Placas de trânsitos, carcaças de veículos, restos de bicicletas, plásticos, latas e pneus. A estiagem severa que afeta o Paraná deixou à vista alguns dos resíduos jogados ao longo dos anos na Represa do Passaúna, em Curitiba. Parte desse lixo, que estava submerso nas águas do rio, foi retirada no começo de maio pelo programa Amigo dos Rios, da Limpeza Pública, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. É a seca que aflige o estado nos lembrando também do desrespeito humano contra a natureza.
Esse caso, porém, é a ponta de um grande iceberg do drama que assola o Paraná e toda a região Sul do Brasil. Para além da poluição física nos rios, a crise hídrica deixa milhares de pessoas sem água em plena época de pandemia – em que o recomendado é buscar higienizar-se constantemente.
A escassez de chuva provoca perdas nas plantações, aumenta o risco de incêndios ambientais, causa assoreamento de rios e põe em xeque fauna e flora que precisam da água para sobreviver. O tempo seco aumenta, ainda, a concentração de poluentes na atmosfera, o que prejudica a saúde respiratória do ser humano. O baixo nível dos rios complica também a vida daqueles que sobrevivem da pesca.
Essas são algumas das consequências da pior seca que atinge o Paraná dos últimos 40 anos. A Barragem do Passaúna, citada no começo da reportagem, faz parte do Sistema de Abastecimento Integrado de Curitiba (SAIC), responsável pelo abastecimento de mais de 3,3 milhões de pessoas dos municípios de Almirante Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras e São José dos Pinhais.
A estiagem severa dos últimos dez meses baixou o volume do Passaúna para menos da metade de sua capacidade, com aproximadamente 45%. Já os chamados “sistemas de captação isolados”, que dependem diretamente de poços e rios, estão com o abastecimento comprometido, o que levou a Sanepar a implantar rodízio em Curitiba e Região Metropolitana. A capital paranaense encara sua pior estiagem das últimas quatro décadas.
A gravidade da situação fez o governo estadual decretar situação de emergência hídrica por 180 dias. A medida busca agilizar processos e evitar que a população possa fi car sem água por um longo período. O texto do decreto regulamenta e dá respaldo às empresas de água que atuam no estado para tomar medidas de racionamento, equilibrando a distribuição entre todos os consumidores e as regiões. Fica permitida a suspensão do abastecimento de água no rodízio por 24 horas, podendo levar até 12 para normalizar. Além da Sanepar, consórcios municipais e uma empresa privada prestam o serviço no Paraná.
Um cenário nada animador
Infelizmente, a situação não é nada animadora para os próximos meses. Estudos do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), divulgados na primeira semana de abril, apontam que o volume de chuvas no Paraná fi cará abaixo da média normal em um período que pode variar de três a seis meses – ou seja, a seca pode persistir até o começo da primavera, em setembro.
Segundo Reinaldo Kneib, meteorologista do Simepar, a tendência é que os reservatórios de água sigam, dessa forma, abaixo do normal. Ele explica que o outono e o inverno são marcados por uma diminuição natural da quantidade e frequência de chuvas. E afi rma, ainda, que as chuvas recentes não são sufi cientes para repor o nível dos reservatórios.
“Não se espera que no próximo quadrimestre tenhamos uma recuperação dessa seca. Só se houvesse várias passagens de frentes frias e vários sistemas de chuva estacionassem no Paraná, provocando assim chuvas signifi cativas por várias semanas seguidas. Mas a gente não está prevendo isso ao longo dos próximos três ou quatro meses. Assim, não vamos ter recuperação dos reservatórios”, lamenta Kneib.
O meteorologista usa Curitiba como exemplo para dimensionar a queda do volume de chuva nos últimos meses. “Desde junho do ano passado até abril deste ano, Curitiba teve 746 milímetros de chuva acumulada. A média normal era 1.354 milímetros. Choveu o equivalente a apenas 55% do esperado”, relata.
Desmatamento na Amazônia pode ter relação com seca no Sul do Brasil
O crescente desmatamento na Floresta Amazônica e a grilagem (posse ilegal e roubo de terras públicas) podem ser os principais motivos para a estiagem que assola a região Sul do Brasil. Segundo Reinado Kneib, meteorologista do Simepar, é preciso realizar estudos científi cos a fi m de entender melhor esses fenômenos de seca que assolam o estado. Todavia, uma das prováveis causas apontadas por ele é o desmatamento, em especial da região amazônica. “Uma grande porção de ar úmido que chega ao sul do país vem da Amazônia, e essa umidade não veio uniforme nos últimos meses. Ainda não temos estudos conclusivos para afi rmar com toda a certeza que o desmatamento na Amazônia contribuiu para a diminuição da chuva. Mas que houve uma grande oscilação que alterou o equilíbrio do cenário, isso é fato”, aponta o pesquisador.
