Engorda da praia de Matinhos: especialistas contestam projeto apresentado pelo Governo do Paraná como solução para as ressacas no litoral

Projeto nova orla praia de Matinhos Paraná

O anúncio das obras de revitalização em Matinhos, praia do litoral do Paraná, foi feito com grande alarde. Imagens e vídeos simulam o resultado para convencer a população pela estética do projeto. Mas sobre os detalhes técnicos e como será a execução, pouco foi apresentado. A reação da comunidade científica foi imediata. O impacto ambiental, social e paisagístico da proposta será imenso e não há licenciamento ambiental para as intervenções propostas. O que existe é um licenciamento para outro projeto, de 2009, totalmente diferente e com impactos bem menores do que o desenho atual. 

A obra tem um custo estimado de R$ 513 milhões, o que significa também um maior endividamento do Estado. O empréstimo será feito junto ao Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, conta que será paga com dinheiro público e que ficará a cargo dos próximos governos. Já a manutenção do empreendimento deverá ficar sob responsabilidade do município e não é barata, pelo contrário. 

A engorda de praia, na prática, é o alargamento da faixa de areia com obras de aterramento e colocação de areia dragada de outro local. O projeto do Estado prevê a colocação de blocos de rocha compactados em uma faixa de oito quilômetros, na Avenida Atlântica e Avenida Beira Mar. 

As imensas barreiras da costa até o mar mudam a dinâmica do oceano e causam um grande impacto visual e ambiental. O projeto atual prevê um par de guias-correntes no canal da Avenida Paraná, outro par na foz do Rio Matinhos e um terceiro par na foz de um canal artificial a ser escavado no Balneário Saint Etienne. 

A obra prevê, ainda, um espigão ao Norte da Praia Brava, e dois headlands (espigões com alargamento na extremidade voltada para o mar) localizados nos balneários Riviera e Saint Etienne. Também estão previstas a reposição de areia com engordamento artificial, obras de macrodrenagem e microdrenagem, revitalização urbanística e pavimentação. Mas não existe qualquer projeto de manutenção associado ao real dimensionamento do custo para manter os anteparos artificiais. 

A pedido do Ministério Público do Paraná, um grupo formado por 17 pesquisadores da UFPR, com ampla experiência em pesquisa e atuação no litoral do Paraná, elaborou uma segunda nota técnica um estudo técnico sobre a proposta de revitalização e engordamento da orla de Matinhos. Entre eles, há quatro geólogos, três oceanógrafos, dois geógrafos, quatro biólogos, além de um engenheiro cartógrafo, um advogado, um químico e uma socióloga, todos referência em suas áreas de pesquisa.

Uma primeira, anterior, já havia trazido uma série de questionamentos e críticas à proposta. A segunda, tornada pública dia 01 de dezembro – depois de a equipe ter tido acesso a mais documentos e contatos com o próprio governo – teve as críticas acentuadas e feitas com ainda mais propriedade. Recomendações técnicas alternativas ao projeto, mais baratas e com maior eficiência, também foram feitas na nota. 

Foi esse grupo que analisou os estudos apresentados pelo Governo para confirmar que as guias-correntes, ou “espigões” instalados na foz de rios e canais, não servem para controle de erosão, pelo contrário, alteram a dinâmica costeira com impactos negativos irreversíveis e permanentes. Para os pesquisadores, os “espigões” em formato de headlands (com uma praça e mirante na ponta) foram adotados apenas por critérios paisagísticos e trazem grandes prejuízos ambientais, além de serem incompatíveis com a paisagem natural de uma região tombada pelo Patrimônio Histórico.

Com base na experiência técnico-científica da equipe, o bloqueio físico dessas estruturas vai provocar acúmulo de areia do lado sul das construções e, consequentemente, erosão costeira do lado norte, ou seja, transferir o problema de Matinhos para Pontal do Paraná. 

