O assustador derretimento das geleiras dos Andes

Pesquisadores afirmam que elas estão menores do que em qualquer outro momento desde o fim do último Período do Gelo, há 11.700 anos.

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Por Lorena Rohrich Ferreira | 09 de agosto de 2024

 

Um estudo recente publicado na revista Science revela que o recuo das geleiras nos Andes é sem precedentes na história humana. A pesquisa, liderada por Andrew Gorin, do Departamento de Ciências da Terra e Ambientais do Boston College, usou datação de carbono para analisar rochas expostas pela redução do gelo, encontrando concentrações excepcionalmente baixas dos isótopos berílio-10 e carbono-14, indicando que essas rochas não estiveram expostas ao céu por milhares de anos.

Os resultados surpreenderam os especialistas, que não esperavam tal degradação em tão pouco tempo, e ressaltam a velocidade alarmante do derretimento em relação às previsões anteriores. Pesquisadores afirmam que elas estão menores do que em qualquer outro momento desde o fim do último Período do Gelo, há 11.700 anos.

 

Os resultados do estudo 

“O trabalho de campo de datação e identificação, através de berílio, mostra que essa rocha hoje exposta esteve escondida debaixo da geleira pelo menos até 12 mil anos atrás, quando a gente atingiu o final do último máximo glacial e iniciou esse período que nós chamamos de intraglacial, o Holoceno”, afirma Francisco Eliseu Aquino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), climatologista e pesquisador do Centro Polar e Climático da UFRGS.

 

EMILIO MATEO | ASPEN GLOBAL CHANGE INSTITUTE 

 

Esse trabalho, segundo o pesquisador, evidencia que as geleiras estão derretendo, os oceanos estão mais quentes, o nível do mar está subindo, a biodiversidade local está desaparecendo e os eventos estão cada vez mais extremos e frequentes.

“Num planeta em franca mudança do clima, registrar a menor extensão já obtida de geleiras de montanha tropicais, e nesse caso aqui dos Andes, pertinho de nós (no sul do Brasil), esse estudo é extremamente relevante. Para a ciência servirá, sem dúvida nenhuma, como um marcador da atual mudança climática que é, sem dúvida, pela ciência causada pelas atividades humanas.” 

As geleiras cobrem uma superfície rochosa do planeta, que não recebe radiação solar por conta da massa de gelo, mas à medida que elas estão derretendo rapidamente, a rocha, agora, está exposta à radiação solar pela primeira vez.

Ivan Alvarado | Reuters 

 

Segundo Aquino, o derretimento das geleiras tropicais é um sinal precoce das consequências das mudanças climáticas globais. “As geleiras tropicais vêm encolhendo ao longo do último século, a maioria, para não dizer 99,9% dessas geleiras tropicais, e aceleradamente na América do Sul”.

“Parece até contraditório a gente falar de gelo e tropical, mas é um lugar quase que único no planeta e é um ambiente muito sensível que está desaparecendo rapidamente”, afirma Filipe Lindau, pós-doutorando no Centro Polar e Climático da UFRGS.

O pesquisador explica que a situação já está evidente na região ao norte da Bolívia, próximo de La Paz, onde as geleiras vêm sofrendo com o atual aquecimento da atmosfera”.

“A geleira Chacaltaia era uma estação de esqui que já nos anos 90 desapareceu, não se tem mais neve o suficiente para manter essa atividade e isso está acontecendo agora em outras regiões também”, diz. 

 

Estação de esqui na geleira Chacaltaia foi desativada por conta do aquecimento global. Foto: Istock

 

“É um cenário realmente assustador, a velocidade que vem acontecendo, e a gente consegue sentir da população local também essa apreensão da velocidade que as coisas vêm acontecendo e o tamanho disso.”

 

As consequências

O percentual de desaparecimento, de diminuição do gelo em relação ao que havia décadas atrás, depende da altitude. “Existem geleiras que estão em uma altitude mais alta, que ainda estão resistindo, mas que vem perdendo massa [de gelo]”, afirma Filipe. 

