Quando pensamos em “Cerrado” nos vem à mente a fisionomia do Planalto Central Brasileiro, com árvores de troncos retorcidos, raízes longas e folhas grossas que sobrevivem em um ambiente de temperaturas elevadas a maior parte do ano.
Porém, o Cerrado se estende até o estado do Paraná, onde chega na forma de pequenos encraves de arvoretas, que se misturam à vegetação dos Campos Gerais, situação considerada pelo Renomado geólogo alemão Reinhard Maack como inusitada, considerando as condições climáticas do estado em comparação à região central do Brasil.
Maack, radicado em Curitiba, alertava na década de 1960 sobre a importância da formação florística que reconheceu como a mais antiga do estado, e que já chegou a ocupar 1% de todo o território antes da colonização. Porém, estas formações permaneceram ignoradas nos mapas até 2004, quando o IBGE reconheceu a extensão do Bioma até a região dos Campos Gerais, colocando oficialmente esta região como o limite meridional de sua ocorrência.
A importância do Cerrado como bioma é mundialmente conhecida: é a savana com a maior diversidade biológica do mundo. É também um dos locais prioritários para conservação no mundo todo, incluído como um dos 34 “hotspots” mundiais de biodiversidade. Este termo foi criado pelo ecólogo Norman Myers para definir locais do planeta com grande riqueza natural, elevados índices de endemismo de espécies e que já perderam mais de 70% de sua vegetação original. Em resumo, áreas que estão sob forte ameaça e que necessitam de atenção urgente para que não sejam extintas por completo.
Nos Campos Gerais a situação é ainda mais grave: o Cerrado já perdeu quase 80% de sua área e os remanescentes atuais sobrevivem em meio a áreas de agricultura e silvicultura. Com a proposta de redução de 70% da Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana (PL 527/2016), a situação tende a piorar, visto que a quase totalidade dos fragmentos concentra-se nesta região.
Em resumo, o avanço constante do agronegócio sobre os mosaicos savânicos, que há anos vêm sendo descaracterizados e reduzidos, poderá em breve extinguir totalmente o Cerrado dos Campos Gerais, sem que sequer tenha sido devidamente estudado pela ciência.
Do que já se conhece até então, sabe-se que as árvores que atingem grandes alturas em áreas nucleares de Cerrado (Distrito Federal e Minas Gerais), vão diminuindo seu porte quanto mais ao sul, a ponto de atingir fisionomias consideradas “anãs” nos Campos Gerais, como por exemplo o conhecido pequi (Caryocar brasiliense), uma das nativas de maior importância econômica da savana.
Há também variação de espécies que se mostram raras no restante do Bioma e que, nos Campos Gerais, adquirem fisionomia comum, como por exemplo Plenckia populnea, popularmente conhecida como marmeleiro ou marmelo do Cerrado. O inverso também ocorre: o pau terra (Qualea grandilfora), uma das espécies símbolo do Bioma, de ocorrência comum até o estado de São Paulo, possui poucos exemplares nos Campos Gerais.
Além da fisionomia peculiar, há que se mencionar os enigmáticos padrões de ocorrência destas formações nos Campos Gerais, seus aspectos ecológicos, endemismo de espécies, potenciais de uso (que vão desde o medicinal até a recuperação de solos degradados, barreiras contra o vento, etc). Todas estas questões e muitas outras podem nunca chegar a ser desvendadas se não houver o devido cuidado com o que sobrou do Cerrado no estado.
Esta situação impõe ao poder público a necessidade iminente de políticas conservacionistas. Além da biodiversidade que precisa ser melhor conhecida e analisada sob diversos aspectos científicos, o Cerrado representa o patrimônio natural da região, fato que o torna único e digno de toda atenção necessária para que sua sobrevivência seja garantida.
Lia Maris Orth Ritter Antiqueira é bióloga, doutora em Ciências, líder do grupo de pesquisa em Conservação da Natureza e Educação Ambiental (CONEA), docente da UTFPR/Ponta Grossa e parceira do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).
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