Por Daniel Moura, biólogo e diretor do Santuário de Elefantes Brasil
O Santuário de Elefantes Brasil surgiu com uma ideia embrionária para tentar oferecer abrigo a esses animais, tanto do Brasil, quanto da América do Sul, para que pudessem ter uma segunda chance e recuperar minimamente as condições físicas e psicológicas que foram muito abaladas durante décadas de exploração extrema.
A ideia surgiu em 2010 e o projeto começou a ganhar corpo em meados de 2013, quando visitamos várias fazendas pelo país, para decidir onde faríamos um santuário de elefantes. Mas por que o Brasil? Por que elefantes? Porque aqui ainda existem em torno de 15 elefantes que foram parar em zoológicos após apreensões. Quando começamos esse projeto, havia quase 30 elefantes, em situação completamente inadequada para o comportamento da espécie, sem as necessidades básicas atendidas. A maioria era de circos, caso dos cinco animais que estão sob nossos cuidados hoje.
A escolha do Cerrado foi certeira, é o melhor lugar que poderíamos ter escolhido
O Santuário de Elefantes Brasil fica na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso. Mapeamos uma terra apropriada para receber tanto elefantes asiáticos quanto africanos porque são animais com comportamentos e alimentação distintos. Chegamos ao Cerrado depois de mais de uma centena de propriedades visitadas, em várias regiões do país. Foram muitos anos procurando.
O Cerrado tem uma configuração muito peculiar, com onze tipos de vegetações distintas e a área, por ser muito ampla, faz divisa com o Pantanal e com a Floresta Amazônica. Levamos em consideração o regime de chuva e seca para abastecer e também cuidar desses elefantes em situações extremas.
Para a escolha, contamos com especialistas em elefantes como Scott Blais, que hoje é presidente do projeto e um dos co-fundadores do Santuário de Elefantes no Tennessee (EUA). A instituição tem mais de 25 anos e uma expertise única em elefantes em cativeiro. Os Estados Unidos possuem uma legislação ambiental muito fraca se comparada com a do Brasil. Lá há muito mais animais precisando de ajuda do terceiro setor e de pessoas para intervir em alguns casos.
A construção do Santuário no Brasil começou em 2014 e, 2 anos depois, recebemos a Maia e a Guida juntas. Elas viviam acorrentadas na fazenda de um circo, no interior de São Paulo. Foi um resgate bem difícil e depois não paramos mais, de 2016 até 2021 fizemos sete resgates no Brasil, no Chile e na Argentina.
Se der tudo certo com as questões burocráticas, em breve virão mais duas meninas, a Pocha e a Guilhermina que são mãe e filha. A Guilhermina não foi explorada por circo, mas também nunca saiu de dentro de um recinto de zoológico. Queremos dar oportunidade para essa jovem, de vinte e poucos anos, de viver com dignidade. Provavelmente será a elefanta mais jovem na América do Sul.
A média de vida de um elefante em vida livre é de 60 a 70 anos. Algumas exceções chegam a 80 anos, isso sem ter caçadores, conflito humano e exploração para transporte ou turismo. Em cativeiro, essa média não chega a 30 anos, filhote em cativeiro é um desastre, reprodução de elefante em cativeiro é muito difícil e arriscada. Então, nossas meninas são guerreiras e queremos oferecer qualidade de vida e dar autonomia para elas socializarem. É emocionante vê-las interagindo, elefantes que nunca se viram na vida, depois de 50 anos, formando um grupo social.
No santuário, oferecemos espaço e autonomia alimentar, cognitiva e de socialização. Na verdade, ficamos só de longe, observando os sinais, se precisam de algum suporte, sem interferir em todas essas relações. É isso que o elefante precisa. Não é só soltar os elefantes e pronto. Existe todo um trabalho técnico que envolve de tratamento veterinário ao processo de condicionamento ao ambiente.
Temos interesse em receber todos os elefantes da América do Sul, sem exceção, mas existem obstáculos
Antes mesmo de construir o santuário, foi feito um mapeamento dos elefantes no Brasil. Visitamos praticamente todos os elefantes em zoológicos e fizemos uma avaliação da condição de vida que eles tinham, conversando com as equipes técnicas. Fomos bem recebidos e tivemos acesso ao pouco histórico que havia dos animais, porque a maioria vem de apreensão.
Nesse mapeamento foi possível identificar problemas muito sérios de saúde. Por exemplo, a Lady que já está sob nossos cuidados, tem um problema crônico na pata, uma infecção no osso sem cura que precisa de tratamento paliativo para a dor para que ela tenha uma qualidade de vida melhor. A Maia e a Guida estavam acorrentadas numa fazenda e precisavam ser retiradas imediatamente daquelas condições extremas.
Já com a Rana foi um caso diferente, procuraram o santuário para entregá-la. Estamos construindo o recinto dos machos asiáticos, então logo poderemos receber o Sandro e o Tamy que estão na Argentina. Há todo um planejamento de quem seria a prioridade, mas eventualmente aparece a oportunidade de trazer um outro que não podemos perder. Temos vontade de trazer todos ao mesmo tempo, mas isso é impossível, o santuário tem que crescer, adaptar-se e o processo burocrático é bem moroso, até frustrante às vezes.