“A geleira Humboldt, que fica na Venezuela, quer dizer, ficava, era considerada, do último ano para cá, como uma geleira que realmente colapsou. O tamanho dela é tão pequeno que ela não flui mais, ela desaparecerá.”

O Pico Humboldt, nos Andes Venezuelanos, abriga a última geleira do país, mas não por muito tempo. Foto: Jorge Silva | Reuters

“As geleiras indicam muito bem a variabilidade do clima, elas são uma imagem disso, e as pessoas lá têm muita noção disso e relatam mudanças no seu estilo de vida.” – Francisco Aquino, climatologista e professor da UFRGS

As geleiras tropicais vêm encolhendo ao longo do último século, a maioria, para não dizer 99,9% dessas geleiras tropicais, e aceleradamente na América do Sul. 

Nesse momento, com o derretimento, a região, que normalmente é árida, está tendo maior disponibilidade de água e isso vem influenciando as práticas na agricultura e possibilitando uma fartura. Mas “isso é uma questão de tempo. O que a gente observa é que logo isso vai passar para um extremo que vai ser uma falta muito grave de água. As geleiras têm um papel de manter um aporte constante de água, então em épocas de muita seca as geleiras suprem a água”, afirma Aquino. 

“Como esses povos [andinos] vão se adaptar? São questões que têm que ser discutidas urgentemente, e em certa medida estão sendo, mas é um desafio enorme. Com certeza”, complementa.

 

Aumento do nível do mar nas regiões costeiras?

O gelo no planeta Terra está quase totalmente centralizado no continente antártico, cerca de 90%. O restante está concentrado na Groenlândia (7%) e os 3% restantes são as geleiras de montanha no planeta.

O fato é que as geleiras de montanha no planeta, de modo geral, estão derretendo no último século e aceleradamente na última década. 

“Por consequência, nós sabemos que o nível do mar tem que aumentar em mais ou menos 1 metro até o ano 2100 pelo volume de água calculado destas geleiras de montanha, mais a expansão térmica do oceano. Essa é uma conta que há décadas já chama atenção da comunidade internacional, que a mudança do clima, obviamente, derrete geleiras no planeta.” 

Com o nível do mar subindo, a salinização da água aumenta em região costeira, aumentando a erosão costeira e dificultando a ocupação humana que habita esses locais. 

É importante destacar também que os lagos que se formam naturalmente na frente das geleiras nos Andes e que no período de seca da região abastecerão a população, têm se rompido por contando do derretimento, gerando inundações e grandes prejuízos em comunidades locais.

Lago nos Andes chileno. Foto: Freepik 

 

Por fim, é importante lembrar que as geleiras assumem um importante papel para o nosso planeta. Por serem brancas, elas refletem quase 90% da energia da radiação solar, devolvendo o calor para o espaço. “Se a gente diminui a parte branca da superfície terrestre, que são as geleiras do Ártico, da Antártica e de alta montanha, a gente perde a absorção da radiação solar e, por consequência, amplifica o efeito de aumento da temperatura”, explica Aquino.

Assista a entrevista completa com os pesquisadores d Centro Polar e Climático da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) abaixo:

Francisco Eliseu Aquino – Climatologista, desenvolve pesquisas com ênfase em meteorologia e climatologia polar e subtropical, eventos extremos e emergência climática. Possui 17 expedições científicas ao continente antártico. Bacharel em Geografia – UFRGS, mestrado em sedimentação glaciomarinha e clima (geologia marinha) pelo Programa de Pós-Graduação em Geociências (UFRGS), e doutorado com ênfase em mudanças climáticas entre a Antártica e o Sul do Brasil pelo Programa de Pós-Graduação em Geociências (UFRGS) e Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) / Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

 

Filipe G. L. Lindau – Dedica-se ao estudo da variabilidade ambiental durante os últimos séculos a partir de registros químicos obtidos de testemunhos de gelo extraídos dos Andes e da Antártica. Atualmente é pós-doutorando no Centro Polar e Climático da UFRGS. Fez pós-doutorado no Climate Change Institute da