As ações para conservação ambiental no Paraná estão em xeque. Um projeto de lei – (577/2018), apresentado pelo deputado estadual Tião Medeiros (PTB) – alterou por completo a destinação dos recursos do Fundo Estadual do Meio Ambiente (Fema). A partir de agora, o governo do Estado poderá usar o dinheiro para a realização de obras, trapiches, ampliação de parques públicos urbanos, além de custear fóruns e seminários, por exemplo. Isso coloca em risco a realização de quaisquer políticas públicas voltadas à preservação da natureza e da biodiversidade em todo o território estadual.
Dessa forma, o montante arrecadado por meio de multas ambientais e também mediante decisões judiciais referentes a pagamentos por danos à natureza não será mais aplicado somente a projetos de recuperação, conservação e fiscalização ambiental, como determinava, até então, a lei estadual.
O projeto que foi aprovado em dezembro de 2019 pela Assembleia Legislativa do Paraná é de autoria do Poder Executivo do Paraná, ou seja, a iniciativa partiu do governador Ratinho Júnior (PSD) e do secretário estadual de Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, Marcio Nunes (PSD).
Anualmente, o Fema arrecada cerca de R$ 10 milhões. Desse valor, uma parte é destinada ao Batalhão Ambiental, a fim de dar suporte ao trabalho dos policiais da Força Ambiental, além de contribuir com a manutenção do sistema de gestão ambiental da Celepar, com as estações de monitoramento da qualidade do ar e com parcerias firmadas com a Universidade Federal do Paraná.
A mudança na lei ocorre em um momento em que o Governo do Paraná está para receber quase R$ 1 bilhão de multas e acordos – sendo cerca de R$ 600 milhões de multas da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) e mais R$ 300 milhões da Sanepar. Esse valor, seria, obrigatoriamente, destinado ao Fema. Mas, com a abertura na legislação, o montante corre o risco de não ser totalmente destinado à conservação e à preservação da natureza.
“Historicamente, sempre houve carência de recursos no setor de conservação do meio ambiente. Essa mudança deixa tudo ainda pior. E surge bem no momento em que o governo espera receber esse valor de multas. Dá para estranhar muito isso. Com esse montante, é possível reestruturar todo o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), por exemplo”, afirma o diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges.
Escândalo
A alteração na lei do Fundo Estadual do Meio Ambiente preocupa pessoas. O diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), Giem Guimarães, aponta que é necessário reverter essa situação urgentemente por um caminho judicial. “Isso é um verdadeiro escândalo. O que o governo quer é colocar a mão no dinheiro das multas da Repar. Precisamos buscar mecanismos legais para que a destinação do Fema seja aplicada, de fato, ao que deveria ser”, ressalta.
Giem lembra que desvirtuar dinheiro público que deveria ser para conservação da natureza é prática histórica. Como exemplo, ele recorda da controversa decisão judicial que livrou a empresa Cattalini de pagar uma multa de R$ 50 milhões pela explosão de um navio em Paranaguá. Uma decisão judicial de 8 de abril de 2019 considerou que a construção de um aquário de R$ 5 milhões em Paranaguá abolia a empresa da multa. O valor do aquário é equivalente a cerca de 10% da multa originalmente determinada pelas autoridades ambientais e é fruto de um acordo questionado pelo Ministério Público. O navio Vicuña explodiu na entrada do porto em novembro de 2004, matando quatro pessoas e derramando quantidades gigantescas de poluentes na Baía de Paranaguá.
Desde 2000
No Estado do Paraná, o Fundo Estadual do Meio Ambiente foi instituído pela Lei Estadual nº 12.945, de 05 de setembro de 2000, e regulamentado via decreto em dezembro de 2000. Originalmente, o Fema tinha a “finalidade de concentrar recursos destinados a financiar planos, programas ou projetos que objetivem o controle, a preservação, a conservação e/ou a recuperação do meio ambiente”.
Debates e embates
O projeto de lei para alterar o Fema foi apresentado em 2018 pelo deputado estadual Tião Medeiros (PTB). Durante a tramitação, o entendimento foi de que ele precisaria ser uma proposição do Executivo, que enviou o projeto de lei mantendo o mesmo teor da proposta original redigida por Medeiros.
O projeto foi questionado, inclusive pelo Ministério Público, que, ao analisar o projeto original (leia mais abaixo) avaliou que poderia resultar em desvio de finalidade do uso dos recursos do órgão. O MP encaminhou, então, uma manifestação oficial à Comissão de Meio Ambiente da Assembleia. O documento serviu de base, inclusive, para que a comissão aprovasse parecer contrário ao projeto. No entanto, as comissões de Constituição e Justiça e de Finanças e Tributação aprovaram o projeto. “O referido projeto de lei não respeita as disposições legais específicas acerca da destinação dos valores para proteção da tutela ambiental”, apontou o Ministério Público, em parecer assinado pela promotora Priscila da Mata Cavalcante, que ainda apontou “nítida a ilegalidade e a inconstitucionalidade do Projeto de Lei”. “O patrimônio público ambiental não é apenas dos moradores da região geográfica onde ele se encontra, mas sim Patrimônio Natural da Humanidade, e deve ser protegido como espaço público”, escreveu a promotora.
Em meio ao trâmite do projeto, também foram realizadas audiências sobre o tema no Conselho Estadual do Meio Ambiente. Um grupo de pesquisadores e ambientalistas apresentaram propostas para alterar o projeto de lei. “Mas não houve nenhum debate público sobre as nossas considerações. O governo, simplesmente, não quis escutar”, disse o diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges.
