Mais de 70 artistas locais e de expressão nacional se reuniram para protestar, por meio da arte, contra a construção de um agressivo complexo industrial que pode se instalar em frente à Ilha do Mel, o segundo ponto turístico mais visitado do Paraná (atrás apenas de Foz do Iguaçu) e um Patrimônio da Humanidade reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Entre os participantes, estão artistas globais como Letícia Sabatella, Guta Stresser, Katiuscia Canoro, Grace Gianoukas, Leandro Daniel, Bruce Gomlevsky e Ilva Niño, por exemplo. A DJ Vivi Seixas, também integra o time.
Voluntariamente, eles criaram uma canção e um clipe para questionar o modo abusivo, antidemocrático e ilegal com que os interessados na viabilização das obras, entre eles o Governo do Paraná, vêm atuando na defesa de interesses que prometem beneficiar poucos em detrimento da qualidade de vida de muitos. A corrida para que os empreendimentos – que inclui um porto privado em frente à Ilha do Mel e uma estrada para atendê-lo – sejam viabilizados acontece às vésperas das Eleições de 2018 e é repleta de incoerências e falta de compromissos com o bem estar da coletividade.
Para ser feita, a estrada derrubaria mais de quatro milhões de metros quadrados de Mata Atlântica em perfeito estado de conservação. A região concentra uma das últimas porções expressivas do mundo desse bioma nativo do Brasil e que sofre com a ameaça de extinção. Pesquisas apontam que restam menos de 7% de Mata Atlântica preservada em fragmentos com área acima de 100 hectares.
A cantora e compositora Raissa Fayet dirigiu a produção e foi uma das responsáveis pela composição da música. Ela, que frequenta a Ilha do Mel há 33 anos, lembra que permitir a instalação de um novo porto em Pontal do Paraná e a alguns metros da Ilha, é ser conivente com a condenação da vocação turística do local e com a extinção da biodiversidade na região. “Esgotamos os recursos naturais por conta da ambição. Agora, o momento precisa ser de união. Esperamos que todas as pessoas que lutam por causas coletivas de modo isolado unam-se. Só assim é possível ter força para mudar esse sistema em que a gente não acredita mais”, diz.
Pré-lançamento da música acontece neste fim de semana
A música foi transformada em um “clipe-manifesto”, que terá seu pré-lançamento neste fim de semana, dias 14 e 15 de abril, na Ilha do Mel. A exposição do vídeo vai ocorrer durante a Amazing Runs, uma corrida realizada pela Global Vita Sports em parceria com a Associação Pro Correr, em que os participantes percorrem trechos de 6 a 22 quilômetros na Ilha.
O clipe vai ser apresentado à comunidade local e ao público presente pela primeira vez no sábado (14), às 09h, antes da largada para a prova, e a noite, a partir das 19h, durante o evento de premiação dos vencedores. No domingo (15) pela manhã, o vai ser novamente exibido. Já na manhã do sábado, ele estará disponível para compartilhamento na página do Facebook do Observatório de Justiça e Conservação (OJC) – uma das instituições que apoiam a campanha em defesa da Ilha do Mel (#SalveaIlhaDoMel). Ele também será compartilhado no perfil da Amazing Runs e, durante o fim de semana, as pessoas vão ser convidadas a fazer um “compartilhaço” nas próprias redes sociais.
A música “Salve a Ilha do Mel!” é a segunda idealizada pelo movimento “#ParePresteAtenção!”, criado pelos “artivistas” e o OJC no final de 2017, quando a canção de mesmo nome – em defesa da Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana – foi lançada. O primeiro clipe – que condena o projeto de lei 527/1016 que ainda tramita na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP-PR) e pretende reduzir 70% da área, que é a maior unidade de conservação de uso sustentável do Sul do Brasil – já foi visto mais de 1,3 milhão de vezes só no Facebook do Observatório. Reveja:
Agora, a canção “Salve a Ilha do Mel” pretende levar para mais pessoas a mensagem sobre as ameaças que sofrem o litoral do Paraná, o meio ambiente e sociedade, representada, em especial, pelas comunidades que vivem na região.
Letícia Sabatella, uma das atrizes que aparece no clipe, comenta a importância da população se responsabilizar e assumir o controle sobre o bem público que, no caso do patrimônio natural, reúne oferta de saúde, mas também de cultura e tradição. “Nenhum governo se faz sozinho e, como sociedade, somos responsáveis pelas decisões tomadas pelos governantes”, defende.
Thaïs Morell, Bruna Lucchesi, Bernardo Bravo, Braian Boguszewski e Rimon Guimarães também foram responsáveis diretos pela elaboração da canção, que teve a produção musical de Du Gomide, direção de vozes e montagem de Thaïs Morell e mix e master de Fred Teixeira. Verônica Rodrigues, Daniela Borges e Laísa Musial colaboraram na produção dos textos que compõem o clipe-manifesto. As animações foram feitas por Carlon Hardt e as imagens de estúdio captadas por Letíciah Futata e Luciano Meireles do Hai Studio. Virgilio Milléo, do AudioStamp, Madu, do Rec’n Roll e André Paixão, do Super Studio (RJ), foram os parceiros para captação das vozes. Parte da produção aconteceu na cidade do Rio de Janeiro e foi conduzida pela atriz e produtora cultural Verônica Rodrigues com o apoio do ator Adriano Petermann.
