Em 25 anos, estados do sul somam mais de R$ 3 bilhões de multas ambientais não pagas

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O fiscal José Brito chega a passar meses na Amazônia, revezando de equipes, durante a operação Onda Verde. Foto: Marcio Isensee e Sá

Desde que o Plano Real entrou em vigor no Brasil em 1994, o número de multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na Região sul do Brasil chegou a 59.239. Em quase 25 anos, foram efetuadas uma média de sete punições por dia na região que corresponde aos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essas multas correspondem a prejuízos, danos e crimes cometidos contra a flora, a fauna e a biodiversidade regional. Se todas essas multas fossem pagas, seriam repassados aos cofres públicos mais de R$ 3,2 bilhões. Esse valor seria suficiente para regularizar praticamente todos os processos de desapropriação das unidades de conservação ambientais criadas nos três estados nesse período.

No entanto, somente uma pequena parcela do valor dessas multas retornou aos cofres públicos. Apenas 25.933 foram quitadas de alguma maneira por pessoas e empresas autuadas pelo órgão. Isso representa 43,7% do total das penalizações registradas no sul do Brasil, ou seja: menos da metade das multas foi paga pelos infratores. As informações constam no Banco de Dados Abertos do Ibama. A última atualização é de fevereiro de 2020.

No Rio Grande do Sul, foi computado um total de 24.771 multas. A quitação, no entanto, foi de apenas 9.027, 36,5% do total. Santa Catarina apresentou nesse um quarto de século um melhor desempenho: 52% do total das multas foram sanadas. Já no Paraná apenas 43% das penalidades aplicadas foram quitadas; 5.615 de um total de 12.996.

 

Inefetividade de cobrança é histórica

Em relação a valores, em quase 25 anos, o Rio Grande do Sul registrou a quitação de R$ 36.917.096 de um total de R$ 823.071.075 que deveriam ser pagos pelos infratores – próximo de 4,5%. Neste mesmo período, o Paraná deveria receber um total de quase R$ 2 bilhões (R$ 1.755.938.488), mas apenas R$ 50.964.353 foram devidamente quitados, segundo os dados oficiais do Ibama. É o estado com o pior índice nesse quesito. Menos de 3% dos valores das multas foram pagas pelas pessoas e empresas autuadas em território paranaense. Já o Estado de Santa Catarina registrou um total de R$ 44.576.786 de multas quitadas de um total que deveria chegar a R$ 625.843.065, o que representa a quitação de aproximadamente 7% dos valores devidos.

Segundo Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), essa inefetividade de cobrança das multas é histórica e, muitas vezes, são questionadas pelos infratores no Poder Judiciário. “Nunca houve um posicionamento dos governos para se ter uma busca para a cobrança das multas ambientais. Além disso, os órgãos ambientais recebem historicamente muita pressão política. Mesmo com a emissão de multas, sabe-se que elas não são pagas. As empresas entram com recurso judicial e, por pressão política, os órgãos não fazem o encaminhamento da sequência dos processos, que caducam”, explica.

Maiores multas

Na prática, parece que a impunidade se torna regra para aos grandes infratores. No Paraná, por exemplo, nenhuma das dez maiores multas aplicadas no Estado nestes 25 anos foram quitadas. Somente em dois casos é que houve notificação, mas ainda se aguarda o pagamento. As demais, ou foram ajuizadas e questionadas junto ao Judiciário, ou acabaram canceladas. A de maior valor – R$ 300 milhões – registrada em Pontal do Paraná ainda não foi quitada. O valor foi previsto por 16 ações civis públicas abertas contra Sanepar em razão de multas ambientais aplicadas pelo Ibama à companhia devido ao despejo de esgoto não corretamente tratado em rios paranaenses. As ações ainda estão sendo julgadas. Situação semelhantes que aguardam julgamentos e pagamentos se repetem nos estados do Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

Segundo o próprio Ibama informou em situações anteriores, o baixo percentual de multas efetivamente pagas é reflexo da complexa tramitação dos processos de apuração de infrações ambientais, sendo que o processo administrativo de apuração de infração ambiental não tem o poder, sozinho, de garantir o pagamento da multa. O infrator só pode ser inscrito no Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal (Cadin) e acionado na Justiça após esgotarem-se todos os recursos existentes.

Tribunal de Contas já notificou IAP por baixa arrecadação de multas

O órgão estadual do Paraná para fiscalização ambiental é o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), atual Instituto Água e Terra. Contudo, o cenário de pagamentos das multas não difere muito do que ocorre no Ibama. Quem já apontou essa realidade foi o Tribunal de Contas do Estado (TCE). Em 2016, por exemplo, o TCE verificou a ausência da obrigatória escrituração em dívida ativa de autos de infração ambiental emitidos pelo IAP.

