Recentemente, comemoramos a recuperação de uma espécie endêmica e ameaçada do litoral do Paraná e litoral sul do estado de São Paulo: o papagaio-de-cara-roxa. Na década de 80, a espécie Amazona brasiliensis estava criticamente ameaçado de extinção devido ao desmatamento das planícies litorâneas e o roubo de filhotes para alimentar o tráfico de animais silvestres. Sua área histórica de distribuição era o litoral de Santa Catarina ao litoral de São Paulo. Atualmente, ele não é mais encontrado no estado de Santa Catarina. O último registro foi em 1990.
Inúmeros esforços foram realizados nos últimos anos para a conservação dessa espécie, com uma população estimada na década
de 1980 em cinco mil indivíduos. As primeiras iniciativas foram de pesquisa pelo ornitólogo Pedro Scherer, que, na década de 1990, descobriu as áreas mais utilizadas pela espécie para dormitório, nidificação e alimentação. Ele constatou também que essa espécie é ainda mais restrita dentro da sua área de distribuição, vivendo apenas nas ilhas e nas planícies próximas da costa, em florestas em bom estado de conservação.
As informações científicas foram a base para que a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) iniciasse um projeto de conservação da espécie no estado do Paraná, a partir de 1998, que depois foi estendido para São Paulo, em 2013. Ao longo de quase 30 anos, muitos esforços foram feitos para a recuperação do papagaio-de-cara-roxa. Um trabalho que contou com um exército de profissionais, voluntários e moradores do litoral que diariamente, no período reprodutivo do papagaio, visitavam, cuidavam dos ninhos e realizavam inúmeras atividades educativas para que todos soubessem que essa espécie precisava da ajuda de cada um – morador e turista – para se manter na natureza.
Descobrimos que um dos problemas era a falta de ninhos naturais, então, instalamos mais de 150 ninhos artificiais ao longo dos anos para que os casais tivessem sucesso reprodutivo e novos filhotes encontrassem condições de unirem-se aos bandos de papagaio que voam pelo litoral. Entre as atividades realizadas, foi muito marcante a parceria que fizemos com um grupo de teatro local, o “Fâmulos de Bonifrates”. Com esse grupo, criamos várias peças de teatro de boneco e de rua e fizemos uma bela turnê por todos os cantos do litoral do Paraná! Cada vez mais, fomos agregando pessoas na defesa do papagaio. Percebemos que a espécie faz parte da cultura local! Os moradores se orgulhavam de contar que na árvore do seu quintal havia um casal nidificando, ou um grupo de papagaios se alimentando.
Hoje, a população de papagaios total é de, no mínimo 9 mil indivíduos e o Paraná abriga pouco mais de 7.400 deles. Desde 2003 fazemos contagens anuais em todos os dormitórios conhecidos ao longo da área de distribuição atual. Assim, conhecemos as estimativas populacionais e as rotas que eles percorrem. Ao longo dos anos, fomos registrando um número maior de indivíduos ocupando os dormitórios coletivos, um claro indicador de. que as ações vêm dando resultados e a espécie se recuperando.
Desde 2014, ela não está mais na lista nacional de espécies ameaçadas. Está como “quase ameaçada”, devido a dependência de ninhos artificiais para reprodução. A última contagem foi de 7.493 papagaios no litoral do Paraná, em junho de 2019. Constatamos que, a partir de 2011, dois dormitórios localizados no município de Paranaguá (Ilha do Mel e ilha da Cotinga) começaram a abrigar um número maior de papagaios, chegando a 4 mil indivíduos em 2018 e 3.500 em 2019. A maioria deles deslocam-se ao longo do dia para as planícies litorâneas de Pontal do Paraná e região do Guaraguaçu (em Paranaguá) em busca de alimento. É uma planície contínua, ainda em bom estado de conservação com duas áreas já protegidas, o Parque Estadual do Guaraguaçu e Parque Estadual do Palmito (representando cerca de 16 % dessa planície).
Porém, uma parte significativa dessa planície está em risco de desaparecer se Pontal do Paraná se transformar em uma região portuária. Essa ameaça traria um impacto incalculável para todo o município, se todos os empreendimentos previstos forem instalados. Considerando a extensão dessa planície, que hoje garante condições de vida para os papagaios, há risco de desmatamento em pelo menos 37% da área diretamente utilizada pela espécie. Significativamente maior que as duas unidades de conservação, também inseridas nessa planície. Os empreendimentos provocariam alterações violentas em toda a paisagem, que também abriga comunidades tradicionais e indígenas que perderiam parte de seus territórios, cultura, segurança e qualidade de vida.
A Mata Atlântica serviu para o desenvolvimento de inúmeras cidades. Cerca de 70% da população vive hoje nesse Bioma. E as áreas naturais se reduziram a cerca de 7% com condições de abrigar a alta biodiversidade e endemismo típicos da Mata Atlântica. Todos nós, moradores da Mata Atlântica – ou filhos dela – somos responsáveis por sua manutenção e recuperação. O valor de manter áreas naturais é incalculável e está atrelado à nossa vida mais do que imaginamos. Os manguezais, por exemplo, protegem as costas dos eventos climáticos, evitando a destruição das áreas continentais. Os moradores locais dependem diretamente de uma região preservada para sobreviverem. Sua cultura está atrelada aos elementos naturais. Sem falar da dependência de quem mora nas grandes cidades. Para elas, as áreas oferecem inúmeros benefícios, como bem-estar, lazer e a cura de doenças como ansiedade, depressão e stress. Cada vez mais as regiões que mantiverem suas áreas naturais e sua cultura local serão valorizadas e os moradores poderão se beneficiar por meio da oferta de serviços a um crescente número de visitantes.
Se isso não acontecer, todos irão perder, e pouquíssimas pessoas irão se beneficiar. E um dos símbolos do litoral do Paraná, o papagaio-de-cara-roxa, provavelmente voltará a integrar a lista de espécie criticamente ameaçadas de extinção.
Mas ainda é tempo de reverter essa situação se a sociedade manifestar seu repúdio em relação aos empreendimentos de Pontal do Paraná. Acessando www.salveailhadomel.com.br é possível enviar um e-mail ao poder público posicionando-se contrário à ideia da instalação do porto em Pontal. Ele ficaria em frente, a menos de três quilômetros, da Ilha do Mel.
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