Chega de financiar o desmatamento com dinheiro público!

Por Sergio Leitão, diretor do Instituto Escolhas

O principal motor do desmatamento é o financiamento público. O trator e a motosserra não funcionam sem o custeio que é dado pelos financiamentos promovidos pelo Governo com taxas e juros mais baratos, como mostrou o estudo “Do Pasto ao Prato: subsídios e pegada ambiental da carne bovina”, do Instituto Escolhas. São recursos públicos dos governos estaduais e do governo federal que subsidiam a cadeia da carne bovina hoje no Brasil.

O monitoramento do Imazon comprova que  90% do que é desmatado na Amazônia é justamente para servir de pasto.  Com isso identificamos três problemas:

  1. Quem financia isso é o dinheiro público e os bancos são a correia de transmissão desse financiamento;
  2. O desmatamento ocorre justamente na região que tem, do ponto de vista global, a maior importância em termos exatamente daquilo que o Brasil precisa para fazer sua parte na questão das mudanças climáticas, que é deixar de ser um grande emissor de gás de efeito estufa;
  3. Não precisamos mais fazer isso. Nas palavras da própria ministra da Agricultura Tereza Cristina: “Não precisamos desmatar para comer, basta aumentar a produtividade. Não precisamos utilizar a Amazônia para o agronegócio”.

Desmatamento e dinheiro público já não podem caminhar juntos (abaixo, campanha do Instituto Escolhas)


Já temos 90 milhões de hectares desmatados, é muita terra. É quase a soma da França e Alemanha, quase a soma do Texas e da Califórnia, os maiores estados americanos. Mas continuamos destruindo e financiando isso com dinheiro público. Precisamos financiar quem vai produzir com mais qualidade, sem desmatamento. Mas há a falta de coerência por parte do Ministério da Agricultura e de grandes lideranças do agro. O ex-ministro Roberto Rodrigues defendeu que o país tem uma pecuária verde, a ex-ministra Kátia Abreu disse a mesma coisa no exterior. Mas precisamos fazer acontecer, se é verde de verdade vamos financiar apenas quem não desmata.

 

Gado na Amazônia, fazenda na região do norte do Mato Grosso (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)

A pecuária brasileira é extensiva, ocupa área equivalente às regiões sul e sudeste, e tem baixa produtividade. Existem nichos de alta tecnologia e alta performance, mas na maior parte nossa pecuária é ineficiente, incluindo do ponto de vista econômico. Fizemos um estudo e levantamos que o setor recebe subsídios de R$12 bilhões por ano e arrecada apenas R$15 bilhões. Ou seja, quase 80% do que arrecada estão diretamente relacionados ao volume de subsídios. Quase assinamos a carteira do boi, pois é funcionário público, recebe dinheiro do estado, do governo Estadual e Federal.

Além disso, esse financiamento é absolutamente ineficaz do ponto de vista ambiental, pois a pecuária extensiva desmata e emite muitos gases de efeito estufa. Na Amazônia Legal, onde o desmatamento está comendo solto, a pegada de carbono média é de 145 quilos de CO2e/kg de carne bovina. Em todos os demais estados, a pegada de carbono média é de 23 quilos de CO2e/ kg de carne bovina.

Se houvesse um país chamado Pecuária Brasil – com um rebanho que chega a 218,2 milhões de cabeças de gado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – seria o 20º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, com emissão equivalente à Inglaterra (462 milhões de t de CO2e).

Destinem o dinheiro para quem sabe produzir mais e melhor

Por que realizamos uma atividade ineficaz do ponto de vista financeiro e altamente danosa do ponto de vista ambiental, se podemos fazer a “reunião do ótimo com o bom”?

Vamos continuar exportando de qualquer maneira ou vamos garantir carne na mesa do brasileiro? Já temos um grave problema em função da inflação, e o problema só piora com a carne e demais commodities cotados em dólar.

Já temos tecnologia nacional da Embrapa, para produzir “carne verde”. Portanto o problema não é apenas tecnológico ou financeiro, é também político. Destinem o dinheiro para quem sabe produzir mais e melhor.

Relembrando as palavras do escritor e ambientalista João Meirelles Filho, financiamos a “boi-economia” mas não financiamos a bioeconomia. Os produtos amazônicos movimentam 170 bilhões de dólares no mundo por ano e o Brasil participa com ínfimos 300 milhões de dólares, ou seja, não disputamos esse negócio maravilhoso que inclui o açaí, a castanha, a pimenta (entre outros) e que movimenta muito dinheiro.

Ninguém está propondo tirar as 90 milhões de cabeças de gado que já existem na Amazônia, mas vamos fazer um combinado? Parem a máquina de destruição, recuperemos o que já foi desmatado. Vamos melhorar a produtividade do que existe e deixar a bioeconomia da floresta em pé disputar esse mercado no qual o Brasil já possui os produtos, mas tem participação mínima para não dizer inexistente.

Por que bancos altamente tecnológicos não acompanham desmatamento em tempo real?

 

FOTO ALBERTO CÉSAR ARAÚJO/ AMAZÔNIA REAL

 

Há um controle absolutamente falho, com regras frouxas e o que é pior, aquilo que chamamos de um controle cartorial, em plena época da informática. Os bancos de hoje são operações de serviços altamente tecnológicos. Por que então, na época da tecnologia, para liberar financiamentos os bancos querem documentos de papel e não estão com uma tela de computador conectada com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) acompanhando em tempo real onde o crime de desmatamento está acontecendo?

Um exemplo: o município de São Félix do Xingú tem o maior rebanho da Amazônia e é a cidade do interior do Pará que mais emite gás de efeito estufa.  Como é que os bancos não monitoram o desmatamento para atuar preventivamente, ou pelo menos para suspender o financiamento naquela região onde pulsam focos de queimada, avermelhando a tela do computador?

Não, os bancos olham pelo retrovisor, não o que acontece na prática. E o papel do Banco Central também é cuidar da transição para a economia de baixo carbono, mas não teremos isso se continuarmos desmatando a Amazônia.

O Brasil pode fazer a diferença e para isso o debate sobre o financiamento é fundamental. Não vamos mudar a realidade dos graves problemas sociais e ambientais do país se não pararmos de destinar os recursos da sociedade para as atividades que destroem o patrimônio público. Esse é o nosso desafio, parar de financiar quem desmata.

*Sergio Leitão é advogado, fundador e diretor executivo do Instituto Escolhas. Foi diretor de Políticas Públicas e diretor de Campanhas do Greenpeace no Brasil, onde trabalhou por 10 anos. Foi fundador e diretor executivo do Instituto Socioambiental (ISA). Viveu em Nova Iorque por dois anos, época em que foi voluntário na Rainforest Foundation US. Foi assessor para temas sociais e ambientais do Ministro da Justiça, José Gregori, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Advogado do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e assessor jurídico do Projeto Estudo sobre Terras Indígenas (Peti) do Departamento de Antropologia do Museu Nacional/RJ. Iniciou sua carreira como assessor para temas sociais da Arquidiocese de Fortaleza, quando trabalhou com o Cardeal Aloisio Lorscheider. Hoje vive em São Paulo.

Sergio Leitão compareceu ao Programa Justiça & Conservação no dia 25 de outubro de 2021. Confira a entrevista na íntegra clicando aqui, ou pelo QR CODE:

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