Esse fenômeno citado por Kneib integra o conceito dos “rios voadores”, que foi tema da terceira edição deste jornal.
A expressão “rios voadores da Amazônia” foi criada para designar a enorme quantidade de água liberada pela Floresta Amazônica em forma de vapor d’água para a atmosfera, sendo transportada pelas correntes de ar, que chegam até a região Sul do Brasil. Parte dessa umidade é “rebatida” de volta para o interior do continente, abastecendo as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de outras localidades, como a bacia do Rio da Prata. Mas com o crescente desmatamento na região, essa umidade diminuiu significativamente, o que pode impactar o volume de chuvas em todo o Brasil. Os alertas de desmatamento na Floresta Amazônica cresceram 63,75% só em abril de 2020, se comparado ao mesmo mês do ano passado.
O desmatamento na Amazônia brasileira atingiu um novo recorde nos primeiros quatro meses do ano. Entre janeiro e abril, 1.202 quilômetros quadrados de floresta foram devastados, segundo dados baseados em imagens de satélite do Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (INPE). Isso significa um aumento de 55% em relação ao mesmo período do ano passado e é o número mais alto para o período de janeiro a abril desde 2016, quando as medições foram iniciadas.
Políticas públicas poderiam ter evitado o pior
Políticas públicas para enfrentar o desmatamento e o uso irregular do solo no Paraná, desenvolvimento de projetos visando à preservação das nascentes, recuperação das matas ciliares e criação de sistemas alternativos de captação da água da chuva. Se essas medidas tivessem sido tomadas antecipadamente pelo poder público, a falta de chuva no estado teria tido um impacto e um dano inferior aos da atual situação.
Essa, inclusive, é uma das teses levantadas pelo deputado estadual Goura (PDT). Ele, que é presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Paraná, afirma que a estiagem não seria tão prejudicial “se tivéssemos políticas públicas efetivas de preservação ambiental”.
Além disso, Goura elenca que o poder público deveria ter atuado nos últimos anos em ações de conscientização do uso da água e em fiscalização da utilização do recurso por grandes consumidores agrícolas e industriais.
Goura contou, via assessoria de imprensa, que integrantes da equipe técnica do mandato fizeram uma vistoria, no fim do mês de abril, nos reservatórios do Iraí e do Passaúna, que fazem parte do sistema de abastecimento de água de Curitiba e Região Metropolitana. “O que se pode constatar nesses reservatórios é que eles estão em constante pressão por conta de diversas atividades. É um problema histórico”, disse. Conforme menciona o deputado, a ocupação do solo nas bacias desses reservatórios está relacionada à agricultura, à construção de condomínios, às atividades de mineração e a outros fatores, como o despejo inadequado de efluentes. “A mata ciliar é inexistente em diversos trechos, o que prejudica ainda mais as áreas de drenagem”, completou. Segundo ele, a falta de chuva também é um agravante para vivermos o atual cenário, mas é preciso lembrar que a construção de infraestruturas de acúmulo de água, como essas do Iraí e do Passaúna, tem como objetivo atender a demanda de grandes concentrações populacionais para consumo e, depois, a demanda das atividades econômicas. “Esses reservatórios também foram planejados e são essenciais em períodos de escassez.”
“Ainda não temos estudos conclusivos para afi rmar com toda a certeza que o desmatamento na Amazônia contribuiu para a diminuição da chuva. Mas que houve uma grande oscilação que alterou o equilíbrio do cenário, isso é fato.
Paisagem completamente alterada
A seca alterou drasticamente a paisagem de diversos rios do estado do Paraná. Onde antes era água, agora enxerga- se pedras. Onde existiam exuberantes cachoeiras, como as Cataratas do Iguaçu, hoje imensos paredões de pedra predominam no cenário.
A vazão do Rio Iguaçu nas Cataratas, em Foz do Iguaçu, está, há mais de três meses, abaixo da média normal, que é de 1,5 milhão de litros por segundo. Com a seca, a vazão fi cou perto de 20% do que era antes. Solos, antes cobertos pelas águas, estão tomados por rachaduras, como acontece no Reservatório do Passaúna, na capital do estado. A estiagem fez o Rio Iguaçu registrar o nível mais baixo desde 1931, quando o monitoramento foi iniciado. Em União da Vitória, na região sul do Paraná, o nível chegou a 1,29 m, sendo que o considerado normal é 2,7 m.
