De modo absolutamente questionável e contrariando múltiplos questionamentos legais, o governo do estado do Paraná pode investir R$ 369 milhões na primeira fase da construção da chamada “Faixa de Infraestrutura”. Ela prevê um conjunto de obras feitas para atender as necessidades de um único empresário responsável pelo investimento do tão falado e controverso porto de Pontal do Paraná.
Há entendimento claro de que todo o projeto é amplamente questionável. Os impactos ambientais e sociais que ele causaria seriam enormes. As obras representariam um prejuízo ao Litoral paranaense e à sociedade se fossem executadas da forma como vêm sendo apresentadas. Obviamente, os interesses de poucos estão se sobrepondo aos direitos de muitos.
Existe um grupo, pequeno, que brada pelas ruas de Pontal a ideia de que o porto trará avanços, progresso e qualidade de vida à população. No entanto, é conhecido e reconhecido nacionalmente, por exemplos já testados, que esse tipo de investimento privado traz mais prejuízos que benefícios à sociedade. Não há contrapartida. Não existe “almoço grátis” e os investidores nunca assumem o ônus social e ambiental causado pelos empreendimentos.
Com a execução da obra do porto de Pontal, o primeiro impacto sentido será no número de habitantes. A população masculina dará um salto durante as obras. Tende a dobrar. A criminalidade, a prostituição, o tráfico e o consumo de drogas também. Um exemplo prático dessa tragédia anunciada foi ao ar em rede nacional não faz tempo. O Fantástico, da Rede Globo, revelou recentemente a triste história do município de Altamira (PA). Apontada como a cidade mais violenta do país, Altamira deixou o status de município pacato, de pescadores ribeirinhos da bacia do Rio Xingu, para viver uma taxa de mortalidade 37% maior que a de países subdesenvolvidos, como Honduras.
A promessa da Usina de Belo Monte, de trazer progresso e desenvolvimento, era mentirosa e isso ficou provado. Desde o início das obras, os índices de criminalidade explodiram. O represamento das águas do Xingu acabou com a pesca da região e centenas de pessoas ficaram desempregadas. Centenas de trabalhadores de outros estados foram a Altamira. Junto com eles, vieram o tráfico, a prostituição e os assaltos. Altamira não tinha estrutura para receber tanta gente. O caos se instalou na região amazônica e hoje se perpetua, crescendo continuamente.
Belo Monte funciona a todo o vapor e enriquece as empresas que compõem o consórcio de exploração das águas e da energia gerada pelo Xingu. Ao povo, a quem Belo Monte prometeu emprego, renda e prosperidade, ficou o sangue das centenas de homicídios registrados ano após ano e que escorre no chão das ruas de terra. Ficaram também a droga, o vício, o crack, o desamparo e o desemprego, até mesmo entre aqueles que tinham como profissão a pesca de subsistência.
Vale lembrar também que, há alguns anos, um presídio começou a ser construído em Altamira. Há quatro anos a obra está parada. Com Belo Monte, o tão esperado “progresso” chegou a Altamira. Mas chegou para dezenas de empresas que enriquecem enquanto o povo, uma vez iludido com a promessa de dias melhores, padece à espera do tão falado presídio. Esse é o retorno material de investimentos que Belo Monte trouxe para Altamira: um presídio. Seria justo que Belo Monte investisse um pouco mais e construísse também um cemitério, para que Altamira enterre seus filhos que morrem aos montes em suas ruas violentas.
Em um artigo recente, trouxe outro exemplo semelhante, só que em Cabo do Santo Agostinho e Ipojuca, paradisíacos municípios litorâneos do estado de Pernambuco. O Porto de Suape prometeu progresso e desenvolvimento àquele povo. Porém, trouxe riqueza a empresários e investidores da obra e do projeto. Aos moradores, Suape deixou o desemprego, o assalto, o homicídio, a droga, a prostituição, a Aids e a degradação da vida marinha.
Em Pontal do Paraná, o caos pede passagem e enfrenta até mesmo a Justiça Federal. Agindo contra a lei, querem construir um porto que ostenta a imagem de grandeza. Dizem que receberá os maiores navios do mundo em uma operação que promete mudar a vida dos moradores de Pontal do Paraná, Ilha do Mel, Ilha do Maciel e arredores. E de fato mudará. Mas para pior.
Que me perdoem os incautos e ludibriados. Esse porto, essa obra, esse projeto que está sendo imposto sob a falácia do progresso trará caos e desgraça à vida da população litorânea. Acabará com a vida marinha, colocará a Ilha do Mel em meio a um cenário de poluição e degradação. Será o responsável pela morte de centenas de espécies de peixes, aves e animais silvestres. Acabará com uma enorme faixa de Mata Atlântica. Tudo em nome do privilégio e do interesse de uma única pessoa.
Falam em geração de empregos e renda e em desenvolvimento, mas nada ou pouco conhecem da realidade econômica do município. Com uma população de 20 mil habitantes, dos quais 8 mil estão em idade ativa, ou seja, em idade de trabalho, estima-se que quase mil pessoas estejam desempregadas na região. Deste total, menos de 20% teria qualificação para trabalhar no porto.
Em contrapartida, a construção da obra estima gerar mais de 800 empregos diretos em sua fase inicial. Sem mão de obra qualificada em Pontal, captarão trabalhadores em outras regiões do estado e do país. De início, a cidade estaria recebendo pelo menos 800 homens para a empreitada. Não haverá empregos para o pai de família, para o jovem e para o trabalhador de Pontal do Paraná.
Não há, portanto, como enxergar essa obra com bons olhos. Não há como mensurar resultados que sejam diferentes daqueles vistos em Altamira, Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho. Pontal do Paraná padece com infraestrutura mínima e poucos investimentos dos governos estadual e federal. Tem o suficiente para se manter ordeira. É imaturo e leviano pensar que poderá suportar tamanha demanda e, consequentemente, tantos problemas.
Se não mudar de direção, o governo do Paraná pode estar prestes a financiar a construção de um porto que colocaria Pontal do Paraná no mapa da violência do Brasil nos próximos anos. Com sorte, o “bondoso” empresário que receberia esse incentivo milionário do governo pode construir um presídio e um cemitério para que Pontal prenda e enterre seus filhos.
Claudio Dalledone é advogado criminalista.
Este artigo foi veiculado na Gazeta do Povo.
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