Iniciativa da sociedade civil brasileira, maior base de dados sobre emissões municipais do mundo é divulgada na COP 26

Por Bruna Bronoski, do OJC em Glasgow

 

O município de São Félix do Xingu, no Pará, tem o maior rebanho bovino brasileiro. Em 2020, eram mais de 2,3 milhões de cabeças de gado na área do município, de acordo com o IBGE. Não por menos, é o município que mais emite gases do efeito estufa no Brasil.

Altamira, também no Pará, está em segundo lugar na lista de maiores emissoras. A cidade vive os impactos ambientais e sociais da instalação da usina de Belo Monte e do desmatamento, causado principalmente pela prática ilegal da grilagem.

A terceira na lista é a capital de Rondônia, Porto Velho. Só em quarto lugar vem a metrópole São Paulo, o que mostra que não só as chaminés das indústrias ou os escapes de veículos emitem gases que podem aumentar a temperatura da Terra.

Os números são altos e públicos. A primeira citada da lista emitiu, em 2018, 29,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e). Pelo sistema dá pra saber as emissões de São Félix e de qualquer outra cidade brasileira, por setor econômico.

O Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG Municípios) foi criado pelo Observatório do Clima, uma coalizão de organizações brasileiras, e divulgado na COP 26, a conferência do clima em Glasgow, concluída na última semana.

No Paraná, a capital do estado é a maior emissora. Curitiba emitiu 3,4 milhões de toneladas de CO2e em 2018. Em seguida vem as vizinhas da região metropolitana, Araucária e Balsa Nova, que têm as emissões puxadas pela atividade industrial.

Segundo o coordenador do SEEG e coordenador-geral do Mapbiomas, Tasso Azevedo, o sistema dá subsídios para que governos locais conheçam sua realidade.

“É possível controlar muitas das atividades que geram emissões tomando decisões no nível local. A primeira coisa é ter uma ideia da origem delas. O SEEG fornece um caderno com 87 soluções que não dependem de políticas externas ao município, dá pra aplicar dentro da cidade”, afirma.

As causas das emissões são divididas em cinco grandes grupos: tratamento de resíduos, processos industriais, energia, transporte e agricultura e uso do solo.

Para o último grupo, por exemplo, uma das 87 soluções seria estimular a manutenção e criação de corredores ecológicos e unidades de conservação municipais, já que o solo com cobertura vegetal é um potente sequestrador de carbono.

 

Representantes das organizações que compõem o Observatório do Clima divulgam dados e caminhos para descarbonização do Brasil na COP 26 (OJC)

 

Já o problema de emissões a partir do intenso uso de veículos poderia ser reduzido com descentralização de serviços urbanos. O caderno do SEEG sugere a prefeitos e vereadores que estimulem bairros e edifícios de uso misto, combinando moradias e empregos.

As emissões de GEE são calculadas de acordo com cada atividade. Azevedo explica o cálculo das emissões pelo sistema de transporte.

“Para cada atividade existe um ‘fator de emissão’. Por exemplo: uma cidade consome X de combustível. Para cada litro de gasolina ou diesel vendido neste município, multiplicamos pelo fator de emissão. Assim temos uma ideia muito aproximada de quanto esta atividade colabora para as emissões na área”.

Brasil Rural: o metano e agropecuária

Responsável pelo estudo que calcula as emissões a partir da atividade agropecuária no SEEG, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal (Imaflora) colabora para a visibilidade do problema de um dos principais impulsionadores do aquecimento global: o gás metano.

A agropecuária no Brasil é responsável diretamente por quase 30% das emissões do país. Outros 44% das emissões vem do desmatamento, que um dia vão se tornar terras agricultáveis ou pasto. Então o peso desta atividade nas emissões é enorme”, afirma Marina Piatto, diretora-executiva do Imaflora.

O metano é produzido a partir da fermentação do alimento no intestino do boi. No pasto, os rebanhos emitem o gás, que é bastante nocivo por reter calor na atmosfera. Por outro lado, se decompõe mais facilmente que outros gases do efeito estufa, como dióxido de carbono.