Emenda ‘insuficiente’
Como o governo conta com a maioria da bancada dos parlamentares na Assembleia, a chance de o projeto original passar era – como se mostrou – certa. O presidente da comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais, deputado Goura (PDT), articulou uma negociação com a liderança do governo para apresentar duas emendas no intuito de minimizar a mudança na lei. Uma delas foi aprovada. Mesmo assim, a medida foi insuficiente para evitar danos ao meio ambiente, como apontam ambientalistas.
“A emenda aprovada foi resultado de ampla discussão com diversas entidades da sociedade civil ligadas à preservação do Meio Ambiente, contemplando igualmente as considerações do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo (CAOPMAHU) do Ministério Público do Paraná, encaminhadas em parecer enviado à Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais”, explicou Goura, por meio da assessoria de imprensa.
A emenda assinada por Goura conseguiu dar nova redação a trechos do projeto de lei. O uso do dinheiro para acessos fluviais e marítimos só será possível quando “houver interesse social ou utilidade pública”. Já o dinheiro pode ir para restauração de áreas degradadas, “salvo casos em que a responsabilidade seja do titular da área ou do causador do dano”.
O trecho que tratava da possibilidade de realizar “obras de saneamento, construção, reformas e melhorias de aterros sanitários” passou a ser atrelado ao Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos e “saneamento ambiental”. Incluiu, ainda, que parte do dinheiro possa ser destinado para “apoio a cooperativas e associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis”.
Todavia, apesar do esforço de Goura, a mudança da destinação dos recursos arrecadas pelo Fema desvirtua a finalidade original do Fundo. “Apesar dos esforços, minimizando algumas falhas, a alteração não foi suficiente para que tivéssemos uma lei que reforçasse o uso dos recursos apenas para a área ambiental”, conclui Clóvis Borges. “A emenda apresentada e votada não foi capaz de evitar que a finalidade do Fundo fosse distorcida”, reforça Giem Guimarães, do Observatório de Justiça e Conservação.
O que é o Fundo Estadual do Meio Ambiente?
Os recursos que compõem o Fundo Estadual do Meio Ambiente, conforme a legislação são, em sua maioria:
- Dotações orçamentárias do Estado;
- Dotações orçamentárias da União e dos Municípios;
- Produto das multas administrativas e sanções judiciais por infrações às normas ambientais;
- Recursos provenientes de ajuda e/ou cooperação internacional e de acordos entre Governos na área ambiental;
- Receitas resultantes de doações.
A legislação que criou o Fema em 2000, aponta também que os recursos serão depositados, em instituição financeira oficial do Estado, em conta, própria, denominada “Fundo Estadual do Meio Ambiente – Fema”.
Entenda as mudanças no artigo da lei que determina as áreas de aplicação dos recursos do Fema:
2000 – Como era a lei original:
Serão consideradas prioritárias as aplicações de recursos financeiros do Fundo Estadual do Meio Ambiente (Fema), em planos, programas ou projetos relativos a: educação ambiental, controle e monitoramento ambiental, recuperação ambiental, proteção dos recursos hídricos, conservação da biodiversidade, unidades de conservação, desenvolvimento florestal, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, desenvolvimento institucional, desenvolvimento de políticas públicas ambientais, instrumentos e meios legais e econômicos, assim, como em despesas correntes pertinentes a atividades da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e Turismo – Sedest e do Instituto Ambiental do Paraná (IAP).
2019 – Com a mudança da lei foram incluídos itens que dão margem para que o recurso seja utilizado em outras finalidades.
Como era o projeto enviado pelo governador Ratinho Júnior:
“Para fins desta Lei, consideram-se planos, programas ou projetos de recuperação ambiental e de proteção dos recursos hídricos os relacionados a:
I – Obras de proteção ambiental de encostas e margens de rios;
II – Acessos fluviais e marítimos, tais como rampas, trapiches e flutuantes;
III – Recuperação de áreas degradadas, erosões, voçorocas, entre outras;
IV – Obras de saneamento, construção, reformas e melhorias de aterros sanitários;
V – Realocação de famílias em áreas de risco ou proteção permanente;
VI – Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS);
VII – Construção de parques;
VIII – Outras ações correlatas”
Após a emenda negociada pelo deputado Goura, a redação final desses itens passou a ser dessa forma:
I – Proteção, monitoramento, restauração e recuperação ambiental de encostas, margens de rios e áreas de mananciais;
II- Acessos fluviais e marítimos, tais como rampas, trapiches e flutuantes quando houver interesse social ou utilidade pública;
III- Restauração, recuperação e monitoramento ambiental das áreas degradadas, salvo casos em que a responsabilidade seja do titular ou possuidor da área;
IV- Redução da geração de resíduos sólidos, apoio a cooperativas e associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis;
V- Recuperação e restauração de áreas de preservação permanente ou áreas de risco ambiental nas quais tenha sido realizada a realocação de ocupação humana para habitação de interesse social;
VI- Implementação, ampliação, proteção, estruturação e fiscalização de Parques Públicos Urbanos, viveiros florestais e Centros de Triagem de Animais Silvestres – Cetas;
VII- Implementação, ampliação, proteção, estruturação e fiscalização e regularização fundiária de Unidades de Conservação e corredores ecológicos;
VIII – Fóruns, simpósios, congressos, oficinas, seminários, encontros e campanhas permanentes de educação ambiental, apoio à Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental, processos de formação continuada em educação ambiental para gestores públicos e sociedade.