Outro problema grave é que não há comprovação de que exista areia para esse empreendimento: “Para a alimentação artificial da praia de Matinhos está previsto um volume de areia de 3.222.250 m3. Porém, não existe comprovação da ocorrência de jazida de areia em volume e características adequadas para realizar o aterramento proposto. Ou seja: o volume da jazida não foi adequadamente determinado, o que é grave, já que recursos públicos serão destinados a uma obra sem viabilidade técnica demonstrada”, aponta o texto da nota técnica. 

O Grupo de Trabalho também reforça que, tanto as empresas envolvidas na proposta quanto o Estado, não se preocuparam em fazer um estudo específico para saber de que modo a engorda da praia vai alterar a arrebentação das ondas e a prática de surf, tradicional em Matinhos. De acordo com a nota, todo o projeto é passível de questionamentos na Justiça. Além de inconsistências envolvendo o licenciamento ambiental, o projeto não tem embasamento técnico, não houve participação pública, nem aderência ao plano diretor municipal e ao Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral, o PDS.

“Este grupo de trabalho ratifica seu alerta para as consequências ambientais, paisagísticas e financeiras do empreendimento, assim como para a qualidade de vida da população afetada, especialmente em longo prazo. A insistência em se manter este empreendimento, mesmo frente às inconsistências técnicas apontadas, significará, de fato, protelar a solução dos problemas ou até mesmo intensificá-los ou transferi-los para outras localidades do litoral paranaense. Assim, recomenda-se fortemente a reformulação da proposta conceitual e do projeto, alinhando-as com as melhores práticas recomendadas por documentos orientadores do assunto, tanto na literatura especializada como em nível federal.” 

Um dos pesquisadores envolvidos no grupo de trabalho é Daniel Telles, coordenador do Laboratório de Geografia Marinha e Gestão Costeira do Centro de Estudos do Mar (CEM/UFPR). Para ele, o projeto foi trazido em uma perspectiva de monólogo por parte do governo e merece ser analisado em sua essência e não só na aparência, pelas maquetes apresentadas.

Para Telles, a solução não é simples. “A engorda de praia é um assunto de alta complexidade dentro da Ciência do Mar, e que toca diferentes países costeiros mundo afora. Esse recurso inicial é só um primeiro investimento. O projeto exige, dentro das experiências já conhecidas, a manutenção das obras e monitoramento. Quanto mais você interfere em uma paisagem natural, maior o custo de manutenção exigido dos cofres públicos”. 

O litoral brasileiro tem sofrido com ressacas cada vez mais fortes, erosões seríssimas e enchentes. As ondas avançam sobre ruas, casas e comércios. É o caso do município de Matinhos, no Paraná, que passou, ao longo da história, por um processo indevido de urbanização que ocupou e destruiu toda a faixa de restinga, ecossistema associado ao bioma Mata Atlântica que tem, entre suas funções, o controle das inundações. A vegetação da Restinga serve como uma barreira e é capaz de absorver ou segurar grande parte da água após a alta das marés. 

Para pessoas desatentas ou com pouco conhecimento, pode parecer apenas “mato”, mas seus arbustos, flores, plantas rasteiras e árvores de diversos tamanhos formam uma rica floresta. É a barreira mais eficaz para proteger a cidade do aumento do nível do mar. Sem a restinga, nada impede a água de avançar cada vez mais. Nem uma milionária obra de aterramento da praia.

Para o professor Eduardo Vedor, coordenador do Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (LAGEAMB) da UFPR, que também participou do estudo, existe uma pressão e um lobby do setor imobiliário, que busca valorizar os empreendimentos que já existem com esse tipo de revitalização proposta. Mas, para ele, é muito mais barato desapropriar os imóveis e ressarcir os moradores e comerciantes do que investir em um processo de engorda de praia. O professor esclarece que a desapropriação envolveria de 15 a 20 imóveis na Praia Central, local onde a linha de costa já está comprometida. 

Na praia central de Matinhos, não há mais nem vestígios da área de Restinga. Houve uma ocupação desordenada anterior à legislação vigente, feita por pessoas que compraram legalmente os terrenos e por isso teriam direito a indenizações em caso de desocupação. Mas também há ilegalidades, ocupações posteriores. Por ausência de fiscalização e pelo risco que esses proprietários assumiram, não caberia qualquer tipo de indenização”, argumenta Vedor. 