Elefantes asiáticos e africanos não vivem juntos, devem estar separados. Machos e fêmeas não convivem na natureza, se encontram apenas para reprodução, logo também têm que estar separados, então temos que ter vários recintos.
Além disso, para cada elefante que chega, precisamos aumentar e treinar as equipes, habituar os elefantes até tudo estar seguro, um processo contínuo e devagar, feito dia a dia porque pode existir uma tensão e precisamos saber quando é hora de deixar cada um mais afastado. É sobre entender o comportamento dos animais e intervir apenas quando necessário.
Existem mais fêmeas em cativeiro no Brasil já que é muito mais fácil explorar elefantas asiáticas fêmeas, porque elas não têm o marfim, são de menor porte e mais dóceis. Os machos são mais agressivos e não permitem tanto a doma, então foi muito mais fácil para os circos explorarem essas fêmeas ao longo da história. Então começamos com elas que tinham condição de saúde pior.
Os recintos são específicos e exclusivos, para cada animal que chega é preciso construir um outro recinto. As fêmeas asiáticas ocupam 28 hectares e vamos expandir para 90 hectares. Já começamos a mexer com documentação e licenciamento para que tenham um fragmento de vida livre para explorar.
Vamos receber a Pocha e a Guilhermina e já estamos construindo o recinto de machos asiáticos. Assim que terminarmos a quantidade suficiente de hectares para recebê-los, entraremos com o pedido de licenciamento na Secretaria do Meio Ambiente. É feita a vistoria para a licença de operação e autorização de manejo. Aí sim podemos buscar o Tamy. Ele está ali na ponta da agulha para vir!
O transporte de um elefante envolve muitas licenças ambientais de órgãos estaduais e federais de dois países. O animal fica em quarentena e passa por exames para saber se não vai transmitir nenhum tipo de doença para a fauna do Brasil. É importante que existam essas leis, porém, tornam o processo muito lento. Envolve Ibama, Ministério da Agricultura, Receita Federal e temos que provar que não é uma desculpa, uma mentira, para comercializar e explorar elefantes.
A viagem é um aparato de guerra, muito complexa, envolve muitas pessoas e todo o comboio. São quatro a cinco dias de percurso e vários dias antes para a acomodação desses animais na caixa de transporte. Todo mundo tem que estar atento, com pessoas experientes, porque sempre podem acontecer coisas distintas.
Foi um processo muito difícil convencer todo mundo que a Ramba, primeira elefanta vinda de fora do Brasil, era com o objetivo de proteger. Depois que conseguimos, as coisas estão caminhando bem. Estamos preparados para frustrações se não der certo, porém somos insistentes e vamos trazer os outros.
Não pretendemos reproduzir os elefantes nem se estivessem em total condições de reprodução
Eles não são do Brasil, vieram para a finalidade de exploração, assim como uma série de outros animais exóticos em cativeiro, como ursos, leões, tigres, hipopótamos e rinocerontes. São animais exóticos de grande porte que chamam atenção sempre, mas não tem elefantes no Brasil, temos que conservá-lo na natureza, lá na Ásia, na África, onde estão extremamente ameaçados. Não tem programa de conservação para eles no Brasil, então não faz sentido permitir a reprodução aqui.
Temos espaço para receber todos os elefantes, a propriedade do santuário tem 1.100 hectares, ou 10 milhões de metros quadrados, de cerrado e de floresta. Boa parte era de agropecuária e acabamos pegando essa área que já está recuperando onde o gado degradou tudo. Com a presença dos elefantes, floresceu tudo, porque eles são super jardineiros e atraem outros animais silvestres que acabam dispersando sementes de várias frutas e trazendo insetos que polinizam.
Não pretendemos trabalhar com outros animais exóticos, só com elefantes, porém, naturalmente já trabalhamos com animais silvestres nativos, o que é muito importante. O Santuário firmou parceria com a Secretária de Meio Ambiente do estado de Mato Grosso, que reabilita e encaminha animais para soltura, como veados e a anta Jorge que eventualmente ainda aparece por lá. O local se tornou uma área de segurança para muitos animais silvestres em vida livre, um refúgio natural para a fauna.
Daniel Moura é graduado em Ciências Biológicas com especialização em manejo e conservação de animais silvestres. Possui 13 anos de experiência em Santuários de Animais silvestres, tendo atuado por vários anos como educador ambiental e biólogo pelo Santuário Rancho dos Gnomos e Santuários de Elefantes Brasil, organização que faz parte desde a sua fundação. Atualmente é diretor do Santuário de Elefantes Brasil e responsável pela criação e gerenciamento da área de soltura de animais silvestres (ASAS) Nina Rosa, em São José do Barreiro (SP). Também é consultor na elaboração de empreendimentos de fauna silvestre.
Ele compareceu ao Programa Justiça & Conservação no dia 21/10/21, clique aqui para assistir à entrevista.
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