Em trabalho rotineiro de fiscalização do IAP, auditores do TCE constataram que a autarquia não fez a devida escrituração, em dívida ativa, dos autos de infração ambiental emitidos entre 2010 e 2015. O valor total das multas aplicadas pelo órgão no período somava R$ 129.584.448,20. O caso foi julgado procedente pelo TCE e, dessa forma, consideradas irregulares as contas de Luiz Tarcísio Mossato Pinto, que era o então presidente do IAP, e Eliane das Graças Nahhas, que era a contadora.

A conclusão foi de que o IAP não tem controle eficiente da sua dívida ativa. A unidade de fiscalização do Tribunal de Contas destacou que essa situação ocorria desde 2004.

No Brasil, menos de 5% das multas são pagas

No período de 2014 a 2017, levando em conta todo o território nacional, o número médio de autos de infração aplicados pelo Ibama superou 16 mil por ano. Em média, 40% deles estão relacionados a danos à flora. Ao todo, o órgão tem mais de R$ 20 bilhões de multas a receber. Segundo dados do Ibama, menos de 5% das multas aplicadas são efetivamente pagas por empresas e indivíduos que cometem crimes ambientais no país. Nenhum valor arrecadado, contudo, vai para os cofres do Ibama. O Fundo Nacional do Meio Ambiente fica com 20% das multas pagas e o restante vai para o Caixa Único da União.

Multas da Vale e da Samarco até agora não foram pagas

Dois casos emblemáticos que ceifaram a vida de muitas pessoas e até agora não tiveram suas multas quitadas estão na memória recente do brasileiro. Um é o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), no ano passado, que deixou oficialmente 259 mortos. O outro é rompimento da barragem de Mariana (MG), que matou 19 pessoas em 2015, cuja responsabilidade é da mineradora Samarco.

A Vale divulgou em março deste ano um relatório final do Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário de Apoio e Reparação, formado para propor ações de compensação às famílias das vítimas do rompimento de uma barragem da mineradora em Brumadinho (MG), em janeiro do ano passado. O comitê concluiu que, do total de 84 recomendações ao conselho e 11 sugestões à diretoria da Vale, apenas 7% foram concluídos até o momento.

A Vale não reconheceu ainda as penalidades impostas pelo Governo Federal, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério do Trabalho e Emprego. Até o momento, o Ibama aplicou, um dia após a tragédia, cinco autos de infração. Cada um deles resultou numa cobrança de R$ 50 milhões, o que totaliza R$ 250 milhões. Além disso, em 8 de fevereiro, foi aplicada nova multa correspondente a R$ 100 mil por dia, enquanto a mineradora não executasse um plano de salvamento de fauna silvestre e doméstica. Nenhuma delas foi paga.

Em relação à tragédia de Mariana, A Samarco recorreu de todas as multas. Não houve nenhum pagamento ao Ibama, até o momento.

Entenda a atuação do Ibama

A fiscalização ambiental realizada pelo Ibama é o exercício do poder de polícia previsto na legislação ambiental. Consiste no dever que o Poder Público tem de fiscalizar as condutas daqueles que se apresentem como potenciais ou efetivos poluidores e utilizadores dos recursos naturais, com o objetivo de garantir a preservação do meio ambiente. O Ibama é órgão competente para lavrar auto de infração ambiental e instaurar o processo administrativo de apuração da infração na esfera federal, conforme a Lei de Crimes Ambientais.

A fiscalização ambiental busca induzir a mudança do comportamento das pessoas por meio da coerção e do uso de sanções para induzirem o comportamento social de conformidade com a legislação e de dissuasão na prática de danos ambientais. A fiscalização da fiscalização visa reprimir e prevenir a ocorrência de condutas lesivas ao meio ambiente.

Desde a posse do presidente Bolsonaro (sem partido), em 1º de janeiro de 2019, o orçamento do Ibama encolheu 25%, parte do aperto de cinto do governo, de acordo com dados internos do governo coletados pelo PSOL e compartilhados com a agência Reuters. Entre os cortes, o orçamento para a preservação e o controle de incêndios florestais também diminuiu 23%. Sob a gestão de Bolsonaro, de acordo com uma reportagem recente da Folha de São Paulo, as multas ambientais caíram 34%, atingindo o menor nível em 24 anos. No ano em que as autuações foram igualmente baixas, em 1995, foi registrado no Brasil o maior desmate da história.

 

Esta matéria está disponível na terceira edição do jornal Justiça e Conservação, que você pode ler aqui. Também foi veiculada no portal O ECO.

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