Cabe lembrar que o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral (PDS), finalizado no ano passado, a um custo de, aproximadamente R$ 5 milhões, foi o maior investimento que o Estado realizou até hoje no que se refere a planejamento para o litoral. Houve ampla participação da sociedade nas discussões que envolveram 76 projetos. A engorda de Matinhos sequer entrou na pauta das discussões. 

Giem Guimarães, diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), reforça que as notas técnicas são a prova de que o governo Ratinho Jr. não está nem um pouco preocupado com as prioridades no Estado do Paraná: “Esse projeto deveria se chamar ‘o Engodo da Praia’, e não ‘a Engorda da Praia’, porque não faz, nem devia fazer, parte das prioridades para o Estado. Trata-se, portanto, de uma obra desnecessária com cunho meramente eleitoreiro. Por que aplicar tanto dinheiro em uma obra de estética no litoral? Para simplesmente angariar votos”. 

O Governo do Paraná também ignorou recomendações do Guia de Diretrizes de Prevenção e Proteção à Erosão Costeira (2018), resultado de quatro anos de trabalhos e articulações entre representantes de diversos órgãos e instituições. O documento foi planejado para dar subsídios à tomada de decisões dos responsáveis pelas obras costeiras. O Guia deixa claro que a intervenção em linhas de costa com colocação de “próteses”, ou obras rígidas, deve ser evitada, pois resultam em problemas futuros, repassados a outras áreas. No caso de Matinhos, impacto deve ocorrer com o Balneário de Saint Etienne, que não sofre erosão. 

Foto Banner Matinhos Crédito Agência Estadual de Notícias. Tarja: Matinhos possui 36 balneários. Na Praia Central e no balneário de Riviera, se construiu dentro da linha de faixa de areia, então, naturalmente, o mar retomará essas áreas.

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Toda a paisagem da orla marítima é tombada pelo Governo Estadual, por meio da Secretaria de Estado da Cultura e Coordenadoria do Patrimônio Cultural (CPC), sendo obrigatória por lei a preservação de bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. Qualquer intervenção exige aprovação do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Cepha).

O oceanógrafo e biólogo Paulo Lana, foi conselheiro do Cepha na época em que houve debate da necessidade de obras em Matinhos. Mas Lana foi surpreendido com o novo projeto, totalmente diferente do que foi discutido no passado com o Projeto Orla (2000) e o Paraná Cidade (2009). 

“Esse empreendimento, por maiores que possam ser suas justificativas, em face dos processos de erosão, vai gerar uma grande intervenção paisagística, além das questões ambientais, geológicas e marinhas. Então, deve ser objeto de uma reflexão técnica ainda maior de todos os órgãos responsáveis. É uma nova proposta. Ela não pode e não deve ser aprovada com base em análises de dez anos atrás, feitas para outro empreendimento”. 

O geólogo Rodolfo José Angulo, do Laboratório de Estudos Costeiros da UFPR, foi o coordenador do Estudo de Impacto Ambiental feito em 2009, e conta sobre a preocupação quando surgiu o novo projeto do IAT, em 2019: “Vendo o material de divulgação na imprensa e na internet, percebi que era um projeto totalmente ampliado, com novas linhas correntes, canais artificiais e novos objetivos. Eu tentei acessar esse projeto, fui pessoalmente ao Instituto, para saber sobre o novo estudo de impacto ambiental, porque não achava adequado usar aquele antigo. Do ponto de vista técnico, sempre fui contra essas intervenções rígidas, chamadas como guias-correntes, headlanders ou espigões. Elas alteram toda a dinâmica costeira. Esse tipo de obra não se recomenda desde os anos 50, 60 do século passado. Ela pode causar problemas irreversíveis em Pontal do Paraná e outros municípios. Uma obra muito impactante e que está sendo proposta sem base técnico-científica”, reforça Angulo.

