Um levantamento recente feito por pesquisadores do Paraná descobriu dez cavernas até então desconhecidas no estado. Elas foram encontradas no município de Ponta Grossa a partir de um estudo feito ao longo de três dias de trabalho de campo em 2016, mas só divulgado agora.
Os pesquisadores do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (Gupe) investigaram uma área de apenas 1 quilômetro de extensão na região chamada Escarpa Devoniana. Ela é considerada o degrau topográfico que separa o Primeiro do Segundo Planalto paranaense. Lá, encontraram as dez novas cavernas localizadas nas paredes rochosas da Formação Furnas – a rocha que sustenta a formação.
Os resultados mostraram que a escarpa ainda é desconhecida e revelaram um imenso potencial turístico e ecológico escondido na região. Em linha reta, a formação se estende por 260 quilômetros no Paraná, no entanto, devido aos diversos cânions, fendas e festonados – que são contornos e reentrâncias típicas de relevos escarpados –, sua extensão total ultrapassa 500 quilômetros. É nela onde mais se manifestam as cavernas dos Campos Gerais, especialmente na porção que compreende os paredões rochosos situados na frente da área, em seu reverso e entorno – no interior dos cânions e fendas.
Apesar de tamanho potencial e riqueza, um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa do Paraná e será votado ainda no primeiro semestre deste ano quer reduzir para menos de um terço o perímetro atual da Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana. A área é uma Unidade de Conservação Estadual de Uso Sustentável, criada em 1992 e situada na região dos Campos Gerais do Paraná.
Se aprovado, todo o patrimônio espeleológico da região ficará irreversivelmente desprotegido e ameaçado. A condição fará com que diversas cavernas fiquem fora da Unidade de Conservação e que seu regime de proteção seja profundamente modificado.
Muito pouco ainda se sabe a respeito do patrimônio espeleológico da Escarpa Devoniana. O fato, entretanto, é que o potencial para novas descobertas de cavernas é enorme e as estatísticas atuais tendem a ser rapidamente multiplicadas com a realização de trabalhos de prospecção, cadastramento e pesquisa. Atualmente, o Paraná conta com 330 cavernas e as estatísticas crescem nos últimos anos, principalmente com os novos registros obtidos na APA da escarpa.
De acordo com as bases de dados do Gupe, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav), vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), 105 cavidades subterrâneas na área da escarpa e seu entorno imediato já foram identificadas. Porém, alguns trabalhos de certificação e licenciamento ambiental disponíveis na internet apontam a ocorrência de outras 15 cavernas já conhecidas, mas ainda não catalogadas nos cadastros oficiais. Com o total de 120 cavernas, a área concentra mais de um terço do patrimônio espeleológico do Paraná.
Ponta Grossa é o município que lidera esse ranking, seguido de Sengés, Piraí do Sul e Tibagi. Apesar de ter apenas uma caverna cadastrada, Jaguariaíva também possui grande potencial espeleológico, assim como os municípios de Piraí do Sul e Sengés, devido às características do relevo dessas regiões, com a presença de muitos cânions e fendas.
Além de cavernas, na região da escarpa localiza-se a maior cavidade subterrânea em arenito do sul do Brasil. O Sumidouro do Córrego das Fendas, em Ponta Grossa, tem 1.300 metros de desenvolvimento linear.
As cavidades subterrâneas da região da Escarpa Devoniana apresentam notável geodiversidade e biodiversidade. Recentes estudos em espeleotemas formados em rochas areníticas mostram a participação de micro-organismos na formação dessas feições, indicando que bactérias podem tanto dissolver como precipitar minerais.
A presença de espécies de invertebrados encontrados em cavernas da região ainda desconhecidos pela ciência também mostra a diversidade biológica dos ambientes. O exemplo mais notório é o crustáceo troglóbio – adaptado para viver exclusivamente em caverna –, encontrado na Caverna das Andorinhas, em Ponta Grossa. Este Amphipoda – o Hyalella formosa – foi o primeiro troglóbio identificado na Região Sul do Brasil. Trabalhos desenvolvidos em 2012 durante um projeto de pesquisa do Gupe mostraram a grande diversidade e abundância de espécies em cavernas situadas na APA da Escarpa. Na Caverna da Chaminé, em Ponta Grossa, por exemplo, foram identificados 54 espécies e 440 indivíduos em uma área de amostragem de apenas 61 metros.
Os trabalhos do Gupe mostram que os depósitos de matéria orgânica vegetal presentes no interior das cavidades subterrâneas, provenientes do guano (fezes) de morcegos e andorinhões e da vegetação nativa externa, também constituem fontes vitais para a existência e manutenção das espécies cavernícolas da APA. O tamanho e a qualidade do fragmento externo – entre eles florestas, capões de mata e campos – são fatores fundamentais na riqueza da fauna das cavernas, por isso o entorno desses ambientes deve ser protegido para que suas características naturais sejam mantidas.
A redução da APA por meio da aprovação do projeto de lei, portanto, é absolutamente equivocada e representa erro e retrocesso imensuráveis. A forte pressão causada pela agricultura e pelo florestamento comercial com espécies exóticas na área já vem causando impactos sobre as florestas e os campos nativos. A supressão e substituição da vegetação natural pelo cultivo, a falta de manejo e controle da dispersão do pínus, a instalação de drenos em campos brejosos, a destruição de Áreas de Preservação Permanente (APP) e o uso de agrotóxicos afetam diretamente a fauna cavernícola. Essas atividades também modificam o regime hídrico das cavernas e aumentam o transporte de sedimento para o interior dos ambientes, causando o entupimento de galerias.
A mineração na região da Escarpa Devoniana, com a extração de areia por meio do hidrodesmonte – técnica que consiste em fragmentar paredões de rocha arenítica com o uso de jatos de água de alta pressão –, é outro risco iminente às cavernas, podendo resultar na supressão total de diversas cavidades. A falta de exigências de estudos espeleológicos por parte do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e como condicionantes para a instalação de empreendimentos de alto impacto ambiental, como mineração, hidrelétricas, parques eólicos e indústrias, são fatores que aumentam o risco de destruição de cavidades subterrâneas na área.
As cavernas devem ser, portanto, protegidas, a fim de garantir o equilíbrio ecológico e a função geossistêmica que esses ambientes apresentam. Cavernas são locais de captação de águas superficiais, servindo de pontos de recarga do importante – porém muito esquecido – Aquífero Furnas, um grande manancial de águas subterrâneas da região dos Campos Gerais. A água é um recurso primordial, considerado o recurso do século e essencial para toda a sociedade. Há muito em jogo nessa proposta legislativa. Esperamos que, ao menos desta vez, os interesses particulares não se sobreponham aos da coletividade.
Henrique Simão Pontes é geógrafo, técnico em meio ambiente, mestre em gestão do território e doutorando em geologia. Membro efetivo do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (Gupe) e integrante do Grupo de Pesquisa Geoconservação e Patrimônio Geológico (CNPq/UFPR).
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