As grandes empresas de rádio e televisão são detentoras de concessões públicas para a exploração da comunicação utilizando-se do espectro de radiofrequências – elevado à categoria de bem público (lei 9.472/97). Elas recebem uma delegação do Estado para atender a finalidades e interesses públicos por meio da exploração de tais serviços (artigo 21, da CF/88). Portanto, as regulamentações que organizam suas atividades, trazem, dentre suas obrigações, deveres para com a sociedade.
Infelizmente, a confusão entre o público e o privado no Brasil é gigantesca e histórica, principalmente, nas atividades desempenhadas pelo Estado brasileiro. A fiscalização da coisa pública aqui, como sabemos, é muito precária e repleta de corrupção por todos os lados. No caso das empresas de mídia – traumatizados que somos pela censura – criou-se um “animal estranho”, o CONAR (Conselho Nacional de Auto-regulamentação publicitária), para exercer essa fiscalização. Trata-se de uma entidade privada sem fins lucrativos que não tem nada haver com o poder judiciário.
Cabe ressaltar que, quem escolhe os conselheiros do CONAR são entidades que dependem de gastos publicitários. A maior parte das vagas para o Conselho de Ética do conselho decorre de indicações das entidades fundadoras e associadas a ele, como ABA, Abap, Abert, Aner, ANJ, Central de Outdoor, ABTA, Feneec e IAB Brasil, por exemplo. Talvez seja por isso que, volta e meia, assistimos bestificados às barbaridades que adentram em nossos lares na forma de programas e propagandas que, na verdade, prestam um desserviço à sociedade.
Pode-se dizer que as campanhas massivas e nacionais intituladas “Agro é Tudo”, apoiadas pela Ford e Seara (pertencente ao grupo JBS) na Rede Globo, e a “Nosso Agro”, veiculada na Rede Bandeirantes, são parte desse rol de publicidade ruim. Essas campanhas caríssimas e massivas são um exemplo de tentativa de manipulação da opinião pública em prol de um setor que, em tempos de crise, posiciona-se arrogantemente como “salvador da pátria”.
Do ponto de vista econômico, a atividade agropecuária brasileira tem se destacado pela exportação de carnes e soja. A maior parte da produção destas commodities está concentrada nas mãos de uma pequena parcela da sociedade brasileira, que ocupa o topo da pirâmide. Ela representa um pequeno substrato da população que pode gastar em torno de 150 mil reais em caminhonetes de luxo, tal qual anunciadas nos comerciais das referidas campanhas de conteúdo impreciso.
Segundo uma das propagandas, o “agronegócio brasileiro emprega 19 milhões de pessoas”, o que representaria “20% do total de empregos no país”. Acontece que quem mais emprega no campo é a agricultura familiar, com 11,5 milhões de trabalhadores. Manipulam-se, portanto, os números para demonstrar que o agronegócio é o grande gerador de empregos.
É preciso esclarecer que a “elite ruralista” concentra mais da metade das terras do país, além de contar com enormes benefícios fiscais como perdões de dívidas pelo governo. Esta gente – que hoje divide com a bancada evangélica a hegemonia no reino político de Brasília – gera menos emprego que a agricultura tradicional.
Na verdade, o que se viu na sequência de comerciais – entre um comercial de produto aqui e um dado setorial ali – foi um grande esforço conjunto do agronegócio no Brasil para melhorar sua imagem. Imagem esta desgastada por inúmeros escândalos pouco divulgados pela imprensa, que depende dos investimentos publicitários do agronegócio.
Escândalos que começam com o envolvimento do próprio ministro da agricultura, Blairo Maggi, um dos maiores plantadores de soja do mundo. Denunciado recentemente pela Procuradoria Geral da República por corrupção ativa, o ministro, cujo nome é sinônimo de agronegócio, também já foi investigado por crimes ambientais. É de se perguntar se a nomeação de Maggi por Temer, para o ministério da agricultura, seria legalmente possível em países desenvolvidos. No caso de Maggi, “agro é puro”. Puro conflito de interesses. Colocar a “raposa cuidando das galinhas” não parece ser algo prudente, ainda mais em países como o Brasil. Fizesse Maggi parte de um conselho setorial que pudesse auxiliar o governo, ainda vá. Mas nomeá-lo ministro da agricultura, é como colocar Eike Batista presidindo a Petrobrás.
Outro escândalo, ainda mais relevante é o envolvimento do atual presidente da república e de boa parte dos parlamentares brasileiros com a JBS, grande “doadora” da chapa Dilma-Temer. Em mais de uma ocasião, dada a gravidade das delações, o atual governo veio abaixo, mas foi salvo pela bancada ruralista e outros integrantes Congresso Nacional. A JBS responde por inúmeras irregularidades trabalhistas, tributárias e ambientais. Além de ser protagonista em um dos maiores esquemas de corrupção da história do Brasil e quiçá do mundo.
Não faz muito tempo, outro escândalo de proporções mundiais envolvendo o suborno de fiscais do governo na fiscalização da carne abalou a indústria brasileira e muitas exportações precisaram ser suspensas. Não faltam, portanto, motivos aos senhores do agronegócio para tentarem melhorar a imagem institucional do setor a qualquer custo. Esta melhoria de imagem também pode ser-lhes útil na tentativa de aprovação de novas leis afrouxando o uso de agrotóxicos, hormônios e fertilizantes.
Mas por que os publicitários brasileiros não possuem olhar mais crítico sobre as mensagens inverídicas sobre o agro? Talvez porque, para algumas empresas de comunicação, agro seja realmente tudo. De rentável. Num outro recente episódio, a GM/Chevrolet, propagandeou uma caminhonete, nas palavras do jornalista André Trigueiro, “utilizando um discurso raivoso e beligerante de lideranças do agronegócio contra ambientalistas”. O texto do comercial, de tão agressivo, abala o prestígio da montadora e da agência de propaganda que assina o comercial.
Uma denúncia sobre esta propaganda foi levada ao CONAR, exigindo que o caso fosse analisado por uma comissão interna. A bancada, formada na maioria por pessoas ligadas a empresas de mídia e publicidade, no entanto, não viu problema algum na peça publicitária da GM. Mas basta assistir uma vez o comercial para entender que o conselho errou de maneira grosseira. A propaganda fomenta a discórdia e a animosidade.
Em seu livro “Homo Deus”, Yuval Harari nos conta que antes do agro, a vida em sociedade era mais equilibrada e a escassez de alimentos funcionava como um regulador natural da população. Na verdade, os primeiros Homo sapiens e neandertais caçadores-coletores, conseguiram sobreviver por longevos 20 mil anos dessa maneira. Ainda segundo o autor, a agricultura foi, na verdade, o começo do fim para muitos. Com ela vieram ondas de extinção em massa e a propriedade privada e seus conflitos, que produziram a maior parte das guerras da humanidade.
Não se trata aqui de nenhuma apologia a ideologias retrógadas. Precisamos sim do agronegócio. Esta última reflexão é apenas um olhar científico sobre o verdadeiro significado histórico e antropológico do que realmente é o agro. Por meio de um olhar mais amplo, fica claro que há necessidade de mais equilíbrio no meio publicitário e maior transparência em instituições como o CONAR.
Giem Guimarães é diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).
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