“Esse espigão é um ‘Frankenstein’ previsto também para o Balneário de Saint Etienne, que não tem problema de erosão, área que, sequer, passou pelo estudo de impacto ambiental. Depois vão dizer que o Ministério Público barrou o investimento, mas, infelizmente, o governo não cumpre o mínimo do que a lei exige para a obra”, sentencia Eduardo Vedor. 

Quais são as alternativas? 

O grupo de trabalho da UFPR propõe Soluções Baseadas na Natureza, mais baratas e eficientes. O ponto de partida é adesocupação das áreas em ambiente que deveria ser de restinga, e recuperação dessa vegetação para conter as ressacas. 

Além disso, é possível recuperar a faixa dinâmica da praia, com a reconstrução das dunas frontais. Os “espigões” podem ser substituídos por recifes artificiais submersos. “Os recifes têm potencial de funcionar como atrativo turístico de mergulho e cumprem o papel de reduzir a energia das ondas. Com ondas mais fracas, o sedimento artificialmente depositado se mantém, com um custo menor e benefícios sociais e ambientais relevantes”, esclarece Eduardo Vedor. 

Outra questão fundamental é o saneamento básico. Afinal, de que adianta ter uma orla revitalizada e o Rio Matinhos estar completamente poluído? A urgência está na despoluição, desobstrução e recuperação das margens e da navegabilidade. 

A pesquisadora Camila Domit, do Laboratório de Ecologia e Conservação (UFPR), lembra que a maior colônia de pesca artesanal do estado está em Matinhos e a despoluição vai beneficiar toda a sociedade e a fauna marinha. 

“Mesmo os animais que são capturados pela pesca, muitos deles já estão com doenças, com patologias fúngicas, bacterianas e virais, que são características de um animal imunossuprimido pela contaminação da água. Hoje em dia, com a Covid-19, as pessoas têm ouvido muito sobre comorbidades, e a fauna também tem. Existe um problema que não enxergamos na natureza, que é essa poluição química, por esgoto e pelo microplástico. Ela passa pela fauna muito rápido e reduz muito a população marinha. As consequências de médio e longo prazo devem estar no nosso radar em obras como essa”, alerta Domit.

Conflito de interesses

Um dos principais responsáveis técnicos pela nova proposta do IAT, professor Eduardo Felga Gobbi, é também conselheiro do Cepha, ou seja, uma das pessoas que vão avaliar a nova proposta diante da questão paisagística. Um evidente conflito de interesses, muito marcado,presente e significativo. 

Outra suspeita recai sobre o engenheiro civil Eduardo Ratton, coordenador do Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI), que assina os atuais estudos da engorda da praia de Matinhos. Ratton foi denunciado pelo jornal Gazeta do Povo por usar dinheiro público de convênios com órgãos federais para bancar uma série de privilégios pessoais, como viagens internacionais em hotéis de luxo, refeições em restaurantes de renome e até festas de confraternização. 

De acordo com a Gazeta do Povo, Ratton é professor aposentado da UFPR e criou o ITTI em 2009, não para promover as atividades fins da UFPR – como ensino, pesquisa e extensão –, mas para convênios com órgãos públicos. No ano passado, a UFPR já foi condenada a devolver R$ 16 milhões, em razão de convênios executados pelo ITTI, órgão que atua em estradas e gestão portuária sem nenhuma experiência em obras de engorda de praia.

2 Comentários

  1. Por que só o Paraná tem problemas?
    Me parece claramente que tem muita gente que se mete a entendida e quer aparecer.
    Nossos “cientistas ” deveriam procurar outro Estado para dar seus pitacos. Vão para Santa Catarina, lá tem bastante litoral para vocês palpitarem.
    Parem de incomodar. Ou tem alguém levando dinheiro para impedir?

  2. Querem destruir com Caiobá. Se for para fazer melhorias na orla, faz lá para o povo da Praia Grande. Um calçadão igual do balneário Caiobá. Lá é Matinhos também prefeito !

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