A pré-produção da canção teve início em janeiro deste ano, durante a “Encosta Urgente”, uma residência artística feita na Ilha do Mel, que teve o tema o local como tema de análise e trabalho em sua última edição.
Mais de 114 mil e-mails já questionam abusos da proposta
O clipe também pretende estimular as pessoas a acessarem o site www.salveailhadomel.com.br. Por meio do portal, a população pode questionar o modo abusivo com que a proposta de viabilização do complexo industrial vem sendo conduzida.
A campanha em defesa da Ilha do Mel conta com o apoio de mais de 20 organizações nacionais e até internacionais – como a Sea Shepherd – e já estimulou o envio de mais de 114 mil e-mails por meio do site. Nele, também é possível entender, por meio de um vídeo que é apresentado, as manobras incoerentes que o Governo do Paraná vem apoiando na tentativa de viabilizar as obras, que, no início, custariam aos cofres públicos R$ 369 milhões. O valor seria dedicado para a construção de um canal de drenagem e da chamada “Faixa de Infraestrutura”, que compreende a estrada. Dinheiro público que poderia ser investido em turismo, saúde, segurança, educação, mas que pode ser usado para beneficiar um empreendimento privado.
A nova estrada está sendo vendida à população como alternativa para desafogar o trânsito da PR-412, que fica engarrafada em época de temporada. O que não fazem questão de informar, entretanto, é que ela seria de pista simples e teria a finalidade de atender o alto fluxo de caminhões que passaria a transitar na região em virtude da existência do porto, que, como já anunciado pelos empreendedores, pretende ser o “maior porto das Américas”. Para cada contêiner, portanto, um caminhão. O próprio relatório de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) feito para o porto revela que o fluxo de caminhões será intenso: de, no mínimo, 388 por dia e quase 40 mil por ano. Mais de 170 prejuízos socioeconômicos também são reconhecidos pelos Relatórios de Impactos Ambientais (RIMAs) do porto e da faixa. Nenhum deles, no entanto, foi compartilhado com a sociedade, que também não foi envolvida até o momento em debates sobre soluções alternativas às que estão sendo impostas pela gestão estadual e pelos demais interessados nas obras.
Além do porto, seriam beneficiadas diretamente com a implantação da Faixa empresas ligadas à indústria do pré-sal e à indústria química, entre elas, a Neoport, Odebrecht, Catallini, Techint e Subsea7, transformando Pontal do Paraná, de forma irremediável, num complexo de indústrias pesadas de altíssimo impacto ambiental e social.
Entre os prejuízos reconhecidos com a chegada do complexo industrial estão a diminuição da qualidade de vida da população, inibição de novos investimentos em turismo devido às atividades portuárias, redução da disponibilidade de água subterrânea de boa qualidade, contaminação dos recursos pesqueiros, maior ocorrência de problemas de saúde, aumento da criminalidade e até do trabalho e da prostituição infantil, por exemplo. Nenhum estudo de impacto chegou a ser feito para a Ilha.
Um breve histórico sobre os recentes abusos públicos
Em novembro de 2017, uma manobra antidemocrática e ilegal foi conduzida por representantes do governo do Paraná para aprovar a licença de viabilidade ambiental para construção da Faixa de Infraestrutura no litoral do Estado. A manipulação desconsiderou um pedido de vista feito por membros do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense (COLIT), entre eles, um representante da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Eles pediam vista defendendo que mais de cem questionamentos da sociedade civil sobre os impactos sociais e ambientais causados pelas obras ainda não haviam sido respondidos. Por ser um direito previsto no regimento interno do COLIT, o pedido chegou a ser aceito, mas pouco tempo depois, acabou cassado de modo opressor e antidemocrático.
Em março, a Justiça garantiu o acatamento do pedido de vista negado na reunião de novembro de 2017, atendendo um pedido da UFPR e suspendendo a anuência dada à obra. Desrespeitando a decisão judicial e mesmo diante de ofícios expeditos pelo IBAMA ao IAP e DER sobre a suspensão da licença prévia, o ex-governador Beto Richa, no mesmo dia em que anunciou que iria se afastar para concorrer às eleições para o Senado (em 27 de março), assinou decreto declarando de utilidade pública das áreas por onde passaria a Faixa de Infraestrutura. E foi além: um dia depois, em 28 de março, novamente desconsiderando a decisão judicial, lançou o edital para concorrência da empresa que seria responsável pela viabilização da obra. O Ministério Público do Estado e o IBAMA estão questionando a situação.
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