Segundo Piatto, um manejo inteligente manteria a atividade econômica com menores danos ambientais. “Dá pra reduzir muito as emissões com boas práticas, como a suplementação animal, algumas rações que melhoram a digestibilidade, o manejo de pastagem, o abate precoce. Não é admissível deixar o gado envelhecer no campo, porque ele continua emitindo metano”.

Piatto ainda lembra que a monocultura pode ser substituída de forma mais sustentável por consórcios de atividades rurais.

“Os sistemas integrados, como o ILPF [Integração Lavoura, Pecuária e Floresta], ajudam muito, assim como a agricultura de baixo carbono, plantio direto, silvicultura. O que o produtor não neutraliza com manejo, ele compensa dando condições para o sequestro de carbono pelas árvores”.

O Brasil e outros 103 países assinaram o Compromisso Global do Metano, um acordo para reduzir em 30% as emissões até 2030. O metano é parte do grupo das “emissões de carbono” que a conferência do clima tenta combater.  A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, lembra que entre assinar e fazer, existe uma lacuna.

“Em 2015, o governo brasileiro submeteu à ONU uma proposta de que em 2030 o país chegaria a um nível de 1,2 gigatonelada de carbono equivalente emitido. Em 2019, nós emitimos 2,2 gigatoneladas. Ou seja, não estamos diminuindo”, pondera Unterstell. “Vale lembrar que o Brasil é um dos sete países que mais emitem GEE. Menos que a China e os Estados Unidos, mas estamos entre os que mais emitem, e precisamos agir”.

 

SEEG Municípios divulgado na COP 26 é a maior base de dados de emissões de GEE por cidade no mundo (http://seeg.eco.br/)

 

Brasil Urbano: políticas subnacionais visadas na COP 26

Uma perspectiva recorrente na conferência do clima na Escócia é que os estados e municípios têm tanta responsabilidade climática quanto os governos federais.

Apesar da ausência do presidente Jair Bolsonaro na COP 26, 13 governadores brasileiros compareceram ao evento, tendo alguns feito anúncios de objetivos climáticos para os estados que governam.

O governo do Rio Grande do Sul, por exemplo, retirou o apoio ao uso do carvão no estado, o que foi visto como positivo na conferência, medida que vai na contramão do país. O Brasil não assinou o acordo para abandonar o consumo de carvão mineral, que teve 46 países signatários.

Já o governo de São Paulo prevê até julho de 2022 um plano de ação estratégica para a descarbonização do estado.

Presente no evento onde foi divulgado o sistema SEEG Municípios na COP 26, o subsecretário de Meio Ambiente de São Paulo, Eduardo Trani, conta que os dados oficiais do governo serão cruzados com os do Observatório do Clima.

“Como responsáveis por 17,5% das emissões do país, puxadas principalmente pelo setor de transportes, a ideia é utilizar os estudos preliminares para fazer trajetórias de descarbonização”.

Assinado em junho deste ano, o convênio deve mirar o setor que mais causa emissões no estado, o de transporte de cargas.

“A primeira diretriz do plano de ação é aumentar a eletrificação [veículos elétricos]. É um processo de transição, não se faz do dia para a noite, mas vai estar definido no plano de ação. Outras medidas também devem somar, como fiscalização para controle das emissões em outras atividades”, afirma Trani.

O governo do Paraná, por sua vez, assinou em outubro de 2021 as campanhas da Organização das Nações Unidas Race to Zero (Corrida para o Zero) e Race to Resilience (Corrida para a Resiliência).

Por meio de decreto, a administração estadual estabelece que a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest) deve aprovar um plano de Ação Climática, com metas para diminuir as emissões de carbono até 2050. Em menor prazo, até abril de 2023, apresentar um plano de adaptação climática, considerando os riscos que o Estado já oferece ao clima.

***

Acesse o SEEG Municípios: https://plataforma.seeg.eco.br/cities

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*