Seca também atinge Rio Grande do Sul e Santa Catarina
A seca toma conta de toda a região Sul. Perto de 400 cidades do Rio Grande do Sul decretaram situação de emergência. A estiagem toma conta do estado há pelo menos cinco meses. Todas as regiões do estado registram acumulados de chuva abaixo da média histórica.
Das sete regiões do estado, seis apresentam situação pior do que a verificada na estiagem de 2012. Dados de monitoramento do Serviço Geológico do Brasil – CPRM, publicados pelo Jornal do Comércio, apontam que trechos de rios do estado chegam, em alguns locais, aos menores níveis registrados nos últimos 80 anos.
O estado de Santa Catarina também passa pela mais severa estiagem dos últimos anos. De junho de 2019 a abril de 2020, a chuva acumulada no estado ficou em torno de 500 mm inferior ao registrado na média histórica. Até a primeira quinzena de maio, eram 62 municípios catarinenses em situação de emergência devido à seca.
Simepar aponta que redução média de chuva foi de 30%
Um levantamento do Simepar apontou que nove das maiores cidades paranaenses, de quase todas as regiões do Estado, tiveram chuvas bem abaixo da média histórica entre junho de 2019 e março de 2020. Segundo o instituto, observa-se um acumulado negativo de pluviosidade de aproximadamente 30% no Paraná. Guarapuava é a cidade que mais sofre com a seca. A diminuição no volume de chuvas foi de 47,2% – 809 milímetros contra uma média histórica de 1.533 mm para o período. Em todos os dez meses analisados choveu menos que o previsto no município. Em março, apenas 30 mm, ante uma expectativa de 113 mm.
Capital sofre com abastecimento
O impacto imediato tem sido nos sistemas de abastecimento de água. Rios, poços, minas e córregos estão perdendo vazão, principalmente na Região Metropolitana de Curitiba e no oeste do Estado. Na capital, a média mensal de chuvas para março, por exemplo, é, desde 1998, de 127 milímetros. Mas, neste ano, choveu apenas 12 mm nesse mês. O Rio Miringuava, que abastece Curitiba e doze cidades do entorno, perdeu 60% do volume de água. O nível médio das barragens do Iraí, Passaúna e Piraquara 1 e 2, do Sistema de Abastecimento Integrado de Curitiba, está em 62,7%.Os mananciais que abastecem as cidades de Almirante Tamandaré, Rio Negro, Fazenda Rio Grande e Colombo, estão com níveis preocupantes.
Região oeste
No oeste do Estado, a situação mais crítica está em Medianeira. Os poços e o Rio Alegria que abastecem os moradores da cidade já perderam 40% da vazão. Em Cascavel, o sistema já começa a sentir a falta de chuvas deste ano também. Na cidade, nos três primeiros meses deste ano, o índice pluviométrico está abaixo da média histórica dos últimos 15 anos, que ultrapassa os 600 milímetros. A estação meteorológica local registrou apenas 321 milímetros de chuvas nos 90 primeiros dias de 2020, além da defasagem de chuvas do ano passado. O Paraná tem aproximadamente 200 bacias de mananciais. Os efeitos da estiagem variam de acordo com o perfi l e as condições de cada bacia, infl uenciadas por outros fatores além da chuva, tais como volume e concentração temporal de precipitação, matriz, uso e conservação do solo. Estão sendo afetadas tanto as grandes bacias, que geram energia elétrica, quanto as pequenas, nas quais é feita a captação de água para abastecimento público.
Dicas para consumir água de modo responsável
• Neste período, atividades como lavar carros e calçadas devem ser evitadas;
• Reduza a lavagem diária de roupa. Acumule peças e use a capacidade máxima da máquina de lavar;
• A água do último enxágue do tanque ou da máquina pode servir para regar jardim e grama, ensaboar tapetes, tênis, lavar calçadas e pisos. Lembre-se: lavar as calçadas com a mangueira é desperdiçar água tratada. Para “varrer” a sujeira, use a vassoura;
• Feche a cuba da pia, deixando um pouco de água. Ensaboe toda a louça e enxágue com água limpa. Não deixe a torneira aberta durante todo o tempo;
• Cinco minutos de chuveiro consomem 70 litros de água. Reduzir o tempo do banho faz muita diferença na conta;
• Reduza o tempo da torneira aberta enquanto escova os dentes, ensaboa as mãos ou faz a barba. Torneira aberta manda para o ralo 20 litros de água por minuto. Prefira vasos sanitários menores, que utilizam menos água para a descarga;
• Se o seu chuveiro demora para esquentar a água do banho, não desperdice. Recolha esta água limpa com um balde e utilize no vaso sanitário.