O Brasil experimentou um desenvolvimento acelerado a partir da segunda metade do século XX, que gerou crescimento das cidades e maior uso dos recursos hídricos de águas interiores, especialmente nas regiões sul e sudeste do país.
As águas interiores ou doces compreendem rios, lagos, lagoas, águas subterrâneas e riachos. Os riachos, por sua vez, são os corpos de água de menores dimensões e incluem as nascentes dos grandes rios e, por serem pequenos, são sensíveis a qualquer alteração em suas margens ou imediações. A redução da vegetação das margens, substituição de árvores nativas por não nativas e atividades agropecuárias intensivas, são alguns dos exemplos mais comuns de interferência sobre a qualidade das águas. Qualquer intervenção nas imediações desses pequenos cursos provoca modificações que promovem, muitas vezes, seu completo desaparecimento. E esse fenômeno pode ocorrer vagarosamente, sendo necessários alguns anos para que seja totalmente assoreado, a nascente desapareça e a redução ou alteração do curso do rio sejam, de fato, percebidos. Trata-se de um processo lento, contínuo e pouco visível, por isso, a maior parte das pessoas não se dá conta da gravidade do que está acontecendo.
Crise hídrica
O soterramento de um riacho para construção de rodovias, estradas ou qualquer outro empreendimento é promovido muitas vezes “sem culpas” por se tratar de cursos de pequenas dimensões e “aparentemente sem prejuízos” quando comparados aos grandes rios. Justificativas de que a construção de obras de engenharia pode promover o bem-estar humano são muitas vezes facilmente assimiladas, entretanto, a contínua e rápida degradação das nascentes ameaça a qualidade de vida humana, por direcionar às populações a uma crise hídrica futura sem precedentes.
Os riachos são os alimentadores naturais dos grandes rios. Ao desaparecem ou serem impactados, as águas dos rios também sofrem redução, assim como toda a biodiversidade presente neles. Muitas espécies de organismos (de invertebrados a peixes) desapareceram sem mesmo terem sido descritas pela ciência. Além disso, os estoques de peixes dos grandes rios dependem do bom funcionamento dos riachos e de suas cabeceiras. Caso as áreas situadas nas cabeceiras sejam impactadas e seu funcionamento prejudicado, os rios também sofrerão drásticos efeito destes distúrbios.
Serviços ecossistêmicos
A situação afeta, ainda, a qualidade dos serviços ecossistêmicos, que são os benefícios que a sociedade aproveita direta ou indiretamente do meio ambiente, como, por exemplo, a oferta de água e ar puros. Em decorrência disso, as populações naturais também se tornam mais suscetíveis a surtos de doenças e pragas, pois o empobrecimento das cadeias alimentares aquáticas favorece o desequilíbrio das interações biológicas (relação predador-presa; hospedeiro-parasita, por exemplo). É notável a relação entre o desequilíbrio ambiental e o aparecimento de doenças em animais domésticos, cultivares e seres humanos.
A água não tem limites geográficos ou políticos. O que ocorre em um trecho da bacia pode ser percebido em toda sua extensão, portanto, a crise hídrica do Estado de São Paulo nos inspira a cuidar melhor dos nossos pequenos cursos de água. A recente experiência paulista nos faz ter certeza de que o recurso é um bem finito e locais onde se manifestam importantes nascentes, como na Área de Proteção (APA) da Escarpa Devoniana e em outras Unidades de Conservação do Estado do Paraná, devem ser ampliados e jamais reduzidos por projetos de lei cuja intenção à o favorecimento econômico de alguns.
O Estado do Paraná não deve posicionar-se na contramão quando se discutem ações globais de preservação de corpos de água. É importante que se redefina o conceito de desenvolvimento e prosperidade. A qualidade da vida e a saúde passam pela conservação dos ecossistemas. E nenhuma interferência humana para fins econômicos é justificável. A geração de empregos é fundamental, mas a qualidade de vida futura é imprescindível.
Evanilde Benedito é professora nos curso de Ciências Biológicas e pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais e em Biologia Comparada, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutora em Ecologia e Recursos Naturais e pós-doutora em Ecologia de Ecossistemas na Amazônia, coordena projetos nas mais diferentes áreas da Ecologia em Unidades de Conservação.
Acesse o artigo no jornal Bem Paraná.
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