OC2).
Acesse este artigo na Gazeta do Povo.
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