São Paulo e Minas Gerais fizeram durante décadas a conhecida “política do Café com Leite”, período denominado de República Oligárquica (1890-1930). Naquela época do Brasil pré-industrial, os produtores de commodities como café, cana, leite e carne detinham um poder imenso sobre a política brasileira.
Getúlio e Juscelino impulsionaram nossa incipiente indústria. A política nacional ganhou outros influenciadores internos e externos, mas nós nunca deixamos de ser eminentemente agroextrativistas. Nossa bancada ruralista sempre foi poderosa no congresso, da mesma forma que tem sido a influência de associações agropecuárias regionalmente, onde há uma promiscuidade com governos locais.
O abandono do país por empresas como Ford, Sony e Roche demonstra que a crescente desindustrialização brasileira tem nos levado a um retrocesso civilizatório e piora na distribuição de renda. O Brasil perdeu 36,6 mil estabelecimentos industriais entre 2015 e 2020, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.
A concentração da economia na produção de commodities possui uma realidade perversa, já que o agro do século XXI é muito mais mecanizado (caminhando a passos largos para a automação) do que aquele da nossa velha política Café com Leite. Isso significa que o agro moderno utiliza muito menos mão de obra, assim como concentra muito mais renda do que no século passado. Maquinários e insumos agrícolas financiados com subsídios estatais acorrentam nossa matriz econômica ao passado. Isenções de impostos sobre exportações, fartas e baratas terras completam a receita.
Apesar de detentores da maior biodiversidade do planeta e de um potencial incomparável para sermos líderes em campos, como a biotecnologia e o mercado de carbono, desprezamos estes setores. Hoje somos vistos como párias na luta contra as mudanças climáticas, minando o direito de indígenas e destruindo o meio ambiente. Empresários esclarecidos, no entanto, têm tentado advertir nossos políticos para os gravíssimos efeitos dessa postura para a economia nacional. Recentemente mais de 170 deles se manifestaram contra vários projetos de lei antiambientais que arruinarão nossa imagem no exterior, sujeitando o Brasil a sanções comerciais.
Mas a bancada ruralista que é a maior do Congresso, não parece muito preocupada. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), lobby financiado por associações e empresas do agronegócio, tem de fato muita força. Temos inclusive um presidente que diz que este governo “pertence ao agronegócio”, conforme as palavras de Bolsonaro em evento com a FPA em café da manhã do dia 04/07. Sua outra pérola durante o encontro foi, “o governo atual não é como os anteriores, que demarcavam dezenas de áreas indígenas, demarcavam quilombolas e ampliavam áreas de proteção”. Realmente, vamos na contramão do mundo.
Não bastasse o poderio desse setor, a pandemia lhes trouxe ainda mais ganhos econômicos e capacidade de influenciar as decisões do Planalto. A explosão da demanda internacional por commodities tem sido impressionante, algumas delas subiram mais de 40% em dólar. Já a nossa moeda desvalorizada, facilita as exportações dessa mercadorias. Nunca se ganhou tanto no Brasil exportando grãos e carne. Mas, se por um lado uma moeda fraca faz com que nossos preços fiquem mais baratos lá fora, de outro, ela gera inflação aqui e empobrece a população.
Como a instabilidade institucional deste governo afeta a cotação do real, ela também contribui com a inflação prejudicando principalmente os mais pobres. Logo, os rompantes de Jair têm efeitos perversos sobre os mais vulneráveis. Eles significam um dólar apreciado e mais gente passando fome. Nos últimos 12 meses a alta dos alimentos foi enorme como: óleo de soja (78%), arroz (37%) e a carne (31%). Isso sem falar no litro da gasolina a 7 reais. Quando o dólar sobe além da conta, é inflação na certa.
Segundo especialistas do mercado financeiro, o real tem se desvalorizado mais que outras moedas graças a nossa política econômica desastrada e os constantes surtos de Bolsonaro. Portanto, paradoxalmente a mesma tensão política que gera desinvestimentos e desemprego no Brasil, de certa forma favorece quem exporta commodities. Mas esta associação sinistra entre os desatinos presidenciais e este setor tão importante de nossa economia precisa acabar ou sofrerá sérias consequências.
É fundamental que a parte esclarecida do agro reafirme seu compromisso com o meio ambiente e o estado democrático de direito. Caso contrário, o mercado mundial equiparará todos os produtores brasileiros ao “agro ogro”, que age de forma piromaníaca. Esta banda ruim, deslumbrada pelos soja-dólares, que desmata ilegalmente e tem até financiado manifestações golpistas. Aliás, nada mais emblemático que as incitações do “rei do gado” (Sérgio Reis) contra o STF.
Parece que o espírito e o poder da velha política do Café com Leite ganhou nova roupagem, mas nunca nos deixou. Inspirado pelo dia Sete de Setembro finalizo com uma sugestão patriótica. Seria mais inteligente que nosso rico agro destinasse seus recursos para combater os incêndios recordes e a crise hidroenergética, do que agredir nossa democracia. Mesmo que não haja amor pelo verde da nossa bandeira, que o setor pense pelo menos na sua autopreservação.
Giem Guimarães é empresário e diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).
Seja o primeiro a comentar